A NOÇÃO DE TEXTO NA CONCEPÇÃO DA ANÁLISE DO DISCURSO Contribuições para o trabalho com o texto em sala de aula.

Artigo escrito por Nidiane Rodrigues de Albuquerque

Resumo:o presente artigo visa ao melhor entendimento da noção de texto a partir da perspectiva teórica da Análise do Discurso e, a partir dessas considerações sobre o objeto de estudo texto, refletir sobre de que forma de tais estudos contribuem para o trabalhocom diferentes gêneros textuais nas aulas de língua portuguesa, em turmas de Ensino Médio. Para isso, serão consideradas as contribuições teóricas da autora FredaIndursky (2006), que em seus comentários sobre o estudo do texto como unidade de análise cita as visões de autores como Pêcheut (1969) e Harris (1963), precursores da Análise do Discurso.

Palavra chave: texto, discurso, gêneros textuais

Introdução:

Busca-se neste artigo, através das teorias da análise do discurso, entender como se constrói a noção de texto nesta concepção dos estudos da linguagem e, a partir da análise deste campo teórico avaliar de que forma tais conceituações sobre a categoria texto podem contribuir para a prática de leitura e produção escrita em sala de aula.

Tais conceitos da análise do discurso sobre o objeto texto convém ao trabalho em sala de aula, pois, diferentemente das outras teorias linguísticas como a semiótica e linguística textual, que só consideram os elementos internos ao texto, a análise do discurso considera, além da estrutura interna de cada texto, as suas condições de produção que são extremamente importantes para uma melhor compreensão dos significados de um texto.

Neste aspecto a teoria da enunciação se aproxima da análise do discurso, já que ambas levam em conta os elementos externos ao texto. No entanto, a teoria da enunciação se refere ao contexto situacional em que cada texto foi produzido, no qual são considerados o locutor, o interlocutor e o contexto da enunciação, o aqui e agora. E nesse contexto situacional não se incluem as condições de produção, que seriam o contexto sócio-cultural, que análise do discurso define como fator relevante para uma eficaz significação textual por parte do leitor e produtor de textos.

Revisão de literatura

Conforme elenca a autora FredaIndursky (2006) em suas considerações sobre a noção de texto, a partir da visão da análise do discurso, sem superposições às teorias desenvolvidas anteriormente dentro dos estudos sobre a linguagem, a análise do discurso também produziu respostas para as questões referentes ao sentido, à significação, ao contexto e ao sujeito, porém, a essas análises foram associadas noções de sujeito, autor, leitor, condições de produção, ideologia, sentido e historicidades que ultrapassam as questões iniciais estudadas pelos outros campos teóricos citados neste trabalho.

Segundo Indursky, o texto está na origem da fundação da análise do discurso e surge de forma inaugural no âmbito da linguística distribucional, praticada por Harris (1963). Este mesmo autor, propõe duas formas de se trabalhar com o objeto texto. A primeira seria a metodologia distribucional já empregada para descrever frases na linguística textual que Harris propõe aplicá-la para além dos limites da frase. Desta forma, o método distribucional usado na análise de frases passou a ser usado para analisar enunciados contínuos, que ele chamaria de discurso. Mas, além de proporestudar a distribuição das frases e subfrases em um texto, Harris também sugere que tais estudos sejam feitos, levando em consideração as relações entre a cultura e a língua, ou seja, os elementos verbais e não-verbais.

É nesta perspectiva que a análise do discurso se diferencia da linguística textual, pois considera o não verbal que é externo ao texto. Sendo assim, a análise do discurso contribui para a noção de texto, pois, conforme diz Indursky, convoca para a reflexão sobre a constituição do texto, uma concepção bastante diversa de língua, não apenas porque para o texto são importantes as relações da língua com a cultura, mas também porque a língua não se constitui de palavras e frases independentes, mas sim em um discurso contínuo. Citando as palavras de Harris, a autora diz que esse discurso contínuo pode ser constituído de um enunciado, de uma frase ou uma obra de dez volumes, um monólogo ou uma discussão política.

Partindo dessa concepção de Harris sobre o texto como um discurso, que concebe uma língua diversa da língua sistêmica, convocando um contexto sóciohistórico, Pêcheut (1969) começa a refletir sobre a análise do discurso e a pensar o texto como unidade de análise, afetada pelas condições de produção.

A partir desta percepção do texto, na qual o estudo linguístico das suas condições de produção o transformam em discurso, que a análise do discurso pode contribuir ainda mais que as outras teorias sobre a categoria texto, pois considera o texto como um espaço discursivo, não fechado em si mesmo. E assim, nos auxilia na decodificação dos enunciados contidos em um texto, já que este estabelece relações não só com o contexto situacional, mas também com outros textos e com outros discursos que permitem uma real cisão da significação de um texto.

Por isso, nessa concepção, além dos elementos linguísticos, são considerados como fatores de constituição do texto as relações contextuais, as relações textuais, as relações intertextuais e as relações interdiscursivas, citadas por Indursky em seu texto. Fatores estes que serão desenvolvidos a seguir:

- Relações contextuais: correspondem ao que é externo ao texto, mas que contribuem para a sua produção de sentido. Conforme define Indursky, o sentido do texto é resultado da relação entre os sujeitos sóciohistóricos envolvidos em sua produção e interpretação. Como diz a autora:

“o sentido do texto se estabelece, nesse quadro teórico, no intervalo entre sujeitos sociais relacionados pelo viés do texto. Ou seja: o sentido não pertence, de direito, nem ao texto nem ao sujeito que o produziu, mas é resultado da relação entre os sujeitos históricos envolvidos em sua produção/interpretação” (p.70). O efeito de sentido de um texto se dá entre interlocutores socialmente constituídos, como diz Pêcheux (1969, p. 82)."

- Relações textuais: já as relações textuais correspondem ao que é produzido no interior do texto e são resultantes do trabalho de textualização realizado pelo sujeito que se encontra no exercício da função-autor. De acordo com Indursky, esse trabalho de textualização seria a "costura" que o sujeito autor faz entre os diferentes recortes discursivos trazidos do interdiscurso.

- Relações intertextuais: estas relacionam um texto com outros textos, ou seja são as retomadas ou releituras que um texto produz sobre outro texto, nas quais o sujeito/autor se apropria de outros textos para transformá-los ou assimilá-los. Essa relação é o que chamamos de intertextualidade.

- Relações interdiscursivas: aproximam o texto de outros discursos, remetendo-o a redes de formulações discursivas, que, diferentemente das relações intertextuais, nas quais se sabe a origem do texto a ser retomado, não é mais possível distinguir o que foi produzido no texto e o que é proveniente de outros discursos, trazidos do interdiscurso. Isso porque o discurso está disperso em uma profusão descontínua e igualmente dispersa de textos, e se relaciona com formações discursivas diversas, mobilizando assim, posições de sujeito igualmente diferentes.

Metodologia:

Tais considerações teóricas citadas acima, sobre a noção de texto e discurso, foram apresentadas com a finalidade de relacioná-las às noções de gêneros do discurso a partir de atividades de prática de leitura e produção escrita, que podem ser realizadas no contexto da sala de aula. Tendo em vista que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua Portuguesa (1998) propõem a utilização dos gêneros textuais como objeto de ensino para a prática de leitura, produção escrita e sugerem o lugar do texto oral e escrito como a concretização de um gênero, e, por isso, defendem os gêneros como fortes aliados no processo de ensino aprendizagem da Língua Portuguesa.

Os textos usados neste trabalho serão dos seguintes gêneros: notícias de jornais, reportagens, discurso políticoe visam ao trabalho com turmas de ensino médio.

- Aplicação em sala de aula

1) O trabalho com os gêneros: notícia de jornal, reportagem e discurso político

Texto 1

“Prazo para recursos de condenados do mensalão termina nesta quinta.

Até quarta-feira (1º), seis dos réus entregaram embargos ao STF. Após 4 meses e meio, julgamento condenou 25 pessoas...”

(Adaptado de: http://g1.globo.com/politica/mensalao/noticia/2013/05)

No texto acima, podemos observar que para entender a manchete do jornal, além de compartilhar informações sobre o contexto situacional, é necessário que o sujeito/leitor compartilhe de conhecimentos do contexto sócio historio para produzir sentido.Ou seja, após ler a notícia o leitor precisa estabelecer uma relação entre o texto e os sujeitos sociais e históricos envolvidos neste discurso, para que, assim, possa compreender o significado do texto com eficácia. Do contrário, o leitor fará a leitura mecânica do texto e não saberá do que se trata.

Texto 2

“Dilma afirma na TV que não vai 'descuidar nunca' da inflação.

Presidente fez pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV.

Política econômica do governo foi alvo de crítica em eventos de 1º de Maio.

A presidente Dilma Rousseff disse nesta quarta-feira (1º) durante pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão que o governo não vai "descuidar nunca" do controle da inflação.

O pronunciamento foi motivado pelo Dia do Trabalho, comemorado nesta quarta. A presidente gravou no Palácio da Alvorada (residência oficial), e a fala foi exibida a jornalistas no final da tarde no Palácio do Planalto.

Nos eventos do 1º de Maio em São Paulo, políticos e sindicalistas fizeram críticas à política econômica do governo. O senador Aécio Neves (PSDB) disse que o governo é "leniente"com a alta dos preços. O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho,defendeu o governo. Ele afirmou que Dilma é "uma leoa"contra a inflação".

Dilma disse que governo continuará “sua luta firme” pela redução de impostos e pela diminuição dos custos para produtores e consumidores, “mesmo que tenha que enfrentar interesses poderosos”.

Presidente Dilma Rousseff

“É mais do que óbvio que um governo que age assim e uma presidenta que pensa dessa maneira não vão descuidar nunca do controle da inflação. Esta é uma luta constante, imutável, permanente. Não abandonaremos jamais os pilares da nossa política econômica, que têm por base o crescimento sustentado e a estabilidade. E não abriremos mão jamais dos pilares fundamentais do nosso modelo: a distribuição de renda e a diminuição da desigualdade no Brasil”, afirmou...”

(Adaptado de: http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/05)

Nestecaso, podemos analisar que, ao ler o título da reportagem, para que o leitor produza umaprimeira significação sobre a informação lida, é necessário ativar as relações interdiscursivas sobre o termo inflação e sobre a política econômica do governoatual. Logo após ler o título e iniciar a leitura da reportagem e do discurso da presidente, para posicionar-se a favor, ou contra ou até de forma neutra, o sujeito leitor precisa buscar no seu interdiscurso, aproximando o texto a outras formações discursivas diversasjá existentes sobre o governo da Dilma e a inflação, que mobilizam posições-sujeito igualmente diferentes. Desta forma, conforme diz Indursky, o sujeito toma posição em relação a essas representações discursivas, aceitando-as, rejeitando-as ou colocando-asem dúvida.

2) A prática discursiva da autoria:

Texto 1

PROPOSTA DE REDAÇÃO

Com base na leitura dos textos motivadores seguintes e nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em norma padrão da língua portuguesa sobre o tema VIVER EM REDE NO SÉCULO XXI: OS LIMITES ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO, apresentando proposta de conscientização social que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatospara defesa de seu ponto de vista.

Liberdade sem fio

A ONU acaba de declarar o acesso à rede um direito fundamental do ser humano – assim como saúde, moradiae educação. No mundo todo, pessoas começam a abrir seus sinais privados de wi-fi, organizações e governos semobilizam para expandir a rede para espaços públicos e regiões onde ela ainda não chega, com acesso livre e gratuito.

(ROSA, G.; SANTOS, P. Galileu. Nº 240, jul. 2011 (fragmento).

A internet tem ouvidos e memória

Uma pesquisa da consultoria ForresterResearch revela que, nos Estados Unidos, a população já passoumais tempo conectada à internet do que em frente à

televisão. Os hábitos estão mudando. No Brasil, as pessoasjá gastam cerca de 20% de seu tempo on-line em redes sociais. A grande maioria dos internautas (72%, de acordo com o Ibop Mídia) pretende criar, acessar e manter um perfil em rede. “Feaz parte da própria socialização do indivíduo do século XXI estar numa rede social. Não estar equivale a não ter uma identidade ou um número de telefone no passado”, acredita Alessandro Barbosa Lima, CEO da E.Life, empresa de monitoração e análisede mídias.

As redes sociais são ótimas para disseminar ideais, tornar alguém popular e também arruinar reputações. Um dos maiores desafios dos usuários de internet é saber ponderar o que se publica nela. Especialistas recomendam que não se deve publicar o que não se fala em público, pois a internet é um ambiente social e, ao contrário do quese pensa, a rede não acoberta anonimato, uma vez que mesmo quem se esconde atrás de um pseudônimo pode ser rastreado e identificado. Aqueles que, por impulso, se exaltam e cometem gafes podem pagar caro.

(Disponível em: http://www.terra.com.br. Acesso em: 30 jun. 2011 (adaptado).

O texto acima se trata de uma proposta de redação do Exame Nacional do Ensino Médio, como vemos, tal proposta vem seguida por textos que abordam o mesmo tema proposto para a redação, textos estes dotados de formulações discursivas que vão orientar o sujeito-autor no processo de produção escrita. Neste tipo de situação, ao começar a ler os textos introdutórios faz-se necessário, assim como nos exemplos citados acima, que o sujeito-leitor estabeleça suas relações interdiscursivas, aproximando as representações discursivas do texto lido às formações discursivas do seu interdiscurso sobre a questão das redes sociais nos dias atuais. Desta forma, conforme descreve Indursky, esse sujeito-leitor pode inscrever-se na prática discursiva da autoria, que seria “este movimento de apropriação, que culmina na atribuição de sentidos, determina a escrita, entendida como textualização destas diferentes cadeias discursivas.

Sendo assim, o que faz do candidato um bom autor é o modo como este sujeito “costura” e organiza estes diferentes recortes discursivos, para que eles se tornem um texto, já que tais discursos se encontram dispersos no interdiscurso e precisam ser concretizados em um texto. Esse trabalho de “costura” (textualização) é realizado a partir das relações textuais, já definidas acima.

Além das relações citadas acima, neste caso também é necessário que o sujei-leitor estabeleça as relações intertextuais para produzir sentido, já que são dois textos de diferentes que abordam a mesma temática.

Considerações finais:

Tendo em vista as perspectivas teóricas apresentadas durante este artigo sobre a noção de texto e de discurso, pode-se considerar que, o campo de estudos da Análise do Discurso trouxe muitas contribuições para o entendimento do que seria o texto e como este funciona dentro de nossas práticas discursivas cotidianas.

Desta forma, pode-se refletir que para analisar um texto é necessário levar em consideração, além do que é interno ao texto, a sua exterioridade. Exterioridade esta que é definida pela análise do discurso por condições de produção, que envolvem todas essas relações contextuais, textuais, intertextuais e interdiscursivas exemplificadas acima a partir dos gêneros textuais analisados. Após entendermos isso, é possível perceber que a aplicação de tais considerações teóricas no trabalho em sala de aula é perfeitamente cabível e pode produzir bons resultados no processo de aprendizagem da leitura e escrita.

Referência Bibliográficas

INDURSKY, Freda. O texto nos estudo da linguagem: especificidades e limites. In Discurso e Textualidade (Orgs.) ORLANDI, P. Eni – RODRIGUES, L. Suzy. Ed. Pontes (2006)

PÊCHEUX, Michel. 1969. Semântica e Discurso. Uma Crítica à Afirmação do Óbvio. - Trad.

Eni P. de Orlandi et alii. Campinas: Editora da UNICAMP, 1988.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNs) de Língua Portuguesa (1998)

Nidiane Albuquerque
Enviado por Nidiane Albuquerque em 23/03/2016
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