A inauguração do “Alô Doçura”



7 meses depois...


Foram meses que passaram voando. Incrivelmente rápidos. Daqueles que passam por nós e mal percebemos. Parecia que nunca conseguiríamos inaugurar a “Alô Doçura”, mas enfim o grande dia chegara. Samanta tinha estudado durante 5 meses não apenas em sala de aula, como também com amigos na internet e também com a ajuda de Luan, seu agora namorado. Ele chegou para completar a nossa vida de uma forma, que Michel se viu o convidando para integrar a equipe de funcionários. Ele aceitou na hora. Samanta tinha amadurecido ao lado de Luan, deixou de ser a nossa caipira e se tornou a chef Samanta. Eu morri de orgulho e também de chorar na formatura de seu curso.

Optamos pela decoração americana. Parede em tons rosa e creme. 4 prateleiras de vidro, sendo 1 em cada parede. Essas prateleiras continham alguns doces e geleias que Ernest nos forneceu, direto da Alemanha. 4 mesas e cadeiras de ferro, todas brancas para harmonizar com as cores. O balcão refrigerado onde armazenamos os bolos e doces foi um presente da Neusinha. Cada um deixou um pedaço de si na “Alô Doçura”. Eu não poderia ser mais grata a todos os bons amigos que tenho e os que conquistarei com essa nova jornada.

A inauguração foi um sucesso. Abrimos as 10 horas da manhã de uma segunda-feira nublada, daquelas que pedem um pedaço de bolo acompanhado de um cafezinho. Vieram amigos nossos e também amigos de nossos amigos. A turma da faculdade de Samanta compareceu para prestigiar a amiga. A avenida Paulista parou pra conhecer o empreendimento que seria o maior do século XXI. O local encheu de um jeito que precisamos dar senhas para os clientes entrarem. Eu vi Michel 2 vezes de relance naquele dia, mal conseguimos conversar, mas pude ver pelo seu sorriso e alegria que ele se divertia muito.

Bernard tinha razão quanto a isso. E também quanto a diversas outras coisas. Espero que onde ele estiver saiba o quanto eu o amo e gostaria que estivesse presente conosco. Essa nossa conquista também é a conquista dele.

Nosso investimento com a “Alô Doçura” foi tão bom que ganhamos 2 sócios de peso. Neusinha e Ernest resolveram investir como uma forma de apoio e força ao nosso negócio. Isso tornou maior a nossa responsabilidade em fazer tudo aquilo dar certo. Atarefada, feliz e plena, só me dei conta que algo me faltava quando vi uma mãe e sua filha entrarem na “Alô”, alguns dias depois da inauguração. Ela parecia uma empresaria, talvez fosse chefe ou advogada, não tenho certeza. Era alta, usava um vestido social azul que combinou perfeitamente com sua pele negra e cabelos cacheados. Além do sorriso extremamente gentil. A filha parecia sua cópia em miniatura, não devia ter mais de 4 anos. Usava um vestido rosa, sapatinhos brancos e duas xuxinhas prendiam o cabelo. Não era só o fato de serem mãe e filha num momento particular que realmente me emocionou, longe disso. Era a forma como a filha parecia uma continuação da mãe. Como a mãe parecia feliz em estar ali com sua pequena, cortando pequenos pedaços de bolo para alimentá-la. Me dei conta que por mais que Miguel fosse meu filho de coração, eu nunca teria isso, esse laço sanguíneo. Nunca traria ao mundo um pedaço meu e de Michel. Jamais teria a nossa continuação nos meus braços para ninar, amar e amamentar. E também não daríamos uma irmã ao Miguel. Ele carregaria sozinho todo o peso e as cobranças que nós, como pais, faremos. Sozinho, Miguel teria que um dia lidar com o fato de que eu ou Michel não existiríamos mais, da mesma forma que eu tive que crescer e amadurecer. Sozinha. Sem ter alguém para dividir as minhas dores ou derrotas. A infância de Miguel se encerraria nele. Não teria alguém para lembrar de suas aventuras de infância. Só quem viveu assim sabe como é doloroso e terrível. Miguel teria que lidar sozinho com os méritos das coisas, com jantares e encontros chatos de família, teria que lidar, só ele, com uma dificuldade financeira minha e do pai. Todas essas coisas que fazem parte da vida familiar. Aquilo me trouxe uma dor emocional tão forte e inesperada que pedi para Luan cobrar o pedido daquela mãe com sua filha, pois precisava ir ao banheiro chorar.

Não era uma novidade para mim ser estéril. Na verdade, isso é algo que eu lido desde a adolescência. Nunca foi um grande problema porque não pensei em ser mãe até ter Michel na minha vida novamente. Agora era diferente. Aquilo voltava a me machucar de um jeito que eu não sabia o que fazer para mudar.

(...)

Era noite quando Michel voltou para quarto depois de colocar Miguel no berço. Agora com 1 ano e alguns meses, ele estava andando e completamente impossível de pará-lo. Tinha a energia de 2 crianças de 1 ano e também estava manhoso e cheio de dengo por causa do nascimento dos dentinhos.

- Ei. - Ele se deitou ao meu lado na cama. – O que foi? Você chegou com uma carinha triste.

- É bobagem.

- Não é. Você está grilada, então não pode ser besteira!

Eu virei para o outro lado, mas ele me fez voltar para olha-lo.

- Hoje na “Alô” recebi uma mãe com a filha... Sei lá, aquilo mexeu comigo. – Ele compreendeu sobre o que eu falava. – Só pensei que...

- Eu sei. Acho que falar que isso não muda nada para mim é besteira, não é? Por que é algo seu com você.

- Eu amo o Miguel. Muito. Eu quero dar o meu sobrenome pra ele e você sabe disso, mas...

- Você quer me dar um filho. E um irmão para ele. – Balancei a cabeça, assentindo. Michel me aninhou em seus braços. – Eu entendo, amor. E não sabe o quanto me faz feliz você pensando nisso. Nós podemos fazer algum tratamento. O que você acha?

- Acho ótimo! – Ele sorriu e me deu um beijo na testa. – E também podemos treinar de outras formas...

Me deitei em cima dele, colocando sua mão em minhas costas.

- Treinar também é uma excelente ideia.

- Tudo pelo bem da ciência?

- Tudo pelo bem da ciência.


 

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 24/01/2017
Reeditado em 12/06/2022
Código do texto: T5891803
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