Aquisição de Leitura e Escrita Processos mentais existentes na leitura e produção de textos

Aquisição de Leitura e Escrita - Processos mentais existentes na leitura e produção de textos

Nidiane Rodrigues de Albuquerque

Resumo: o presente artigo apresenta os estudos de linguagem da área da psicolinguística que abordam a natureza da leitura e da escrita, descrevendo alguns dos processos mentais existentes na leitura e na produção de certos tipos de textos orais e escritos, tais como atos de fala e escrita, e levando em consideração aspectos da memória de curto termo e memória de longo termo, esquemas, scripts e frames. Também apresentará os conceitos do tema/rema; coerência e coesão; e as funções comunicativas dos gêneros, baseando-se nas considerações teóricas da autora Mary A. Kato (1987), entre outros autores como Luis Antônio Marcuschi, o qual aborda as diferenças entre oralidade e escrita que podem influenciar na aprendizagem escolar. Tais abordagens serão feitas a fim de entendermos melhor como se dão alguns aspectos do processo de ler e escrever para melhor trabalharmos a alfabetização e letramento de nossos alunos no contexto do ensino de língua portuguesa.

Palavras-chaves: aquisição; leitura; escrita

Introdução

Muito se tem discutido sobre o ensino de leitura e escrita e, de acordo com os estudos de linguagem que abordam essa questão, antes de se pensar em aquisição de leitura e escrita é importante entender a natureza de ambos os processos mentais.

O processo de aquisição da leitura tem sido investigado à luz de diferentes perspectivas, tais como as pesquisas das áreas: psicológica, psicolinguística, linguística e sociolinguística. Desta forma, a leitura pode ser vista e definida com vários sentidos. Num sentido amplo, o ato de ler corresponde ao processo de apreensão da realidade, que cerca o indivíduo, através da interpretação das variadas linguagens, além da escrita, tais como as imagens numa charge, placas de trânsito ou os sinais empregados na comunicação com surdo-mudo. Portanto, o ato de ler não diz respeito à apreensão da realidade somente através da leitura de um texto escrito.

Conforme diz Paulo Freire (1988), “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, com essa afirmação, o autor revela que o mundo que se movimenta para o sujeito em seu contexto pode ser diferente do mundo da escolarização. Dessa forma, a leitura das palavras na escolarização, ou de sua escrita, é diferente da leitura da realidade que antecede a escola.

Freire se preocupava com os “textos”, as “palavras” e as “letras” daquele contexto em que a percepção era experimentada pelo aluno. E notou que quanto mais “codificava” a leitura dessa realidade, mais aumentava a capacidade do indivíduo de perceber e aprender. Isso resultava em uma série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão acontecia por meio da relação com o concreto.

Esse processo organizado por Freire, denominado como o “ato de ler”, busca a percepção crítica, a interpretação e a “reescrita” do lido pelo indivíduo. Tal abordagem nos mostra que, o que antes era tratado e realizado de forma prescritiva, sem levar em consideração a realidade dos alunos, agora é concebido como “ato de conhecimento”.

Este artigo objetiva possibilitar um intercâmbio de ideias sobre alguns aspectos dessa problemática do processo de aquisição da leitura e da escrita, entendendo a natureza da linguagem escrita para assim entender como funciona o processo de leitura e redação de textos, baseando-se nas contribuições teóricas da psicolinguística e da linguística textual. Para isso, veremos quais são os processos cognitivos envolvidos no ato de ler e escrever, pois apenas com uma avaliação de cada um dos processos cognitivos envolvidos na habilidade de ler, podemos melhor compreender a aquisição normal e anormal das habilidades de leitura e sugerir abordagens de ensino mais adequadas ao desenvolvimento de nossos alunos.

1. A natureza da linguagem escrita

Para se pensar em leitura e escrita é importante entender as diferenças e semelhanças existentes entre língua oral e a língua escrita. De acordo com Kato (1987), a linguística moderna surgiu pregando a primazia do estudo da linguagem oral, que se opõe à gramática tradicional, na qual a concepção de língua era a que provinha da linguagem literária, já que os gramáticos tradicionais tomavam como exemplos de bons usos da língua trechos de obras literárias de autores considerados cultos e conhecedores da língua portuguesa. Sendo assim, a língua oral, durante um bom tempo, não era valorizada como um objeto de estudo, porém, conforme aponta Kato (1987), há hoje um interesse renovado pelo estudo da linguagem escrita, já com base no que se pensa da linguagem oral, captando muito do que ocorre na fala espontânea concreta, e não em sua idealização.

No entanto, a autora também aponta para a questão de que a concepção da linguagem oral afetada pela linguagem escrita não é apenas uma visão dos linguistas tradicionais, pois, conforme diz Kato, qualquer leigo que tenha passado por uma experiência extensa da escrita e qualquer pedagogo da linguagem, como alfabetizadores e professores de línguas, partilham da mesma concepção, já que “a consciência linguística que eles têm provém muito mais do que eles fazem ao escrever ou ler do que daquilo que eles fazem ao falar ou ouvir.” (Kato, 1987- p.11).

Essa visão generalizada da fala por parte dos letrados se sustenta a partir do que explica Kato, de que se é possível entender a fala e a escrita como parcialmente isomórficas, mas que na fase inicial é a escrita que tenta representar a fala, de forma parcial, e mais tarde é a fala que procura simular a escrita, também de forma parcial. Para entender essa direção que tomam a fala e a escrita, a autora apresenta o seguinte esquema:

fala¹ → escrita¹ → fala² → escrita²

A fala¹ é a fala pré-letramento; a escrita¹ é aquela que pretende representar a fala da forma mais natural possível; a escrita² é a escrita que se torna quase autônoma da fala, através de convenções rígidas; a fala² é aquela que resulta do letramento. (Kato, 1987 – pgs. 11 e 12)

Isto se dá, devido à diferença da natureza do estímulo, auditivo para a fala e visual para a escrita. De acordo com Kato (1987), embora a escrita tenha sido concebida para representar a fala, ela não chega a ser fonética, pois as análises feitas pelos linguistas ao longo dos anos sobre o que ocorre no sistema ortográfico, revelaram que a escrita:

→ É ainda essencialmente fonêmica, pois: neutraliza diferenças fonéticas que existem na fala, mas que não são distintivas, significativas e reproduz diferenças fonéticas que são significativas;

→Tem uma natureza parcialmente ideológica, pois: sua regularidade ortográfica pode ser regida por coerência lexical e tem também natureza arbitrária, se considerada do ponto de vista sincrônico. (KATO, Mary 1987– pág. 20)

Tais considerações feitas sobre a origem da linguagem escrita são essenciais para um bom entendimento sobre o distanciamento existente em nossa língua portuguesa entre a fala e escrita, o que torna a atividade de produzir texto uma tarefa sempre difícil para nossos alunos em qualquer série do ensino básico. A seguir veremos um pouco mais dessas diferenças entra a linguagem oral e a linguagem escrita.

1.2. Diferenças formais e funcionais entre a fala e a escrita

Pensando sobre essa perspectiva, a do trabalho com os diferentes gêneros textuais e da produção textual discursiva, percebe-se que, conforme nos mostra Kato (1987), “as diferenças formais normalmente observadas entre fala e escrita nada mais são do que diferenças acarretadas pelas condições de produção e do uso da linguagem”.

Diferenças essas que aponta Kato como:

1) A dependência contextual: determina o grau de explicitação textual, ou seja, seu grau de autonomia em relação ao contexto.

2) O grau de planejamento: determina o nível de formalidade, que pode ir do menos tenso (texto casual ou informal) ao mais complexo (texto formal, gramaticalizado).

3) A submissão consciente às regras prescritivas convencionalizadas para a escrita: tal submissão vai depender do grau de formalidade do texto.

Sendo assim, podemos dizer que a escrita: é menos dependente do contexto situacional; permite um planejamento verbal mais cuidadoso; é mais sujeita a convenções prescritivas e é um produto permanente, já que propicia o armazenamento do conhecimento de forma sistemática, fora da mente humana. Desta forma, o conhecimento fica registrado e pode se perpetuar por anos, o que nem sempre acontece na língua oral.

Além dessas diferenças formais entre fala e escrita, há uma múltipla variação no interior de cada uma dessas modalidades da língua. Conforme considera Kato, essa variação é causada por diversos fatores, como:

a) Variáveis social e psicóloga;

b) O grau de letramento;

c) O estágio de desenvolvimento linguístico;

d) O gênero;

e) O registro;

f) A modalidade.

No âmbito das diferenças funcionais entre fala e escrita, conforme aponta Kato, que o Brasil, apesar do frequente uso da linguagem escrita nos e-mails, sites de relacionamentos, blogs entre outros gêneros textuais da internet, é ainda uma nação de real primazia do oral. Isto se dá devido ao fato de a língua oral permitir fugir ao controle das regras prescritivas gramaticais que exercem sobre a escrita, essa escrita² que se tornou autônoma e conservadora ao longo da história de nossa língua. Desta forma, aparecem as estruturas sintáticas e semânticas coloquiais não previstas nessas normas. O que provoca o distanciamento entre a linguagem oral e escrita.

Conforme diz a autora, há uma necessidade de preservar a transmissão participativa do oral, valorizar a língua em seu uso real, mas há também a necessidade, por parte de quem já ingressou no mundo dos letrados, de fazer um uso funcional do código escrito para aumentar as possibilidades de acesso independente à informação. Atualmente, essa busca pela informação através da linguagem escrita vem crescendo com a presença da internet, porém ainda encontramos resistência por parte de muitos, mesmo os letrados, em consultar informações em guias, manuais, leis e regimentos, enciclopédias e livros técnicos, preferindo perguntar oralmente a advogado ou assessor técnico.

Todos esses fatores, considerados pela autora, são extremamente importantes para um bom trabalho da leitura e escrita em sala de aula, pois o professor deve mostrar para seu aluno que a produção escrita exige um grau maior de planejamento e deve seguir as regras ortográficas e gramaticais prescritas, já que o texto escrito tem a característica de ser permanente, diferentemente das realizações da fala. E também, o professor deve ter em mente todas essas variáveis internas de cada modalidade que são determinadas principalmente pelo gênero textual.

2- Oralidade e Escrita segundo Luiz Antônio Marcushi

Segundo Marcushi & Dionisio (2007), em nosso cotidiano falamos mais do que escrevemos, porém o trabalho com a língua em sala de aula se dá na maior parte do tempo com a modalidade escrita. Além disso, como dizem tais autores:

..a criança, o jovem ou o adulto já sabe falar com propriedade e eficácia comunicativa sua língua materna quando entra na escola, e sua fala influência a escrita, sobretudo no período inicial da alfabetização, já que a fala tem modos próprios de organizar, desenvolver e manter as atividades discursivas. (Marcushi & Dionisio -2007 p.15)

Sobre essa perspectiva, é possível entender um pouco mais sobre as relações sistemáticas entre oralidade e escrita e suas influências mútuas, sabendo-se que fala e escrita são realizações do mesmo sistema linguístico de base, mas com representações históricas próprias. Desta forma, conforme ressalvam os autores, o trabalho com ambas as modalidades deve dar-se na visão dos gêneros e da produção textual discursiva, e não na relação das formas soltas e descontextualizadas, lembrando sempre que não se deve desprestigiar a oralidade e supervalorizar a escrita, já que ambas têm um papel importante na sociedade e não competem.

3- Teorias Linguísticas sobre a Leitura

Para Kato (2005) “a aquisição da leitura obedece, até certo ponto, a um desenvolvimento biológico”.

Conforme nos mostra a autora quando aborda as teorias linguísticas sobre o processo de ler, no início o objeto de estudo são as unidades menores como as palavras, para, aos poucos, ir aumentando a extensão do foco até a leitura da frase e, enfim, chegar ao texto. Desta forma, primeiro com a teoria estruturalista, a leitura era a decodificação sonora da escrita.

Mais tarde, na história da linguística, já sob a influência da linguística gerativista, começou-se a atentar-se para o contexto sentencial onde ocorre a palavra, ou seja, passou-se do estudo da palavra ao estudo da frase, percebendo-se que um fator crucial na identificação de uma palavra é o seu contexto linguístico. Posteriormente, a linguística textual contribui para essa percepção do contexto através de autores como Platão Savioli e J. L. Fiorin (1991), considerando a análise transfrástica. De acordo com esses estudos linguísticos, “o texto não é um aglomerado de frases”, pois em qualquer texto o significado das frases não é autônomo, o contexto auxilia na construção de significados de cada frase.

Porém, após levantar-se o problema do contexto, das hipóteses que o leitor considera e da busca seletiva que ele empreende para confirmá-las, começa-se a perceber que não é apenas o contexto linguístico imediato que é relevante para essa capacidade preditiva do leitor.

A partir desse momento que os estudos sobre a leitura passaram a considerar o conhecimento prévio, que permite fazer predições, que podem advir do próprio texto ou de informações extratextuais que provêm dos esquemas mentais do leitor. Eis quando surge a Pragmática. Como diz Kato:

O foco não é mais a sentença, mas o texto. A compreensão passa a ser vista não mais como resultado de uma decodificação dos sinais linguísticos, mas como um ato de construção, em que os dados linguísticos são apenas um fator que contribui para o significado construído.

Com o advento da pragmática, temos o aparecimento do autor na consciência do leitor, o qual, através da sua interação com o texto, procura interpretar os objetivos e propósitos do escritor. Da pergunta ‘O que o texto diz?”, ele passa para a pergunta ‘Por que o autor está dizendo x?’ (Kato 1987, p. 61)

Tais enfoques sobre a atividade de leitura demonstram a complexidade de tal processo, que não pode ser reduzido a formas de memorização e mecanização, pois a leitura consiste numa interação entre as capacidades conceituais de nível superior, os conhecimentos de base e as estratégias processuais. Neste último fator, entra o mérito da psicolinguística que se volta para o processo de aquisição da leitura, mostrando que esta vai além da simples decodificação da palavra-a-palavra. Segundo Smith (1999), “...há limites severos para a quantidade de informações que somos capazes de receber, processar e recordar. Por conseguinte, o leitor não usa toda a informação impressa para determinar a mensagem do autor. Conclui-se daqui que a leitura é, necessariamente, um processo rápido que não tem lugar palavra-a-palavra.”

Tal autor ainda acrescenta, a partir de suas investigações, que a leitura só é incidentalmente visual, já que o leitor contribui com mais informação do que o material impresso. Ou seja, os leitores compreendem o que leem porque são capazes de levar os estímulos para além da representação gráfica e fazer a sua ligação a um conjunto apropriado de conceitos já armazenados na sua memória, tanto de curto prazo ou longo prazo. Veremos essa questão da forma de armazenamento da informação na seção dedicada aos processos mentais envolvidos nas atividades de ler e escrever.

4. Alfabetização e Letramento

Apesar de constatarmos que, nas situações reais de comunicação cotidianas, muitas vezes falamos mais que escrevemos, não podemos negar a importância da língua escrita em nossas práticas sociais. Conforme elencam Marcuschi & Hoffnagel (2007) , nos dias de hoje a escrita recebe uma avaliação social muito grande e sua relevância na sociedade contemporânea é indiscutível, sendo assim, faz-se necessário entender a diferença entre as práticas de letramento e a alfabetização, atividades que permeiam o mundo da escrita.

Para isso propõem a dupla distinção entre: (a) oralidade e letramento como práticas sociais e (b) fala e escrita como modalidades de uso, recaindo a primeira na observação da realidade sociocomunicativa e, a segunda na análise de fatos lingüísticos. O objetivo dessa distinção é mostrar a necessidade de estudar as questões relacionadas à oralidade como ponto de partida para entender o funcionamento da escrita, para assim, fornecer subsídios e reflexões que permitam melhor observar e analisar a fala como um passo relevante e sistemático para o trabalho com a produção escrita.

Dentro dessa perspectiva e em concordância com as reflexões de Freire (1989), já citadas anteriormente neste artigo, sobre o processo padrão de alfabetização, a autora Lúcia Lins Browne Rego (2002) diz que:

...de uma maneira geral, a alfabetização tratava-se de uma visão comportamental da aprendizagem que era considerada de natureza cumulativa, baseada na cópia, na repetição e no reforço. A grande ênfase era nas associações e na memorização das correspondências fonográficas, pois se desconhecia a importância de a criança desenvolver a sua compreensão do funcionamento do sistema de escrita alfabética e de saber usá-lo desde o início em situações reais de comunicação. (Rego 2002, p. 1)

Essas situações reais de comunicação são as práticas de letramento que a criança lida em seu cotidiano concomitantemente com a escola. Sendo assim, torna-se possível diferenciar as atividades desenvolvidas na escola no processo de alfabetização e nos momentos em que a criança se depara com a leitura fora da sala de aula.

Conforme Rego (2002), a partir de 1980 a alfabetização escolar no Brasil começou a passar por novos questionamentos, nos quais o foco das discussões era a emergência de duas novas concepções de alfabetização, que se baseiam em resultados de pesquisas nas áreas da psicologia cognitiva e da psicolinguística, apontando para a necessidade de se compreender o funcionamento dos sistemas alfabéticos de escrita e de se saber utilizá-lo em situações reais de comunicação escrita, prevenindo-se desde o início da alfabetização o chamado analfabetismo funcional.

A partir desse momento, as teorias construtivistas contribuíram muito para se pensar em uma nova forma de alfabetização, na qual a criança não somente leria de maneira mecânica, mas construiria sentido em todo texto que lesse dentro e fora da escola. Como diz a autora:

Com a divulgação das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita (Ferreiro e Teberosky 1986) o enfoque construtivista tornou-se, sem dúvida, um dos mais influentes na elaboração de novas propostas de alfabetização, pois além de revelar a evolução conceitual por que passam as crianças até compreenderem como funciona o nosso sistema de escrita, incorporou a ideia defendida por Goodmann (1967) e Smith (1971) de que ler e escrever são atividades comunicativas e que devem, portanto, ocorrer através de textos reais onde o leitor ou escritor lança mão de seus conhecimentos da língua por se tratar de uma estrutura integrada, na qual os aspectos sintáticos, semânticos e fonológicos interagem para que se possa atribuir significado ao que está graficamente representado nos textos escritos. (Rego 2002, p.2)

Desta forma, foi possível analisar com outro olhar o processo de aquisição da leitura e da escrita, constatando que muitas crianças se apropriavam da linguagem escrita através do contato com diferentes gêneros textuais, como pequenas histórias infantis (as famosas fábulas e contos infantis), livros ilustrativos que contém algum tipo linguagem verbal entre outros gêneros, os quais exploram, através de suas interações com adultos alfabetizados, a leitura e a produção de textos, mesmo antes de estarem alfabetizadas de forma convencional. Enquanto que outras crianças, apesar de alfabetizadas, apresentavam uma ausência de domínio da linguagem utilizada nas formas escritas de comunicação.

Tais estímulos à leitura feitos em crianças antes mesmo de iniciarem suas vidas escolares são exemplos de práticas de letramento que antecedem o processo de alfabetização da escola. Além desses exemplos, temos a leitura de jornais, revistas, receitas e manuais como práticas de letramento, já que são utilizadas em situações reais de comunicação, mas que podem ser levadas para a sala de aula como forma de introduzir a criança no mundo da escrita e no processo de reconhecimento dos fonemas. Conforme considera Rego:

A proposta construtivista influenciada pelas pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1986) e pelos modelos de leitura propostos por Goodmann (1967) e Smith (1971) defende uma alfabetização contextualizada e significativa através da transposição didática das práticas sociais da leitura e da escrita para a sala de aula e considera a descoberta do princípio alfabético como uma consequência da exposição aos usos da leitura e da escrita que devem ocorrer de uma forma reflexiva a partir da apresentação de situações problema nas quais os alunos revelem espontaneamente as suas hipóteses e sejam levados a pensar sobre a escrita, cabendo ao professor o papel de intervir de forma a tornar mais efetiva esta reflexão. (Rego 2002, p.5)

Além dessa perspectiva de mudança do processo de alfabetização a partir das práticas socioculturais de leitura, Rego também aborda a importância da estimulação precoce da consciência fonológica na aprendizagem da leitura e da escrita, já que, conforme os estudos citados pela autora, a capacidade para segmentar e, sobretudo, para categorizar as unidades sonoras, percebendo semelhanças e diferenças entre as mesmas, se desenvolve antes de a criança se tornar alfabetizada e seria preditora do sucesso na aprendizagem posterior da leitura e da escrita. A autora defende uma proposta pedagógica que dê suporte ao pleno desenvolvimento desses dois aspectos envolvidos na aprendizagem da leitura e da escrita desde o início da escolaridade, na qual o tempo pedagógico deve ser distribuído de forma equilibrada e individualizada entre atividades que estimulem esses dois componentes: a língua através de seus usos sociais, trabalhando com os diferentes gêneros textuais, e o sistema de escrita através de atividades que estimulem a consciência fonológica e evidenciem de forma mais direta para a criança as relações existentes entre as unidades sonoras da palavra e sua forma gráfica.

5. Processos cognitivos envolvidos nas atividades de leitura e escritura

Conforme diz Kato (ano), e a partir das considerações já feitas neste artigo, embora as condições de interação entre emissor e audiência sejam diferentes na fala e na escrita, ambos os processos são atividades de comunicação, já que o ato de comunicação verbal pode ser caracterizado por três princípios básicos:

a) Por envolver uma relação cooperativa entre emissor e receptor;

b) Por transmitir interações e conteúdo;

c) Por ter uma forma adequada à sua função.

Levando em consideração tais princípios podemos atentar-nos para os seguintes processos envolvidos nas atividades de leitura e escrita:

→O contrato de cooperação:

Quando se estabelece um diálogo, a comunicação se dá porque os dois se engajam em um esforço cooperativo para atingir um objetivo. Tal esforço cooperativo se realiza pela obediência de Máximas e Postulados, que Kato aponta, baseando-se nos estudos do linguista Grice (1975), como:

a) Seja informativo na medida certa (postulado da Quantidade)

b) Seja sincero (postulado da Qualidade)

c) Seja relevante (postulado da Relação)

d) Seja claro (postulado do Modo)

De acordo com a autora, a violação intencional de um desses postulados leva a uma mensagem indireta, nas entrelinhas, as quais muitas vezes alguns alunos não conseguem decifrar por não desenvolverem sua capacidade a esse nível de interpretação ou por não compartilharem do conhecimento necessário para decifrar a real mensagem pretendida pelo o autor do texto. É o caso das tiras cómicas, piadas e anedotas, que muitos têm dificuldade de entender a intenção do autor de usar aquelas palavras ou aquele contexto.

→Os atos de fala e de escritura

Conforme define o autor John Speech Searle (1969) a atividade de comunicação verbal se dá através de Atos de Fala ou Atos de Escritura, os quais podem ser divididos em:

a) Promessa

b) Sugestão

c) Acusação

d) Juramento

Tais atos verbais, conforme diz Kato (1987), são desempenhados com uma intenção bem-definida, o que seria a força ilocucionária, que muitas vezes vêm expressa através de verbos performativos como: prometer, sugerir, acusar, jurar ou não. Quando não há a presença do verbo performativo o leitor procurará interpretar essa força ilocunionária através do texto (daí a importância do contexto para a interpretação). Já na fala, o autor poderá exprimir suas intenções de forma implícita ou explícita através de recursos como a expressão facial, corporal e entonação.

→Conteúdo proposicional e memória

Como aclara Kato (1987), segundo a semântica tradicional, filosófica e linguística, o significado não consiste no conhecimento individual, mas sim em entidades abstratas, como traços semânticos, proposições e funções proposicionais. Desta forma, na comunicação, a extração do significado de um enunciado ou de um texto depende do que o indivíduo tem em sua memória e da maneira como essa memória funciona.

Conforme demonstra a autora, tradicionalmente a psicologia distingue dois tipos de memória: a memória de curto termo e a memória de longo termo. A de curto termo é o lugar onde podemos armazenar sequências de números ou de palavras, mas sua capacidade é limitada, pois só consegue armazenar cerca de seis a sete itens. Já a memória de longo termo é um lugar onde a informação mais permanente é armazenada, informação essa que após um esforço consciente e a partir da repetição do material para si próprio é possível remetê-la da memória de curto termo à de longo termo.

Essas considerações sobre a forma de armazenamento das informações em nossa mente são muito relevantes, pois nos mostra como funciona uma parte de nosso cérebro no momento da leitura e da escrita, sabendo-se que a memória de longo termo opera com os significados e não com formas superficiais, como o sentido de uma única palavra, mas sim com o todo significativo de uma sequência de palavras ou números, daí vem a necessidade da agrupação das palavras em sintagmas e dos números em grupos de três algarismos para que se possa memorizar uma sentença e fazer as relações de sentido necessárias. Assim, o significado reduz a carga na memória e ela pode operar com novos itens. Essa integração, segundo Kato (1987), exige uma abstração da forma, à medida que o número de informações aumenta, pois quando ouvimos ou lemos um enunciado, o que retemos não é a sua forma literal, mas sua força ilocucionária e o conteúdo proposicional, conteúdo esse que consiste na unidade lógica de sentido. Sabendo que nossa memória armazena as informações dividindo-as em categorias, como se fossem “gavetas”, as quais acessamos para buscar essas unidades de sentido quando precisamos ler ou construir um enunciado.

É na memória de longo termo que estaria armazenado o nosso conhecimento linguístico como as regras gramaticais, o léxico e as instruções para uso de ambos. Além disso, conforme acrescenta Kato, nosso conhecimento de mundo não se restringe a esses elementos linguísticos, existe também a influência das nossas experiências cotidianas no momento de construção de sentido tanto na leitura quanto na escrita, como diz a autora:

A recorrência de episódios particulares em nossa experiência cotidiana com o mundo leva-nos a organizar esse conhecimento em estruturas cognitivas de “expectativas”. Tais estruturas têm recebido nomes diversos: ESQUEMAS, SCRIPTS e FRAMES. Todos esses conceitos – há pequenas diferenças entre eles – explicam, por exemplo, por que em uma conversação ou em um texto podemos introduzir sintagmas nominais definidos, sem que eles tenham sido mencionados previamente. Pode-se, por exemplo, falar de o garçom, ou a conta se antes tivermos feito menção a restaurante, porque este último ativa uma rede de estruturas cognitivas onde tais elementos aparecem.

Tais estruturas são representativas e gerais porque apresentam variáveis (lacunas), que são preenchidas segundo cada experiência particular. (KATO, A. Mary- 1987- p. 50)

A linguista Leonor Lopes Fávero (2002), também contribui com esse tema, relacionando essas estruturas cognitivas aos conceitos de coesão e coerência. Segundo essa autora, enquanto a coesão diz respeito à estruturação da sequencia superficial, a coerência se relaciona com o processamento cognitivo do texto. Ou seja, os conhecimentos que determinam a produção de sentido, e consequentemente, a coerência, estão armazenados na memória sob a forma de estruturas cognitivas, modelos globais, que são denominados frames, esquemas, scripts, planos e cenários. Conforme podemos perceber, Fávero (2002) acrescenta as estruturas planos e cenários, que também são relevantes para a compreensão dos elementos que são ativados quando lemos e escrevemos.

A seguir veremos, resumidamente, as definições e alguns exemplos dessas estruturas mentais, conforme mostra a autora Fávero (2002):

→Frames:

– São modelos globais que contêm o conhecimento comum sobre um conceito primário, geralmente situações estereotipadas, como natal, carnaval, imposto de renda, etc.

– Estabelecem que elementos, em princípio fazem parte de um todo.

– Não estabelecem entre eles uma ordem ou sequência (lógica ou temporal)

– Exemplo: festa de aniversário

A atualização dessa expressão ativa na mente elementos como: bolo, brigadeiro, música, roupas bonitas, presentes, etc. Esses elementos individualmente são conceitos, mas conjuntamente formam um frame sobre festa de aniversário. O mesmo ocorre por exemplo em natal.

Quando alguém se defronta com uma situação nova, seleciona da memória uma estrutura lá armazenada. Essa estrutura pode ser adaptada para adequar-se à realidade, mudando-se, quando necessário, alguns pormenores.

→Esquemas:

– São modelos cognitivos globais de eventos ou estados, dispostos em sequencias relativamente ordenadas, ligadas por relações de proximidade temporal e causalidade, são previsíveis, fixos e ordenados.

Exemplos: a cena de um crime, de um assalto, de um acidente etc.

Como exemplifica Fávero (2002):

A maior contribuição de Bartlett foi a de assinalar que os esquemas “são estruturas que permanecem ativas e em evolução” (op. cit., p. 201).

Observe o exemplo do marido que diz à esposa:

(93) Há um acidente grave na esquina, pois uma ambulância e um carro da polícia estão parados lá.

A percepção de acidente foi possível porque temos um conhecimento

acumulado sobre acidentes de trânsito, conhecimento esse organizado num esquema que contém elementos como ambulância que é chamada em caso de acidente com vítimas, polícia que chega para providenciar remoção das vítimas, liberação do tráfego, exame técnico do local para determinar culpabilidade. Esse conhecimento prévio, partilhado com o interlocutor e cujos componentes estão organizados em um esquema, é que permite a compreensão.

O esquema é seletivo e permite grande economia, pois possibilita deixar implícito aquilo que é típico de uma situação. (FÁVERO, L.L – 2002. p. 66)

→Planos:

– São modelos de comportamento deliberadamente exibidos pelas pessoas, podendo abranger vários propósitos superpostos. Além de terem todos os elementos numa ordem previsível, levam o leitor/ouvinte a perceber a intenção do escritor/falante e é isso que os distingue dos esquemas, pois permitem reconhecer o que pretende o planejador.

Exemplos: um funcionário que tem um plano de recompensa no trabalho ou um adolescente que organiza um plano para conseguir dos pais permissão para sair com os amigos.

→Scripts

– São planos estabilizados, utilizados ou invocados frequentemente para especificar os papéis dos participantes e das ações deles esperadas, diferentemente dos planos são estereotipados e mais dinâmicos, contêm uma rotina preestabelecida.

Fávero dá os seguintes exemplos de scripts retirados do texto “Uma Velinha”, de Cecília Meireles, quando a autora descreve as fases da infância e mocidade:

Infância — caracterizada por ações que expressam essa fase da vida:

“correr com as meninas pelos barrancos”, “subir pelas árvores”, “passar por

entre os arames das cercas de flores”.

Mocidade — caracterizada também por ações que expressam essa fase da

vida: “voz para cantar”, “corpo para dançar”, “poder vestir-se de noiva”.

→Cenários

– Com esse termo pode ser descrito o “domínio estendido da referência” que é utilizado para interpretar textos escritos, pois se pode pensar o conhecimento de contextos e situações como constituindo um cenário interpretativo atrás do texto”.

Segundo Fávero (2002), o bom êxito na compreensão do cenário depende da eficácia do escritor/falante em ativar cenários apropriados, para que isso ocorra é preciso que um fragmento do texto constitua uma descrição parcial específica de um elemento do próprio cenário. Assim, uma das funções da tematização no nível textual seria a de ativar um cenário particular para o leitor, por exemplo, na escola, no clube, no tribunal, no consultório médico.

→O contrato DADO-NOVO (Tema/Rema)

Considerando que um simples enunciado e um texto possuem um significado ilocucionário e um conteúdo poroposicional. Observemos o contraste que Kato aborda em relação à informação que é pressuposta e a que é nova.

a) Foi João que casou com Maria.

b) O João, que casou com Maria.

Conforme diz Karo, nos dois casos podemos dizer que temos o mesmo significado ilocucionário, que seria uma intenção asserverativa, e o mesmo conteúdo proposicional: João casou com Maria. No entanto, há uma diferença que assinala algo para o receptor sobre o que é Dado (o tema) e o que é Novo (o novo).

Em a) o receptor já sabe que alguém se casou com Maria, essa é a informação dada, pressuposta. A informação nova é que esse alguém é João. Já em b) o dado é o João e a novidade é que ele se casou com Maria.

Como explica Kato, vemos nestes exemplos que tanto o emissor quanto o receptor usam certas convenções na ordenação dos constituintes, que permitem ao primeiro codificar, de forma inequívoca, as informações dadas e novas e, ao segundo, interpretar sem erro essa distinção. Segundo a autora, são essas convenções que Clarck e Havilland chamam de contrato DADO-NOVO, que para eles fazem parte do contrato de cooperação, de Grice, no qual a máxima é a Máxima do Antecedente: “Procure construir seu enunciado (ou texto) de modo que seu ouvinte (ou leitor) tenha um e somente um antecedente direto para cada informação dada e que este seja o antecedente pretendido” (CLARK & HAVILLAND – 1977)

A autora também ressalta que o desrespeito intencional a essa máxima leva o receptor a aplicar sua capacidade de inferência para encontrar o antecedente, exigindo mais habilidade do escritor e provocando, no leitor, a desautomatização de sua leitura. Atividade esta que deve ser desenvolvida em sala de aula, já que muitos alunos apresentam dificuldade quando se deparam com textos mais extensos e elaborados cujo autor viola intencionalmente essa máxima do antecedente.

→O contraste FIGURA-FUNDO

Segundo Kato, assim como no cinema, a linguagem também conta com alguns recursos para salientar pessoas, ações e eventos. Abaixo seguem três maneiras de fazê-lo as quais a autora cita em seu texto:

a) oração subordinada versus oração principal. Em

- Enquanto os meninos jogavam bola, Carolina brincava com os gatinhos.

o que constitui o fundo é “os meninos jogando bola”, e o que constitui a figura é “Carolina brincando com os gatinhos”, que é assim interpretado como a informação saliente.

b) asserção positiva versus asserção negativa. Em

- Está chovendo.

- Não está chovendo.

a asserção positiva é percentualmente mais saliente do que a negativa, pois nesta se assevera um estado de inércia e o estado normal das coisas, enquanto na positiva algo acontece em cena.

c) o comportamento pós-verbal dos verbos apresentativos. Em

-Entraram duas meninas no banheiro dos meninos.

através da proposição do sintagma nominal (SN), colocam-se em cena os referentes desse SN. (KATO, A. Mary- 1987- p. 54)

Conforme podemos analisar, é importante mostrar aos alunos tais recursos de nossa linguagem para que no momento da leitura possam identificar as informações que o autor quis salientar e as que funcionam apenas como o fundo em sua enunciação e partir disso podem fazer as devidas interpretações das frases e parágrafos de um texto.

→A busca da coerência

Como sabemos, tanto na leitura quanto no momento da produção de um texto, estamos sempre buscando a coerência. No contexto de sala, muitas vezes os alunos têm dificuldade para escrever de forma coerente por questões como a falta de conhecimento prévio sobre o tema e também pelo simples desconhecimento do que é um texto coerente. Para entender melhor como se constrói essa tão almejada coerência, Kato, baseando-se nas considerações teóricas de Agar & Hobbs (1982) explica que tanto a coerência textual quanto a discursiva dependem de três níveis diferentes: a) a coerência global; b) a coerência local; e c) a coerência temática.

Segundo a autora, a Coerência Global consiste na adequação do texto como todo à nossa visão de mundo, aos nossos esquemas prévios, que pode ser chamada de Princípio da Realidade, já que o leitor como escritor parte de suas experiências reais para interpretar e escrever um texto.

A Coerência Local tem a ver com a consistência interna, ou seja, com a relação de sentido entre as frases e parágrafos. Conforme ressalta Kato, “a violação desse Princípio da Consistência pode tornar o texto falso, levando o escritor a violar, sem intenção, o postulado da sinceridade” (Kato, 1987).

E por último, a Coerência Temática corresponde à manutenção do tópico do discurso e pode ser chamada também de Princípio da Parcimonia, pois procura reduzir o número de participantes no cenário mental que o leitor constrói a partir do texto. Ou seja, essa última tem a ver com a identificação de quais tópicos são relevantes dentro de um texto e quais podem ser deixados em segundo plano.

Kato, conclui suas considerações sobre este tema, alertando que a coerência pode ser também uma qualidade atribuída à forma, sendo assim um texto que mistura níveis diferentes de linguagem peca pela falta de coerência formal, já que cada forma discursiva é caracterizada por um conjunto de convenções as quais se deve obedecer. Conforme diz a autora, a obediência a umas convenções e não a outras leva também a uma incoerência formal, dificultando a tarefa do leitor e desviando sua atenção do conteúdo para a forma.

→A coesão textual

Nas atividades de leitura e escrita faz-se necessária a segmentação do pensamento, mesmo este sendo contínuo e global em nossa mente. É o que Kato chama de “fatiamento”, comparando aos cortes que um diretor de cinema faz para organizar as cenas. Conforme explica a autora, esse fatiamento é ditado pela capacidade limitada de nossa memória temporária, de maneira que quando é feito adequadamente ele contribui não só para a tarefa de produção textual, mas também para a tarefa do compreendedor do texto.

Os vínculos entre essas “fatias” são o que chamamos de recursos de coesão como: uso dos conectivos; dos pronomes; de certos advérbios; da repetição; das relações semântico-lexicais – antonomásia, perífrase, sinonímia etc. - e da elipse. Para os linguistas que se baseiam nas teorias gerativistas, tais recursos de coesão constituem o que conhecemos como Gramática Textual, já para outros estudiosos que partem de outro viés dentro da análise textual, o estudo desses mecanismos de coesão fazem parta do que denominam Linguística Textual.

Diante destas diferentes abordagens sobre a construção e análise textual e sabendo-se que uma única teoria não satisfaz a todos os requisitos exigidos na leitura e interpretação de diferentes realizações textuais, é importante reconhecer que em ambas as visões sobre o estudo do texto como unidade, esses recursos e regras de coesão se baseiam no funcionamento de nossa mente no momento da leitura e da escrita e devemos sempre frisá-los em sala de aula, mostrando aos alunos que devem usá-los a seu favor para que consigam escrever de forma coerente e coesa.

Conforme ressalta Kato, os pronomes, a elipse, a repetição e as relações semântico-lexicais, embora sejam recursos formais, são elementos que asseguram a coerência temática, pois, através deles, mantém-se o tópico da comunicação.

Considerações Finais

No cotidiano da sala de aula, lidando com o ensino de língua portuguesa e língua estrangeira, podemos observar que todas essas considerações teóricas podem contribuir muito para o trabalho com o ensino da leitura e da escrita, mostrando-nos que essa etapa da vida da criança, na qual ela aprende a ler e escrever deve ser muito bem estimulada e desenvolvida tanto pela escola quanto pelo ambiente familiar que a rodeia. O déficit provocado por uma alfabetização mecanizada, sem levar em consideração as situações reais de comunicação e, questões como as formas de armazenamento do conhecimento na memória e as experiências de vida que formam o conhecimento prévio dos alunos, pode acarretar problemas futuros na leitura e escrita destes. É o que constatamos quando nos deparamos com jovens e crianças que desenvolveram uma hesitação com as atividades em que precisam ler e produzir textos.

A partir do trabalho com a leitura com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental aos do 3º ano do Ensino Médio, é possível analisar que muitas vezes, a dificuldade com a leitura provém, entre outros fatores, do fato de terem um vocabulário muito limitado, o que os prejudica muito no momento de ler, pois ficam presos nos significados de algumas palavras que não conhecem não conseguindo avançar na leitura por não saberem fazer as agrupações de palavras, termos gramaticais e sintáticos necessárias para identificar as unidades lógicas de sentido (o conteúdo proposicional dos enunciados), para assim alcançarem o entendimento do todo de um texto.

Por isso, é importante trabalhar sempre que possível com os diferentes gêneros textuais em sala de aula, procurando mostrar-lhes os distintos tipos de linguagem que encontramos em cada situação real de comunicação, principalmente os que envolvem uma linguagem formal, permitindo que tenham o contato com palavras e estruturas textuais mais complexas, percebendo a importância de se estruturar um texto de forma que fique coeso e coerente para atingir o propósito do auto e facilitar a tarefa do leitor.

Visto que fora de sala de aula a leitura se resume, muitas vezes, às páginas da internet como redes sociais, blogs entre outros, nos quais o vocabulário é limitado e os autores não estão muito preocupados em seguir as regras gramaticais, ortográficas e sintáticas prescritas pela nossa gramática padrão, faz-se necessário o trabalho com textos informativos, argumentativos, políticos, literários e críticos.

É através da prática de leitura desses tipos de textos que os alunos poderão ampliar o vocabulário e adquirir conhecimentos gerais para poderem preencher as lacunas existentes nos textos, assim sentirão menos hesitação para escrever quando se deparam com um tema que possuem algum conhecimento prévio. Desta maneira, ativarão todos esses modelos globais como frames, esquemas, scripts, cenários e planos, citados anteriormente, e poderão saber o que é cabível abordar dentro de cada assunto, respeitando os elementos importantes para manter a coerência. E também aprenderão, a partir da prática, que deve ser contínua, já que o processo de produzir texto não é uma tarefa tão simples como muitos pensam, como se deve fazer o “fatiamento” da informação, de forma que os vínculos entre as “fatia” (frases e parágrafos) sejam empregados corretamente e de maneira funcional e eficaz.

Em suma, todas essas considerações feitas sobre a natureza da linguagem escrita, as diferenças e semelhanças existentes entre a fala e escrita, os processos de alfabetização e letramento, as atividades mentais envolvidas no momento de ler e escrever são de extrema importância para que o trabalho com a leitura e produção de texto em sala de aula possa formar, de fato, alunos capazes de expressar-se de maneira eficaz em todas as situações em que se deparam com a necessidade de interpretar e confeccionar um texto, tanto dentro da escola quanto fora dela.

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Referências Bibliográficas

FÁVERO, L. Leonor - Coesão e Coerência Textuais. 9. ed. São Paulo: Ática, 2002.

FREIRE, Paulo - A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completem. São Paulo: Cortez, 1996 – Coleção Questões de Nossa ÉPOCA; V. 13

KATO, A. Mary

– No mundo da escrita: Uma perspectiva psicolinguística. Editora Ática, 1987, 2ª edição.

– O Aprendizado da Leitura. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

MARCUSCHI, Luiz - Fala e escrita / Luiz Antônio Marcuschi e Angela Paiva Dionisio. - Belo Horizonte: Autêntica, 2007. 208 p.

– MARCUSCHI, Luis Antônio & DIONISIO, Ângela Paiva – Princípios gerais para o tratamento das relações entre a fala e a escrita.

–MARCUSCHI, Luis Antônio & HOFFNAGEL, Judith – A escrita no contexto dos usos linguísticos: caracterizando a escrita.

REGO, Lúcia Lins Browne. - Alfabetização e Letramento: Refletindo sobre as atuais controvérsias. Artigo, 2002.

SIMITH, F. - Leitura significativa. Trad. Beatriz Affonso neves. Porto alegre: Artmed. 1999.

Nidiane Albuquerque
Enviado por Nidiane Albuquerque em 23/03/2016
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