O segredo de Letícia - 3

-Você foi à minha sala de aula, não é? E aquela fofoqueira lhe disse coisas! Para que você foi fazer perguntas à Carla? O que mais ela lhe disse? Fale logo, Ricardo!

Tentando contornar, apesar de saber que seria muito difícil, Ricardo colocou a mão no ombro de Letícia e falou com bastante calma:

-Querida, eu fui à sua sala de aula porque você está me preocupando. Sou seu irmão mais velho, sou responsável por você, que é uma menina, tem apenas quatorze anos...

Bruscamente, Letícia se afastou do irmão e respondeu eu tom viperino:

-Você, preocupado? Ora, Ricardo! Não me faça rir! E Carla e eu não somos amigas! Ela nem fala comigo!

-Ela me falou que você não tem amigos. Isso é muito chato, Letícia. Você vive só? Não tem ninguém com quem conversar?

De repente, Letícia pareceu vulnerável e ele pensou que isso poderia ajudar a derrubar a muralha que ela vinha erguendo há algum tempo. Resolveu continuar:

-Por que não fala comigo?

Ela baixou a cabeça e disse:

-Por que está preocupado agora, Ricardo?

Com delicadeza, ele colocou as mãos nos ombros da irmã.

-Letícia, você não está bem. Não quer falar?

-Não, não quero. E sabe por quê?

-Sei. Porque o papai, o Luisinho e eu fomos muito cruéis com você.

Súbito, Letícia ergueu os olhos e Ricardo viu que ela chorava.

-Foram sim. Você gostaria de saber o que é os outros lhe massacrando, fazendo você se sentir um lixo porque você é gorda? Como se o simples fato de ser gorda desse aos outros o direito de serem grosseiros com você, zombar de você sem se importar em lhe fazer chorar?

-Pedir desculpas não é suficiente, eu sei.

Ricardo pensou no quanto a solidão em que ela vivia devia ser enorme.

-Querida, agora eu vejo que nós estávamos errados. Não deveríamos ter feito aquilo. Mas tudo pode ser diferente. A gente pode lhe ajudar.

As defesas de Letícia se puseram em alerta.

-Me ajudar?

Seria mais complicado fazê-la se abrir do que ele poderia supor. Porém, ele não podia desistir. Tinha que persuadi-la, embora ela não confiasse nele e ele precisasse reconhecer que não podia criticá-la por isso. A culpa era dele.

-Letícia, você está doente. Agora, entendo tudo.

Letícia riu amarelo e o olhou bem nos olhos.

-Você, entender alguma coisa? falou com despreocupação dissimulada.

-Sim.Quer saber o que mais Carla me contou?

Dessa vez, ela estremeceu, mas recuperou rápido a pose.

-Aquela fofoqueira adora inventar coisas também.Quer saber de uma seu bocó? Não vou ficar aqui ouvindo besteira.

Ele a segurou firme pelo braço.

-Ah, vai sim. Ela me contou que...

Enquanto ouvia, Letícia se atordoava. Então, Carla e os outros a andavam observando e falando a respeito dela.

-Seja o que for - vociferou - não é da conta dela e de mais ninguém! O que aquele bando de metidos tem a ver com minha vida? Nunca conversaram comigo, sempre só zoaram com minha cara! Monte de idiotas!

Ricardo continuou:

-E eu fui à biblioteca da escola, pesquisei na Internet:

-Você?! -Letícia disse com sarcasmo- você numa biblioteca?

-Pare, Letícia! Será que não vê? Você não era assim! Não tinha esse humor tão negro! Aliás, você está extremamente agressiva!

-Cansei de sofrer calada como eu costumava sofrer! Não tenho o direito de me defender?

-Ficar agressivo é uma consequência disso que está acontecendo com você.replicou Ricardo.

-Pois sofra agora a consequência por se meter assim na minha vida!Letícia lhe deu um tapa violento no rosto e se afastou, trancando-se no quarto.

Ricardo, face dolorida pelo tapa, foi atrás da irmã e pediu:

-Letícia, por favor, saia desse quarto. Temos de conversar. Você não pode se isolar.

-Deixe-me em paz, seu idiota!Ajude a você mesmo!

-Tá certo que eu não fui legal com você antes, mas agora você está muito doente.

-Vá para o inferno! Aliás, vocês fizeram da minha vida um inferno por um bom tempo! Deixe-me em paz! Eu não quero saber de você bancando o irmão legal!

-Abra essa porta ou eu derrubo!

-Não se atreva! Você não tem esse direito! a voz saiu trêmula.

Percebendo que não adiantava usar brutalidade, Ricardo falou com voz calma:

-Letícia, querida, eu não quero invadir sua vida.

-E o que você quer, meu Deus?

Sentindo que a resistência dela estava se quebrando, ele pensou e falou:

-Eu quero lhe ouvir, quero que você se abra, diga o que está sentindo.

Escutou um soluço. Letícia chorava descontroladamente.

-Por favor, Letícia, abra a porta.

Ouviu a chave girando. Abriu a porta. A irmã estava sentada no chão, chorando alto, cobrindo o rosto com as mãos.

-Quer falar comigo? O que você está sentindo?

O corpo de Letícia se sacudia com os soluços. Ela respondeu:

-Não aguento mais!soluçou mais alto.

Comovido, Ricardo se ajoelhou ao lado dela e disse:

-Eu estou aqui, Letícia. Você pode falar, não precisa ter medo. Não vou lhe criticar, só lhe ouvir.

Letícia continuou chorando e Ricardo a abraçou até que ela se acalmasse. Depois, ele perguntou com delicadeza:

-Letícia, você realmente tem o que a Carla falou que desconfiam e cochicham?

-Tenho.respondeu de olhos baixos, envergonhada.

-Nada de vergonha, certo?- abraçou-a mais forte - Eu estou aqui para ouvir você.

-Mas eu sinto muita vergonha e tenho que agir de forma a esconder isto de todo mundo.

-A Carla disse que lhe viu saindo do banheiro parecendo que ia desmaiar.

Ela o encarou com seriedade.

-Lembra quando você queria ir ao banheiro e eu estava trancada nele?

-Como posso esquecer?

-Naquele dia, eu passei tão mal que pensei que ia morrer. Meu coração parecia que ia explodir.

Ricardo sentiu remorsos.

-Meu Deus, Letícia!E eu fazendo pouco de você naquele dia!

-Você é tão sem tato, não é? ela sorriu.

-Pai e mãe vão ter de saber.

-Eu vou ter de fazer terapia? Odeio isso!

Ele levantou do chão e a ajudou a ficar em pé.

-Letícia, você tem de se cuidar! É sua vida!

-Estou tão cansada.

-Por que não deita agora?

Letícia deitou e ele saiu e encostou a porta, pensando que haveria muito o que fazer. Não poderiam deixá-la sozinha. Ela poderia se enraivecer se ele contasse aos pais, mas não havia como esconder.