3 é demais


A amizade virou amor. Não era aquele amor desesperado e nervoso, era um sentimento que me trazia conforto e serenidade. Me dava força. Karen renovou a minha vida e eu fazia dentro das minhas possibilidades, o possível para agradecer. Juntos fazíamos de tudo. Ela queria ser uma participante ativa na minha vida, mas respeitava os momentos que eu precisava estar só com os meus amigos. Inclusive, eles adoravam estar com a Karen no bar do Chico. Diziam que ela era uma das pessoas mais divertidas que eles já conheceram. Fazia piadas, ria, falava de futebol, de novela e também de política. Tinha assunto para absolutamente tudo. Era mais uma da turma. Diferente de Isabela, que demorou muito tempo a entrosar com eles.

Para um início de namoro, foram 4 meses perfeitos. Não tinha nada de ruim em estar com a Karen. E tudo isso fazia eu me lembrar de como era me sentir bem comigo mesmo.

Era uma sexta-feira pós-expediente, Karen só teve 2 aulas. Eu busquei ela na faculdade e juntos iriamos encontrar meus amigos no bar do Chico. Um dia como todos os outros. Um dia que tinha tudo para ser ótimo.

Karen foi para o lado esquerdo em direção ao banheiro feminino antes da voz melódica e inesquecível me atingir como uma flechada. Era como se tivessem aberto um buraco no chão do bar e no outro lado ela estivesse ali como um anjo, pronta para me salvar ou me empurrar no buraco.

- Ah, Curitiba segue lindíssima, mas confesso que me acostumei com o calor do carioca.

Ao me ver, Jorge teve sua expressão congelada, depois foi Diego, que até cuspiu a cerveja que bebia. Mateus, surpreendentemente não estava ali. E o conhecendo como conheço, daria um jeito de “sair à francesa” para não se complicar. Isabela foi a última a me olhar. Eu nunca a odiei tanto por aqueles olhos castanhos pousados em mim com tanta confiança. Era um olhar que dizia com todas as letras “você é meu”.

- Amor? – Karen parou ao meu lado e logo seguiu meu olhar. Até então não sabia que era a Isabela. – Você está bem, Leo?

- Sim, estou.

Ela segurou minha mão ainda sem notar a gravidade do que acontecia no bar. Isabela tranquilamente esperou que nos acomodássemos nas cadeiras vazias. De frente para ela.

- Olá! – Karen cumprimentou, simpática. Jorge e Diego apenas acenaram com a cabeça. – Nos conhecemos? – Perguntou a Isabela.

- Creio que Leonardo não tenha comentado de mim. – Estendeu a mão - Isabela Fischer.

A mente de Karen trabalhou extremamente rápido naquele momento.

- Oh! – Elas trocaram um aperto de mão. – A ex.

- Exatamente. – O olhar de Isabela debochava de mim. – A ex.

Karen ergueu o braço, chamando Chico.

- Ei, Chiquinho! manda uma aqui na mesa.

Durante algum tempo a conversa fora polida entre Karen e Isabela, até que então começaram as indiretas e minha atual começou a perceber que a intenção da outra era atacar e fazê-la perder a paciência, mas tudo conduzido com classe.

- E então, meninos? Como foi esse tempo que estive longe? Já noto que muita coisa aconteceu. Além disso aqui. – A voz era de desprezo. Karen começava a perder a paciência e esperava por uma reação minha, mas eu não conseguia sequer olhar para ela. E nem para Isabela.

- Ah, o Mateus conseguiu a vaga como professor na federal Fluminense. Está muito feliz! – Jorge contou, tentando a todo custo tornar a atmosfera daquela conversa mais leve.

- Que coisa bem boa! Saudades do Mateus. – Eu sentia o olhar dela em mim. – E você, Leonardo? Tem mais alguma coisa para contar? De repente um casamento?

- Ah, chega! Eu não tenho sangue de barata para aguentar isso! – Karen se levantou num pulo. Eu a segurei pela blusa.

- Nossa, só foi uma pergunta. – Enfim olhei para os olhos dela, que riu de canto. Já estava alta demais e pronta para ir até o fim com aquela cena que criara. Não poderia ser mais ridículo, é claro.

Karen se soltou e saiu andando furiosa, sob o olhar dos presentes no bar. Ela parou na porta de madeira velha e me olhou.

- E se você tem um pouco de respeito por você mesmo, não ouse vir atrás de mim.

O pior era que eu não conseguia me mover, nem se realmente quisesse. Novamente traído por meus sentimentos. Era absurdo o efeito que a presença de Isabela tinha em mim.

Voltei a mesa, silencioso. Jorge e Diego me olhavam, preocupados. Isabela, cada vez mais fora de si, alisou meu rosto. Eu segurei sua mão.

- Chega de beber.

- Eu estou bem.

- Não, você não está. Você está completamente fora de si.

- Você acha? Eu só queria saber quais são as novidades.

- Cala a boca, Isabela! – Gritei, com raiva. E em resposta, ela somente riu.

- Leo. – Era Jorge quem falava agora. – Calma, cara.

- Eu estou calmo! Completamente calmo! – A reação contrária que esse pedido tem nas pessoas deveria ser estudada. – Estou calmo em saber que meus amigos não me avisaram sobre a minha ex estar no bar que eu frequento.

- Não culpe eles! – Eu a olhei ameaçadoramente, mas de nada adiantou. Parecia algum tipo de piada para ela. – Eu queria te ver para ter certeza do que você sente por mim.

- Eu vou chamar um taxi para vocês, vem Jorge. - Diego avisou.

E eles nos deixaram sozinhos, mas antes, claro, fiz o possível para demonstrar no olhar o quanto estava puto com toda aquela situação. Olhei para o lado e Isabela apoiou o braço direito na mesa e deitou o rosto na mão, me observando.

- Você está ainda mais bonito.

- Por que voltou?

- Estou só de passagem. Não vou ficar muito tempo...

- Ótimo.

- Você ainda me ama e sabe disso, não sabe?

- Não é esse o assunto que temos que discutir, não acha?

- Me responde.

- Eu não tenho que te responder nada, Isabela.

- Então você sabe.

Isabela tentou levantar, mas não conseguia manter-se em pé. Eu a segurei pela cintura, com força. E de novo “aquilo”. Aquilo do tempo fechar quando você está ao lado de uma pessoa que é completamente dona dos seus sentimentos. Fechar para só existirem vocês. Sem passado, só o agora.

- Eu estou tonta.

Como ela começou a dar indícios de que ia vomitar, tive que leva-la ao banheiro dos fundos, onde também era a casa de Chico. Isabela encostou-se na pia.

- Eu confesso que não esperava isso.

- O que? – Perguntei, segurando seu joelho.

- Você com outra.

- É. Eu estou.

- Achei que você não conseguiria se envolver com ninguém depois do que te fiz. – Apesar de bêbada, Isabela se mantinha sincera. – Eu realmente não contava com isso.

- Deve ser realmente um choque perceber que meu mundo não gira ao seu redor.

Me encostei na parede, em silêncio. Eu precisava daquilo. Daquela conversa, de olhar nos olhos dela e tentar entender o porquê de tudo ter acabado daquela forma. O porquê dela ter acabado comigo daquele jeito.

Isabela precisou de algum esforço para sair de onde estava e vir até mim.

- Você só engana a si mesmo, Leonardo. – Seu dedo parou em meu peito. – Eu conheço você.

- É verdade. Eu que nunca conheci você.

- Você não ama aquela garota. Está com ela para tentar me esquecer!

- Uau! – Bati palmas com deboche. – Que monstro que eu sou, não é? Será que sou mais ou menos monstro do que alguém que abandona um relacionamento de 5 anos como se tivesse deixando um brinquedo para trás?

- Eu fiz o que eu tinha de fazer, Leonardo. Pelo meu futuro, pela minha vida. – Ela então se virou, sabendo que não teria condições de ouvir a tudo o que eu tinha para dizer. – Se isso faz de mim um monstro então eu sou um monstro!

- É claro... - Puxei seu braço e a obriguei me olhar novamente. – Um futuro onde não inclui sequer sentar comigo e falar tudo o que pensa ou sente, não é? Um “nós precisamos conversar, Leonardo” como um CASAL!

- Para.

- Não, Isabela! Para não você vai me ouv...

- Cala a boca!

Durou apenas alguns segundos aquele maldito olhar. O olhar de quem me conhecia e sabia que me tinha como e quando queria. Sabia que eu era dela e ela era minha. Sabia, de forma indiscutível que a nossa ligação era forte demais para acabar assim.

O banheiro da casa do Chico de repente se tornara pequeno demais para nós dois. Eu a puxei pela cintura e selei nossos lábios numa fome desesperada pelos lábios dela. Uma fome quase indecente de me lembrar as curvas do corpo de Isabela. Não tive como pensar em Karen e no que estava fazendo. Eu só queria ela. Amar Isabela era uma doença e eu não me curaria nunca.

Como pedia aquele reencontro foi tudo absurdamente rápido, apressado. Não tínhamos tempo para outra coisa. Respirações atrapalhadas, mãos querendo relembrar os corpos, corpos querendo se tornar uma só coisa. Como nós éramos. Como nós deveríamos ter sido sempre.

Eu segurei o rosto dela e passei meus dedos por seus lábios. Ela ofegava, se segurando a mim para não se desmanchar no chão.

- Vocês estão bem? – Ao ouvirmos a voz de Chico a realidade nos trouxe à tona. Ela deu um passo para trás. – Tem um táxi lá na frente esperando por você, menina.

- Eu já estou indo. – Isabela respondeu, me olhando. – Isso não acaba aqui, Leonardo. Eu voltei, não vou deixar você em paz.

E claro, ela saiu com a última palavra. Não seria Isabela Fischer se não saísse.

O olhar preocupado de Chico resgatou minha racionalidade e eu tive vontade de chorar com o que Isabela havia feito a mim e Karen.

Karen.

Meu Deus. Como é que eu pude fazer isso com ela?

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 11/05/2017
Reeditado em 15/02/2022
Código do texto: T5995678
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