No distante Reino de Monte Suaba, vivia um pequeno príncipe. Seu nome era Sadim. Todos gostavam dele e o admiravam. Sadim era muito feliz- além de ser um jovem monarca extremamente gentil e leal aos seus amigos, nobres ou plebeus. Seu pai, o Rei Oigres, costumava satisfazer quase todas as suas vontades. Afinal, Sadim o merecia plenamente. Era um filho amoroso com seus pais, e nunca os havia desrespeitado ou decepcionado.

Sadim, como qualquer criança, queria porque queria um cachorro, mas por ser bom filho não pressionava seus pais. Sua mãe, a Rainha Sedrul, andava preocupada com ele, pois percebera que o príncipe andava meio triste e choroso pelos cantos.

- Sadim, por que andas tão tristonho meu príncipe?
- É que eu gostaria de ter um cachorro, mãezinha.
- Mas Sadim, um cachorro exige muitos cuidados e, além disso, pode vir a sujar o palácio.
- Juro que vou tomar conta dele mãezinha – eu prometo, eu prometo.
- Está bem. Vou conversar com teu pai, o Rei Oigres, mas não garanto nada.
 
Os dias passavam e Sadim ficava sempre na esperança.
Seus amigos plebeus notaram sua tristeza e o convidaram para um passeio fora dos muros do palácio. A intenção deles era procurar por frutas madurinhas no pé e colhê-las - principalmente goiabas - que eram as preferidas do jovem monarca. Mesmo se não estivessem maduras, comia-as igualmente.


O amigo preferido de Sadim era Tuma. Ele era bastante inteligente e esforçado, ao contrário de seus numerosos irmãos.Tuma havia aprendido por conta própria vários idiomas falados em outros reinos e até os ensinava em uma escolinha perto de sua casa. Ele era plebeu, mas sua inteligência e força de vontade faziam inveja a muitos nobres da corte de Monte Suabah.
 
E lá se foram eles. Sadim não quis sair na carruagem real, pois isto poderia despertar a atenção da guarda do palácio. Além do mais, Sadim quase provocara um acidente numa das vezes em que saiu com Oigres e Sedrul. Seus pais foram visitar um casal de amigos que possuía imensas terras nas imediações: o Duque e a Duquesa de Jacuecanga.
 
Quando chegaram às cercanias da Biscaia, o Rei Oigres ordenou que o cocheiro parasse, pois queria pegar alguns pastéis na pastelaria de um de seus fiéis súditos, o confeiteiro Salis.


Sedrul quis ir junto, pois temia que o rei não soubesse escolher adequadamente os mais fresquinhos e saborosos que Salis preparava. Aliás, isto já tinha acontecido uma vez – o Rei havia trazido os pastéis errados, deixando a Rainha furiosa.

Sadim disse que ficaria esperando na carruagem real - bastou somente um minuto de distração do cocheiro que descera para procurar uma árvore no bosque para fazer pipi enquanto o casal real não chegava, para o príncipe assumir o comando da carruagem e dar ordem aos cavalos que partissem.

Ao perceber a cena, o Rei ficou desesperado e começou a gritar: "parem a carroça, eu ordeno que parem essa carroça".
O próprio Sadim, ao se dar conta da besteira que havia feito, puxou vigorosamente as rédeas fazendo com que os cavalos se detivessem imediatamente, assustados e esbaforidos.

Após este episódio, Sadim foi advertido seriamente pelo Rei e pela Rainha que tiveram que cancelar a visita ao Duque e à Duquesa de Jacuecanga, ficando de castigo por algumas semanas sem poder ler as publicações infantis que eram veiculadas pela Imprensa Real.

 
A turminha de Monte Suaba havia finalmente chegado ao bosque e começara a procurar pelas árvores frutíferas, mas por mais que se esforçassem não conseguiam encontrar nenhuma.

De repente, Sadim olhou para uma goiabeira que estava no quintal de uma velha casa que parecia abandonada. Ela estava repleta de suculentas goiabas.
- Vamos lá, Tuma – me ajuda a pegar algumas.
- Sadim, acho melhor não fazermos isso.
- Por quê?
- Porque a casa da bruxa Zezé fica por estas bandas e pode ser exatamente esta aqui.
 
Sadim sempre fora muito corajoso e quando colocava uma coisa na cabeça ele queria porque queria.

- Tá bom, então vou sozinho, disse.

Assim que Sadim subiu na goiabeira e já estava colocando as goiabas na camisa, eis que a porta da velha casa se abriu. De dentro dela saiu uma velha magra e de nariz torto, com uma enorme verruga na testa: era a bruxa Zezé.

Todos fugiram em desabalada carreira, mas Sadim não conseguiu pular a cerca e foi alcançado pela bruxa Zezé que, segurando-o fortemente pelos braços, disse: “Dim Salabim – que todas as coisas que tocares virem limo e craca, Sadim”.

 .
A partir daquela data, o feitiço da bruxa realmente funcionou.
Sadim não contou nada para a Rainha Sedrul, sua mãe, mas não adiantou muito: tudo que ele pagasse começava a mudar de cor para um verde amarronzado. O pior de tudo, é que o jovem príncipe não podia nem mesmo tocar em alguma parte do corpo de uma pessoa, pois lá vinham o limo e a craca que cresciam rapidamente. Todos no palácio real ficaram consternados.


O Rei e a Rainha convocaram imediatamente o Mago Real para resolver o problema, o que ele não conseguiu.
Entretanto, apresentou uma sugestão emergencial: mandar fabricar imediatamente luvas com asas de morcegos da Garatucaia, permitindo assim que Sadim pudesse tocar nos objetos sem contaminá-los. As asas daquela espécie de morcego eram extremamente delicadas, maleáveis e impermeáveis, melhores até mesmo que a própria seda.


E assim foi feito. As luvas foram confeccionadas pela chefe das fiandeiras do reino e Sadim passou a usá-las obrigatoriamente.

O rei ordenou imediatamente a captura da bruxa Zezé para obrigá-la a reverter o feitiço, mas não adiantava. Ela era uma feiticeira ágil e ao mínimo sinal de aproximação dos soldados do Rei, pegava sua vassoura e saia voando, rindo da cara de todos eles.

Os dias foram passando e o príncipe Sadim ia ficando cada vez mais triste pela sua situação. Por que ele havia desobedecido a ordem da Rainha de não sair do palácio real às escondidas? Por quê? Agora estava pagando um alto preço por isto.

A Rainha Sedrul, consternada por ver o filho naquela condição, teve uma ideia: falou com o Rei Oigres que eles deveriam viajar imediatamente para o Reino das Minas Gerais, mais exatamente para a Cidade das Formigas, onde morava o avô de Sadim. Ela lembrou que seu pai,tempos atrás, lhe havia oferecido um cachorro que acabara de nascer em seu castelo.

- Por que não pensei nisto antes? Por quê?

- Vamos logo Oigres – mande arrumar a carruagem real – se o cocheiro estiver cansado, nós vamos sozinhos. Eu a conduzirei pessoalmente, se preciso for.

- Mãezinha, eu também quero ir, disse Sadim

O Rei e a Rainha não tiveram coragem de negar o pedido do menino – fariam qualquer coisa para vê-lo feliz novamente.
 
E assim foi. O Rei Oigres resolveu ele mesmo conduzir a carruagem real, mas antes de terem chegado à metade do caminho teve que passar as rédeas para Sedrul, que durante todo o trajeto ficava falando sem parar: "vai pra direita Oigres; olha esses marrecos atravessado a estrada; cuidado que tem uma carruagem atrás da gente; não force demais os cavalos; ultrapasse essa charrete aí que tá indo muito devagar; você está correndo muito; você está muito lento", etc., etc. O rei já não aguentava mais aquela ladainha e cedeu-lhe o comando.

Finalmente chegaram à Cidade das Formigas, assim chamada porque, no passado, abrigara uma raça de formigas gigantes que atacavam os viajantes. Depois de uma longa batalha elas foram todas mortas pelos bravos mineiros.
Algumas foram atraídas para armadilhas feitas com feijão tropeiro, linguiças de porco, farofa com couve e queijinho curado. Deu trabalho, mas eles conseguiram.


O avô de Sadim, o Barão Oileh do Olival recebeu-os com carinho e deu ordem a alguns empregados que retirassem as malas da carruagem.

Sadim, mal havia beijado o avô, quis logo saber do seu cachorro. Foi apresentado a uma ninhada, filhos de Sheik e Aslav. O primeiro era um cachorro amigável, mas a cadela Aslav era muito invocada e não fazia amizades facilmente.

- Qual é o meu cachorro? – perguntou Sadim ávido e impaciente. É este aqui, disse Oileh passando-lhe o filhote: seu nome é Oarab.

Oarab era um lindo cachorro cinza com manchas marrons e de muita personalidade – tal como a mãe Aslav, era invocado e acabou rosnando para Sadim que com os olhos cheios de lágrimas disparou: “É por isso que querem dar ele pra gente!!!!”.
 
Mas isso foi apenas uma atitude momentânea de ambos.
Com o passar dos dias, Oarab foi se tornando o grande companheiro de Sadim que o levava orgulhosamente para passear pelos jardins do palácio real. Eram a corda e a caçamba e se amavam.


Em certa ocasião, Sadim veio silenciosamente por trás de Oarab para abraçá-lo e este, sem saber quem estava ali, virou-se repentinamente. Seu dente canino chocou-se contra um dos dentes incisivos do príncipe, partindo-o.

O dentista real, Dr. Yra, resolveu o problema com uma cola feita de lagartixas e minhocas inventada por ele. O pedaço quebrado incorporou-se ao dente sadio e reintegrou-se perfeitamente a este com o tempo.

Em outro momento, a Rainha avisou a Sadim que ele teria que ficar responsável pela alimentação de Oarab, pois esse havia sido o combinado. O príncipe, para não ter trabalho, pedia a um dos criados para buscar nos restaurantes do reino, um prato já pronto com a comida do dia e o servia furtivamente a Oarab para não ter que pegar a ração no empório real.

O cachorro era tão inteligente que conseguia comer toda a comida, deixando na tigela apenas a folha de alface, intocada, e também os caroços das azeitonas que conseguia debulhar com os dentes menores da frente.

Oarab não suportava mel. Nunca se soube o porquê disso. Talvez seus antepassados tenham sido picados por grandes abelhas negras que existiam na Zona da Mata Mineira e, por isto, tenham transmitido geneticamente a ele essa repulsa.

Oarab também era muito bravo. Certa vez rosnou e mostrou todos os dentes ao jardineiro real Andrade del Camión, encurralando-o contra o muro do palácio. Andrade ficou ali estático e desesperado gritando por socorro enquanto segurava uma touceira de grama.

Mas no fundo, no fundo mesmo, Oarab era apaixonado pela Rainha. Onde quer que Sedrul estivesse, lá estava Oarab. Bastava a Rainha dar um gritinho por ter avistado uma barata ou uma lagartixa no palácio real, e pronto: Oarab aparecia numa fração de segundo, pronto para defendê-la.

Certa feita, ela viajou com o Rei para conhecer terras distantes e deixou Sadim aos cuidados das governantas reais.
O príncipe fora avisado que deveria cuidar zelosamente de Oarab, e assim o fez.


Quando o casal real chegou da longa viagem, a Rainha entrou no palácio sem dizer nada e ficou quietinha. Oarab passou por ela velozmente e não a reconheceu num primeiro momento, mas ao descobrir de quem realmente se tratava, voltou atrás e ficou imediatamente de pé na frente dela, sendo amorosamente abraçado.

Oarab passou a correr por todo o palácio de tanta alegria e voltava para lamber o rosto da Rainha, soltando ganidos de satisfação - uhimmm, uhimmm, uhimmm. Toda a corte ficou abismada.
 
Mas o problema ainda persistia.. Sadim continuava tendo que usar as luvas feitas com as asas dos morcegos da Garatucaia. À medida que ia crescendo, novas luvas tinham que ser confeccionadas. E pior: aquela espécie de morcegos estava sendo dizimada por esta ação e em breve desapareceria se as coisas continuassem assim.

Sadim também se ressentia pelo fato de nunca ter podido acariciar Oarab sem as luvas, pois não queria que o cachorro sofresse qualquer mal. Limitava-se a beijar seu focinho e a cheirar o seu pelo, principalmente depois da chuva, quando oarab entrava molhado no palácio exalando um odor mais intenso.
 
O tempo passou e Sadim crescia. Já tinha permissão para ir além dos muros do palácio real. Um dia, pegou seu amado cachorro e levou-o para passear no bosque. Oarab adorava passear – bastava que alguém lhe dissesse: Oarab, vamos pass.... e pronto. Não precisava nem mesmo concluir a frase. Ele ficava indócil e desesperado enfiando espontaneamente sua cabeça na coleira. Tinha tanta força que saía arrastando seu condutor, fosse quem fosse.

E assim lá se foram Sadim e Oarab pelo bosque. Em certo momento, o príncipe percebeu que estavam por passar exatamente na frente do casebre da bruxa Zezé. Ela não era vista há muito tempo no Reino de Monte Suaba, mas mesmo assim ele não queria facilitar.

- Vamos voltar daqui Oarab, disse Sadim.

Mal havia acabado de pronunciar a frase, quando apareceu Zezé bem na frente dos dois. Oarab quis atacá-la, mas o príncipe o impediu.

- Então, gostou do que eu te fiz? Pelo teu atrevimento de roubar minhas goiabas terás que usar luvas feitas com asas de morcegos da Garatucaia por toda a vida, ah, ah, ah, ah.

De repente uma grande cobra pulou da árvore sobre a terrível bruxa. Ela tentou reagir com um feitiço, mas com o impacto do réptil sobre ela, sua vara mágica foi parar longe, fora do alcance de suas mãos.

- Socorro, socorro – ela está me sufocando. Eu vou morrer!!!! Ajudem-me!!!!!

A malvada Zezé estava realmente em apuros.

- Pega a cobra Oarab, ordenou o príncipe.

O valoroso e fiel cachorro saltou sobre a serpente, cravando nela seus poderosos caninos. A cobra tentou picá-lo, mas Oarab era mais esperto – ficava sambando na frente dela pulando de um lado para o outro. Por fim, numa distração da peçonhenta, Oarab abocanhou-a exatamente pela cabeça sacudindo-a vigorosamente, matando-a.

Sadim, como um verdadeiro príncipe ajudou a bruxa a levantar-se.

- Você está bem? – perguntou Sadim.

- Sim, sim – com mil demônios,estou bem, mas não esperes nenhuma retribuição por isto, disse a bruxa.

- Não fiz por interesse Zezé – fiz somente para ajudá-la. Afinal todos neste mundo merecem compaixão, até mesmo você.
 
Sadim e Oarab deram meia-volta em direção ao palácio deixando Zezé ali mesmo.
Estavam quase chegando quando viram uma vassoura voadora vindo pelo céu, bem atrás deles.


- Espere aí seu fedelho!!!! Quero falar contigo.

Era Zezé – ela olhou demoradamente o príncipe nos olhos e disse: “para quebrar o feitiço que te coloquei, tens que colher umas pimentas que nascem à beira do rio Caputera, colhidas numa sexta-feira de lua cheia”. Depois disso, quando a pimenta estiver pronta, tens que dizer antes de comê-la: “Dim Salabim, asas de morcego, dentes de dragão, espinhos de ouriço – tirem de minhas mãos este malvado feitiço”.
Você terá que comer dessa pimenta até o vidro acabar. Quando isto acontecer, poderás tocar em todas as coisas que quiseres, pois estarás livre da maldição.


Mas nunca mais venhas roubar minhas goiabas hein???
Dizendo isto levantou voo em sua vassoura e desapareceu ao longe, ziguezagueando por entre as árvores do bosque.
 
E assim foi feito. Sadim foi pessoalmente às margens do rio Caputera colher as pimentas que foram imediatamente preparadas pela Rainha Sedrul. O Rei Oigres estava impaciente para ver se tudo daria certo e não conseguia esconder sua ansiedade.

Após terminar de consumir diariamente às refeições todo o vidro de pimenta, eis que a profecia da bruxa se cumpriu: Sadim estava livre da maldição. A primeira coisa que fez foi acariciar demoradamente Oarab e beijá-lo com alegria. Afinal, ele havia sido o responsável pelo arrependimento de Zezé, salvando-a de morte certa pela terrível serpente.
 
Todo o Reino de Monte Suaba delirou de felicidade. O Rei Oigres mandou preparar uma grande festa que durou a semana inteira. Os amigos plebeus de Sadim vieram todos: Tuma, Odracir Quiro, Caochi, Cremesa, Quedrasa, Lucin, Siul Odnanref, Axurb, Xadudu, Tianocris, Cadei, Maelabi, Saiasi e tantos outros.

Esta história teria terminado perfeitamente e com bastante alegria, não fosse o fato que o valente Oarab, já em idade avançada para um cão, doente e cheio de dores, tenha tido que ter sacrificado em uma veterinária do Reino de Cajuti, para poupá-lo do imenso sofrimento.

E por ironia do destino, coube exatamente àquela a quem ele mais amava, a difícil e árdua missão de levá-lo ao derradeiro descanso, ficando ao seu lado até que desse o último suspiro.

 
 
                                         F  I  M
 
 
 
 
 
  
 
Sergio Righy
Enviado por Sergio Righy em 03/10/2017
Reeditado em 22/04/2020
Código do texto: T6131572
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