Vampiro Sebastian

Quando saiu da praça, Milady ainda olhou desconfiada para traz como se esperasse por alguém.

– Você está bem amiga? – perguntou Cláudia ajeitando seus fartos seios, levantando um pouco mais seu pequeno vestido vermelho.

Milady fez uma careta, ela achava aquele tipo de roupa muito chamativa para uma balada. Imagina então sair daquele jeito para assistir aula na faculdade, que era de onde elas estavam vindo?

Ela mal ouviu o bip que a trava do veículo fazia para liberar a porta e já foi puxando a maçaneta, nervosamente, e se empoleirou no assento ao lado do motorista.

Claudia se acomodou ao volante e deu a partido no HB20, olhou de soslaio para a amiga que parecia mais pálida e preocupada do que o de costume.

– O que foi, Milady, por que você está fazendo essa cara de gatinho assustado?

– Eu não estou com cara de “gatinho assustado” – Retrucou Milady.

– Há, está sim! – Insistiu Cláudia.

Milady cruzou os braços e ficou emburrada sem dizer uma palavra. Claudia sorriu alto; mas depois ficou séria, ela conhecia a amiga o suficiente para saber que, se fizesse deboche, não conseguiria nada de Milady.

– Vai amiga, conta pra mim! Me diz o que é que está preocupando esse seu coraçãozinho?

– Não sei, estou com uma sensação esquisita, tipo de que tem alguém me seguindo.

Cláudia, que era baixinha e morena, olhou sua colega dos pés à cabeça. Milady (como sempre) estava completamente dark: Jeans escuros, camiseta preta com estampa de banda rock. Seus pés estavam socados no habitual All Star gasto, que ela parecia usar desde sempre. De acessórios, havia pulseiras de couro, correntes e caveirinhas, sem contar a maquiagem carregadíssima no preto.

– Ai, amiga, de novo com esse papo! – disse Cláudia Mirando a Milady com o canto do olho.

Milady bufou e fez cara feia, tornou a cruzar os braços voltando à atitude defensiva de alguns minutos atrás.

Claudia seguiu o ritmo e começou a ironizar novamente.

– Tá bom, vai quem é dessa vez?

– Seriam alienígenas, talvez o chupa-cabras!

– Não, não, espera ai, eu já sei, fantasmas!

Milady continuou ignorando a amiga.

– Eu não sei porque ainda andamos juntas– desabafou Milady olhando de lado pelo vidro da janela sem de fato prestar atenção em nada.

– Ah, essa eu sei! É porque eu sou basicamente a única pessoa que atura suas loucuras. Cláudia ignorou a expressão de ofendida estampada na cara de Milady.

– Amiga, é muita uruca pra uma só pessoa, você tem que parar com isso.

– Olha aqui. – Retorquiu Milady – Tem um cara sinistrão, eu tenho certeza que o vi antes de sair de casa, depois na faculdade, e tenho certeza que ele estava na praça olhando a gente lanchar.

– Hum, essa e nova! – Disse Claudia fazendo piada com a novidade ao mesmo tempo em que estacionava o carro em frente à casa de Milady.

– Você acha que pode ser um tarado? – quis saber Claudia um pouco mais séria.

– Não sei, amiga...

– Milady, me faz um favor?

– Diga!

– Se for mesmo um tarado, você me promete uma coisa?

– O que?

– Que vai usar a filosofia da Marta, “relaxa e goza!” – Milady revirou os olhos abriu a porta e quanto a fechou, o fez com um pouco mais de força do que o necessário.

– Hei! você não tem geladeira em casa não é?! – mas Milady pareceu não ouvir os protestos da amiga sobre a porta do carro. Ela estava ocupada demais resmungando sobre o impropério que acabara de ouvir da amiga.

– Cretina, sem vergonha, falar uma besteira dessas, “relaxa e goza!”, onde já se viu!

Ainda bufando de raiva Milady, atravessou a Rua Goiás, e, de onde estava, pode ouvir Cláudia gritando de dentro do carro.

– É papo sério, colega, você esta precisando.

Ela quase mandou a Claudia ir se ferrar; porém não adiantaria, à distância que estava o HB20 ela não iria ouvir.

Zangada, Milady meteu a chave na porta e girou a maçaneta com força. Quando a nesga da luz de fora entrou pela fresta da porta de seu pequeno quitinete, ela ouviu o som de sua TV.

Espichou o pescoço pra confirmar, ela estava ligada sim só que o volume estava muito baixo.

Milady tentou se lembrar de ter deixado a TV ligada.

Um vento frio passou por ela, eriçando os pelos de seu braço e empurrando a porta que se trancou ao bater sonoramente atrás dela.

Assustada com o som da porrada, deixou a chave cair. Com uma mão no peito e a outra tateando a parede, ela buscou rapidamente o interruptor.

A meio caminho de alcança-lo, acabou olhando novamente em direção a claridade da TV. Foi nesse momento que percebeu algo muito, muito estranho! Seu sangue que estava quente de raiva da amiga esfriou de medo.

Encurralada ao pé da porta onde estava, Milady tinha uma visão geral do local que podia ser descrito mais ou menos assim: uma pequena cozinha americana, ao centro um balcão que conjugava o cômodo com um uma sala de estar equipada com TV, Home-Theater e um grande e fofo sofá, daqueles que tem espaço pra deitar a ainda sobra lugar pra duas pessoas ficarem sentadas. Até ai tudo bem, o problema estava no sujeito alto de cabelos negros encaracolados e de pele perolada, que era tão branca que refletia a parca luz da TV, deixando o ambiente com uma aparecia fantasmagórica.

– Que droga! – Disse Milady quase sussurrando, com se lamentasse para si mesma.

O sujeito pareceu se divertir porque esboçou um pequeno sorriso. Fez-se um silencio mortificante, a porta estava trancada, o sujeito estava na sala, Milady calculava suas alternativas: primeira, tentar pegar a chave e abrir a porta; segunda, usar o martelo que estava guardado em sua bolsa para arrebentar a cabeça do desgraçado e terceira, se tudo mais falhar, ela ainda poderia gritar...

– Não acho que sejam boas as suas alternativas – a voz do homem ecoou pelo recinto como se eles estivessem em uma caverna.

– O quê? – Disse Milady dando um discreto passo em direção a chave e enfiando a canhota na bolsa e tateando o cabo do martelo.

– Só estou dizendo que nenhum dos seus adis teria êxito. Mas tenho que admitir, você é corajosa, já vi homens correrem desesperados só de ouvir a minha voz, mas você... fica analisando a situação!

Milady deu um pulinho para frente ao ouvir a voz que parecia ser sussurrada ao pé do seu ouvido. Sua mente lhe pregava peças, pois o sujeito ainda estava no mesmo lugar. Seu coração batia acelerado e ela segurava o martelo com tanta força que sua mão chegava a doer.

– Quem, quem é você? – gaguejou Milady avançando mais um curto passo a frente – o que quer de mim?

Fazendo ares de importante, o homem se moveu até ficar em frente e a luz da TV. Milady observou suas roupas, ele estava elegante de camisa social branca, colete marrom e calça social. Com um sapato de bico fino, parecia até um garçom de restaurante de luxo.

– Sebastian, o Vampiro, ao seu despor! – Disse por fim fazendo uma reverência e um breve floreio com a mão esquerda.

– Um... unkk kkkkk hahahaha hhaha hahahh, hua hua huahaahahahah!!!

Milady não sabia dizer se foi uma descarga de adrenalina, ou o nervosismo, ou tudo junto; mas teve uma repentina crise de riso, ela ria tão alto que as gaitadas dela podiam ser ouvidas do lado de fora da casa.

Aturdido, Sebastian pareceu não acreditar na reação da moça, calou-se aguardando impacientemente que ela parasse com aquela falta de respeito.

– Há qual é – Milady tinha uma mão na barriga e outra enxugando uma lagrima que saiu de tanto que ela riu.

– Não me leva a mal, Sebastian, mas aquele negocio com a mão foi hilário.

Sebastian visivelmente não estava se divertindo tanto, permaneceu calado.

– Olha, se você tivesse dito que era qualquer outra coisa, tipo um tarado, ou um ladrão; isso não teria acontecido sabe, mas um vampiro!?

– Sim, um vampiro! – insistiu Sebastian.

Ele desapareceu e reapareceu atrás de Milady que, assustada, sacou velozmente seu martelo o atacou com tudo que tinha.

Sebastian segurou a pancada com a palma de sua mão, e facilmente puxou a ferramenta. Com o polegar partiu seu cabo com a dificuldade de quem divide um palito de fosforo.

Milady não conseguia compreender, mesmo tendo batido com toda sua força, a porrada parecia não ter feito nem cócegas.

– Isso era mesmo necessário? – Essa pergunta foi feita enquanto ele lançava os pedaços do martelo no chão.

Por um instante o pânico tomou conta de Milady. Ofegante, ela precisou buscar sua voz para dizer o que passava pela sua mente.

– Você, vai me matar? – vendo o pavor de Milady, Sebastian abandonou a postura ofensiva e caminhou lentamente até a cozinha e acomodou-se na baqueta ao lado do balcão.

– Não, eu não vou te matar!

– Não brinque comigo – Choramingou, Milady.

– Não se preocupe, já me alimentei hoje, Milady – Sebastian pronunciou seu nome demoradamente como se saboreasse uma guloseima, e isso a assustou ainda mais.

– Então, o que você quer?

– Não sei ao certo ainda. – Sebastian passava a mão no queixo olhando para o vazio como se procurasse a resposta para a pergunta.

– Como assim, não sabe?

– Sabe, tem menos de dois dias que eu acordei de um longo sono. Quando alguém como eu dorme tanto tempo, é normal ficar, eu diria, um tanto confuso com as coisas que se vê.

Milady não conteve sua curiosidade e disparou a pergunta:

– Quanto tempo você esteve dormindo?

– Muito tempo! – Explicou Sebastian.

– Mas o que isso tem a ver comigo?

– Eu confesso que esta noite, mais cedo, eu tinha planos de me alimentar de você, estava prestes a fazer isso, ai notei que havia tirado a sorte grande...

Milady levantou uma sobrancelha desconfiada com o desenrolar da conversa.

– Foi quando você passou por mim, há, o cheiro...

– Que cheiro – quis saber a jovem.

– O cheiro do seu sangue, você tem algo muito especial, algo muito importante, algo que nesse momento eu preciso mais do que comida, foi isso que te salvou.

Milady fitou aquele ser branco-pérola em sua cozinha, sentado displicentemente e não sabe de onde se lembrou de sua amiga Cláudia falando de relaxar e gozar, seu rosto ruborizou.

– Humm! – fez Sebastian sorrindo mais uma vez.

– Pare com isso! – Ordenou exasperada.

– Parar com o quê?

– Isso, você parece que está na minha cabeça!

– Bobagem, não tem como eu estar em sua cabeça.

– Então, como você fica adivinhando tudo que eu estou pensando.

– Não é simples assim M i l a d y. Eu apenas leio a linguagem corporal.

– Por exemplo, agora sua temperatura, a concentração do sangue em certas partes do seu corpo me dizem como você está fisicamente. O resto é dedução.

Milady roborizou novamente ao ouvir “Certas partes”.

– Você não quer se sentar? – Convidou o vampiro.

– Definitivamente, não!

– Ora não seja tola, já disse não lhe farei mal!

– Eu me sento, se você me disser o que quer aqui?

– Tudo bem, se isso vai fazer você feliz.

– Quando um vampiro acorda de um longo sono como o meu, ele tem bastante dificuldade até se adaptar à época. Isso e demorado e lento, e muito chato eu devo admitir. Mas, às vezes, encontramos alguém com que tenha mística o suficiente no sangue para que eu a possa ler e me atualizar de forma quase automática.

– Como assim, ler, você acabou de dizer que não tem como fazer isso?

– Não do jeito que você está pensando.

– E como é, então?

– Pelo sangue!

– Mas, você disse que não iria me matar! – Milady imaginou Sebastian sugando suas memorias e a deixando catatônica como a casca seca de um vegetal.

– Não se aproxime de mim.

– Não seja tola, não vou lhe fazer mal.

– E quem me garante que você vai manter sua palavra?

Milady olhou para aquela criatura e sua mente girava em torno de uma pergunta:

– Por que, eu?

– Ora, eu já não lhe disse? Não dá para fazer isso com qualquer um – Explicou Sebastian _ tem que ter um tipo sanguíneo especial para poder ser lido.

– Mas meu sangue é “O” negativo, não tem nada de especial nisso! – Sebastian riu, uma rizada gutural.

– Você não entende nada de sangue!

Pela primeira vez Milady notou os caninos levemente protuberantes do vampiro.

– O fato é que uma pessoa a cada mil tem o que é preciso e você tem.

– Por favor, pare de ficar brincando comigo, dê um fim a esta loucura, faça logo o que tem que fazer!

– Não é assim que funciona.

– E como é então?

– Você tem que querer também!

–Eu não vou deixar você fazer isso comigo! Grasnou para o vampiro.

Sebastian se levantou e caminhou até Milady, ela teria corrido, mas suas pernas estavam tão bambas que não sabia como ainda estava de pé.

Os olhos do vampiro eram azuis, pareciam emitir um brilho irresistível. De repente Milady teve de se concentrar para voltar a respirar.

Sebastian sussurrou ao pé do seu ouvido.

– Por favor...

Milady ficou imaginando se Sebastian estava prestado atenção as partes onde o sangue estava correndo novamente.

No dia seguinte, quando Claudia estacionou na porta de Milady, ela quase não reconheceu sua amiga.

Milady trajava um vestido florido com um cinto que marcava bem sua cintura e calçava um par de botas marrons.

– Ai, meu Deus!

– Amiga, você está demais! – Milady não respondeu apenas sorriu de soslaio.

Assim que o carro saiu, Claudia deu mais uma olhada na amiga. Ela parecia outra pessoa.

– O que foi que houve, você foi abduzida por alienígenas, foi?

– Quase isso! – Respondeu Milady enquanto ajeitava os cabelos.

– E esse bandeie no seu pescoço.

– Não é nada – Desconversou Milady.

– Nadinha...

Cezamar Oliveira
Enviado por Cezamar Oliveira em 26/06/2017
Reeditado em 05/11/2017
Código do texto: T6038081
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