Karen - Parte 1


Dois meses se passaram após Isabela terminar comigo. Para ser sincero não vi o tempo passar porque dentro da minha cabeça eu ainda estava no chão apartamento dela, tentando entender o porquê a perdi daquele jeito. E não tem explicação. Não tem uma justificativa. Precisava ficar um tempo longe para compreender, mas estar só me causava o efeito contrário, porque eu pensava ainda mais nela. Nunca houve uma ligação explicando ou pedindo desculpas, no máximo um aviso através de Jorge, um de meus amigos, que ao longo dos anos também se tornara amigo dela. Eu preferi não saber o que ela tinha para me dizer. Preferi não pronunciar mais o nome de Isabela. Pensar nela doía, falar o nome dela era sentir o coração ser dilacerado.

- Filho? - Minha mãe sentou-se ao meu lado no sofá. Eu permaneci imóvel, olhando para a parede atrás da TV. – Quer que eu faça alguma coisa para você comer?

- Não, mãe.

- Leo...

- Eu estou bem.

- Não está! O Jorge ligou de manhã, o Mateus e o Junior me viram no mercado e perguntaram por você.

- Eu não quero ver ninguém.

- Leo...

Eu sabia que aquilo a machucava. Minha mãe não queria me ver naquela situação horrível que Isabela me colocara, mas eu não conseguia reagir. Mesmo após 2 meses, não consegui ter uma reação. Não sabia como seguir em frente porque tudo me lembrava a Isabela.

- Lembra quando você me disse que a Isabela era do mundo e eu preso as minhas raízes? – Ela demorou algum tempo para entender onde eu queria chegar, ao entender, assentiu. – Você estava certa. Era exatamente isso.

- Filho... - Minha mãe me abraçou, mas não consegui retribuir. – Vai ficar tudo bem, eu prometo.

Eu torcia para que aquilo fosse verdade, mesmo sendo difícil de acreditar.


Pela noite, depois de mentalmente cansado para pensar em Isabela, decidi ir ao bar do Chico beber e espairecer as ideias, mesmo que isso fosse impossível. Há quase 10 anos frequento esse bar, então Chico sabe o que bebo, conhece as minhas histórias, já viu eu e meus amigos fazermos daquele bar uma festa, como fora no último campeonato brasileirra em que Flamengo foi campeão. Naquele dia nem o clubismo de meus amigos foi maior que a festa rubro-negra na zona norte. Éramos todos um só.

O bar era todo decorado de forma rustica, diria até que bastante abrasileirada: Estufas com frango frito e outros salgados, potes com batatinhas na conserva, cadeiras de plásticos, mesa de sinuca, pôsteres de diversos jogadores e campeonatos vencidos pelo Flamengo.

- Meu rapaz! – Exclamou Chico ao me ver entrar. Ele era um agradável senhor negro de meia altura, respeitosos cabelos grisalhos e uma barriga imponente. Havia uma expressão benevolente em seu rosto. – E o nosso Flamengo, hein?

Eu tive uma onda de gratidão por Chico não perguntar sobre o fim do meu relacionamento.

- As coisas vão melhorar! Tenhamos fé.

Ele passou por baixo do balcão e seguiu até a geladeira de bebidas.

- Essa aqui é por conta da casa. – Deu dois tapinhas na minha mão. – Você vai superar. Um flamenguista a tudo supera!

- Obrigado, Chico.

A música do bar contrastava com as conversas paralelas do ambiente. Tudo aquilo me deixou por alguns instantes, com uma sensação de serenidade, como se eu fugisse do meu problema por alguns instantes. Ali não havia ninguém me perguntando sobre o fim do meu relacionamento ou preocupado comigo. Eu era só mais um ali.

- Ei, Chico! Preciso urgente tomar uma cerveja bem gelada que hoje a aula foi terrível! – A deslumbrante figura feminina parou ao meu lado.

- Opa, Karen! - Cumprimentou o velho Chico.

Eu a olhei de soslaio, mas continuei silencioso, tomando a minha cerveja.

- Está sozinho hoje?

Surpreso, finalmente a olhei. Era uma morena que facilmente pararia o trânsito, poderia estar falando com qualquer cara mais inteligente e divertido, mas estava ali, me fazendo uma pergunta enquanto era observada por um cara cuja expressão já deveria estar se tornando assustadora.

- Você está falando comigo?

- Sim! – Ela sorriu quando Chico deixou sua cerveja e um copo no balcão. – Notei que você deu uma sumida. - Não é coisa da minha cabeça. Tem uma morena puxando papo comigo. - Sempre que eu te via, era com uns 3 amigos.

- Ah, é! Não ando numa maré boa.

- Lembro do ano passado quando vocês fizeram um pagode aqui. Eu me diverti muito!

Sorri com sua lembrança.

- É. Aquele foi um dia memorável.

- Karen. – Ela estendeu a mão, amigável.

- Leonardo. – E apertamos as mãos.

- Eu te chamava de “cabeludinho”, mas Leonardo também é legal.

E nós rimos juntos. Era bom rir com alguém que não sabia o quanto a minha vida era uma droga.

Karen era uma morena de cerca de 1.73, dona de um corpo bonito e atraente, cabelos cacheados na altura do ombro. Lábios chamativos pintados por um batom cor de vinho. Tinha olhos castanhos arredondados e uma expressão muito tranquila, exalava uma natural sensualidade.

- E então? – Ela bebeu um gole de sua cerveja. - Perdeu o emprego? A esposa? Time perdeu?

- Namorada. Terminamos faz 2 meses, aliás, ELA terminou comigo para voltar a sua terra natal. – Surpreendi-me com a facilidade em responder a Karen. – Disse que eu a prendia. Hilário, não é? Logo eu que a minha vida inteira evitei namorar para não me sentir preso! 5 anos de namoro que ela destruiu em menos de 10 minutos. Ela simplesmente se foi dizendo que me ligaria para conversarmos e (...)

E passei a contar a minha história para Karen. Não era do meu feitio conversar com estranhos sobre a minha vida, mas havia algo nela que me abria a vontade de falar e falar, sem pressa de acabar. Ela simplesmente me ouviu, fez uma pergunta ou outra, mas queria me ouvir. E isso me fez profundamente bem. Ao lado de Isabela, eu era o ouvinte ou achava ser. Se eu tivesse sido um bom ouvinte ela teria me dito o que a incomodava no nosso relacionamento e juntos teríamos salvado 5 anos de uma história.

- Ela me disse que não via chance de crescimento comigo, que eu era muito acomodado na minha vida. – Eu sabia que a cerveja agora fazia efeito, mas não conseguia parar. – Fiz de tudo para mantê-la feliz. Troquei corte de cabelo, roupas, alimentação. Comprei um apartamento para mim, porque na época ela achava absurdo eu ter 25 anos e morar na casa da minha mãe! – O aperto no peito resultou numa vontade de chorar, e dessa vez não resisti. – Já falei que me curei de um trauma por insistência dela? – Karen segurou a minha mão, afetuosamente. – É... Eu fui atropelado por um carro com 12 anos. Desde então nunca consegui entrar num carro. Ela sabia disso, mas queria um namorado que dirigisse. Comecei a fazer aulas escondido e ao mesmo tempo passava com um psicólogo, para não deixar o trauma me afetar novamente. Consegui a carta de motorista, comprei um anel de noivado e ela terminou comigo.

Karen simplesmente me abraçou quando parei de falar. E aquilo era exatamente o que eu precisava. Nenhuma frase clichê de efeito ou falsas promessas. Só um abraço. Um abraço de verdade.

- Obrigado.

Ela segurou meu rosto e depositou um beijo na minha testa.

- Não precisa agradecer.

E depois daquele dia Karen entrou na minha vida. Era estranho, mas de alguma forma eu sabia que ela não sairia mais.

E no decorrer dessa história, que é a minha, mas também poderia ser a de qualquer um, vocês entenderão o porquê de eu ter sentido isso sobre a Karen.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 20/04/2017
Reeditado em 28/10/2022
Código do texto: T5976328
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