A ILHA DOS PAPAGAIOS

“A ILHA DOS PAPAGAIOS”

(Ale Silva)

A pobre Tia Maria não parava de chorar,

Desde que seu papagaio desalmado,

Deu pinote e tratou de se mandar.

Três noites e três dias e ninguém dava notícias

Do papagaio da Titia.

Toda a rua do bairro estava numa tristeza danada.

Mas naquela tarde, uma esperança ali brotava.

Todo alegre, assobiando uma linda canção,

O valente Zé Vento se preparava

Para outra importante missão.

Vamos, vamos viajar.

Vamos, vamos, vamos lá

Vamos, vamos viajar...

Vamos lá, lá, lá, lá, lá!

Junta tudo na bagagem

Pra poder seguir viagem

Leve tudo o que puder

Vamos, vamos dar no pé!

Levo a meia e o calção

Um guarda-chuva e o violão

Os sapatos e um boné

Vamos, vamos dar no pé!

E no meio daquela euforia, nos preparativos finais,

Apareceu na calçada, no meio da criançada,

O menino Dudu, com seu bonezinho para trás,

Na pontinha do pé, todo esticado, chamando pelo Zé.

– Zé! Ei, Zé Vento, pra que tanta bagagem?

– Ora, menino, vou fazer uma linda viagem!

– Pra onde você vai com tanta coisa, Zé Vento?

– Vou pra onde mora o pensamento!

Além das montanhas, pra lá do firmamento.

Onde tudo é uma aventura

A poesia é música pura

E tem canção a todo o momento!

É pra lá que eu vou, pra onde mora o pensamento!

– E fica muito longe? É muito difícil chegar lá?

- Não! Fica longe e fica perto

Mas o caminho é muito certo

Não tem como você errar!

Fica aqui, fica ali, fica acolá.

É só fechar os olhos e começar a imaginar.

– Puxa vida! Assim eu também quero viajar!

- Pois então o que está esperando?

Que se passe mais de um ano?

Aperte o passo e vamos andando!

Que o tempo está correndo

E o trem já está passando!

E, mais rápido que o vento,

Puxando o menino pela mão,

Descendo a ladeira, feito brincadeira,

A mala na cabeça e aventura no coração

Sumiram os dois, rumo à estação.

E depois de muitas pernadas

Sem avistar o fim da estrada,

O menino, já cansado, ia ficando pra trás.

– Mais devagar, Zé! Assim não consigo chegar

Nem na metade do pensamento.

- Anda menino! Corre, vem!

O trem já vai passar

E ele não espera ninguém.

– Eu preciso descansar!...

– Ora, ora! Só um pouquinho, está bem?

– Certo.

Mala no chão, pausa pra respirar.

Mas foi só um respiro, deu nem pra relaxar.

E no meio de um suspiro já voltaram a caminhar.

– Pronto! Descansados! Vamos seguir.

O tempo está passando e o trem já vai partir.

– Ei, Zé! Espere um pouco! Mais devagar!

- Anda menino, vem!

Não podemos mais esperar.

Se a gente espera, perde o trem.

E não podemos viajar.

Está ouvindo? Um som que vem de lá?

Ele começa assim distante,

Vem surgindo detrás dos montes

E vem vindo para cá!

O menino esticou as orelhas, até sua respiração parou.

Com olhos esbugalhados, coração disparado e todo animadinho.

Mas não ouviu nada, nada viu. E depois de três segundinhos

Um tanto chateado, para seu amigo exclamou:

– Ah, Zé! Desculpa mas não estou ouvindo nada não!

- Feche os olhos, menino! É o trem do pensamento

Que neste exato momento chega em forma de canção!

Chique-chique, choque-choque

Chique-chique, choque-choque

piuí-piuí, piuí-piuí

Chique-chique, choque-choque

Chique-chique, choque-choque

piuí-piuí, piuí-piuí

E sacolejando no compasso da canção,

Os amigos viajantes deslizavam na imensidão.

A bordo da dona Maria-Fumaça, que mais parecia

Uma cobra gigante serpenteando pra lá e pra cá

Com seu chique-chique, choque-choque noite e dia.

- Atenção, menino! Preparar para pular! Um, dois, três e já!

E parados na beira da ferrovia,

O chique-chique, choque-choque

Nem baixinho mais se ouvia.

Só a fumaça, da dona Maria, lá de longe,

Muito longe, ainda subia.

– Por que a gente não pode seguir com o trem?

– A nossa carona, era só até aqui.

A gente vai para outro lugar.

– E aquele trem? Vai pra onde, hem?

– Ninguém, nunca vai adivinhar...

– Ah, Zé! Que isso! Fala sério!

– Eu também não faço ideia!

Pra onde ele vai é um mistério, é um segredo.

Um segredo como esses que a gente tem na vida.

– E agora? Nós vamos ficar por aqui?

– Claro que não! Pegue sua mala e vamos partir!

Vamos deixar de delongas, pois a jornada é muito longa

E a querida Tia Maria, a essas alturas, deve estar achando

Que com o seu “currupaco” já estamos voltando.

– Sendo assim, o que estamos esperando?

“Promessa é dívida”, minha avó já dizia.

Vamos logo voltar com o “currupaco” da Titia.

– Vamos com certeza, nada de moleza.

Que podemos estar de volta antes de findar o dia.

Mas onde será que ele está? Pra cá ou pra lá?

– Não que eu esteja cansado,

Mas pra continuar a pé, Zé, nem pensar!

- Não se preocupe! Já estamos quase lá!

Mas é bom se apressar. Corre, vem!

Que está na hora de navegar.

- Como? Se por aqui não tem mar?

- Feche os olhos, menino, pense.

Que o seu pensamento, pode tudo transformar.

Dudu então fechou os olhos. Respirou fundo.

Esperou um segundo e quando abriu novamente...

Parecia até brincadeira, mas tudo estava igual.

Só o seu amigo Zé Vento, que saiu ventando feito um foguete,

Gritando para o menino, com a maior cara de pau:

- Quem chegar por último é “mulher do padre”!

O menino também tratou de dar no pé.

Atrás de seu amigo ia pensando:

E desde quando padre tem mulher?

E do alto do morro, onde Zé já o esperava,

Dudu avistou o mar, que na areia se quebrava.

Ficou encantado com aquele azul infinito

Que lá bem longe, muito longe, encontrava o céu.

Deu um sorriso e pensou alto: só Deus mesmo

Pra fazer algo assim tão bonito...

- Tudo pronto, marujo?

- Sim, capitão!

– Então vamos zarpar!

Na areia havia uma canoa. Uma canoa virada.

E com ela no mar, continuaram a jornada.

Mas antes de pensar em perguntar para o capitão

Quem virou a canoa, como dizia a canção,

Deu um pulo, assustado, quase virando a embarcação.

– Veja capitão! Lá na frente! Um peixe bem grandão!

Deve ser um golfinho. Não! Acho que é um tubarão!

– Bem se vê que você é marinheiro de primeira viagem

E nunca viu uma sereia.

– Jura? Uma sereia de Verdade?

– Claro! Com cauda de peixe e tudo!

– Que tal pararmos pra pedir informação?

– Boa ideia, marujo! Quem sabe ela não viu passar por aqui

Aquele papagaio fujão. Preparar para ancorar!

Boa tarde, linda sereia.

– Como vai, Rainha do Mar?

E sentada numa pedra, toda sorridente,

A Sereia então responde, toda faceira,

Com uma escova e um espelhinho reluzente

Penteando sua longa cabeleira.

– Vou muito bem, marujo, obrigada por perguntar.

– Sereia, linda Sereia, deixe eu me apresentar:

Sou o capitão dessa humilde embarcação!

– Em que posso ajudá-lo, destemido capitão?

– Estamos procurando por um papagaio fugitivo.

– Um papagaio?

– Sim. E poderia dizer pra gente,

Se por acaso a senhorita não teria visto

Passar por estes lados, essa ave desobediente.

– Um papagaio? Só um? Não, não vi. Vi mais de mil passarem por aqui.

Os dois ficaram de queixo caído, tamanha a admiração.

Os olhos arregalados, quase pulando fora dos rostos.

A cabeça dando um nó, um alvoroço como nunca se viu.

E juntos perguntam, com grande assombração: Mais de mil?

– É. Todos voando naquela direção!

Faça chuva ou faça sol, em qualquer estação.

É pra lá que eles vão, a todo o momento,

Voando mais velozes que o próprio pensamento.

Os destemidos viajantes ficam então a olhar

Para lá, além de onde a vista consegue alcançar.

E quando encontram, fica difícil até acreditar.

Uma pequenina ilha perdida no infinito do mar

Toda feita de verde vivo. Verde por toda parte.

Verde que vive revirando, todo o tempo.

Em reviravoltas que a ilha vai dando,

Como se estivesse girando. Verdes cambalhotas.

Uma verde ilhota em constante movimento.

Tentando explicar aos dois amigos

Aquilo que parecia uma grande confusão,

A Sereia trata logo de recitar sua lição:

– Esse verde por toda parte, se mexendo o tempo todo,

Por ali é a coisa mais natural.

Marujos, o que vocês vendo, afinal,

É um constante bater de asas.

Pois aquela é a Ilha dos Papagaios.

Eles estão por toda parte. Voando e revoando.

A todo o momento trocando de lugar.

Ah, e é claro, tagarelando sem parar.

– Então o papagaio da Tia Maria também deve estar lá.

Muito obrigado, Sereia! Por nos ajudar nessa missão.

– Não há de que! Foi um prazer, corajoso capitão.

– Até logo, Sereia!

– Até logo, marujos. Boa sorte e boa viagem!

E deslizando pela pedra, a Sereia mergulhou no oceano.

Mas os marujos ainda sentiam o perfume de alga

Daquela doce criatura. E seguiram então remando

Pelas águas cristalinas, cercados por golfinhos e baleias.

Bem baixinho, ainda se ouvia o canto da Sereia.

Ao chegarem na ilhota perdida, com verde por todo lado,

Zé Vento e Dudu ficaram maravilhados. Além do mais,

Perceberam que tinham um enorme problema:

Como encontrar o bendito papagaio no meio de tanta pena?

Sem falar que eram, praticamente, todos iguais.

- E agora, Zé? O que vamos fazer? Por onde começar?

- Isso eu ainda não sei. Mas precisamos encontrar

O papagaio da tia Maria antes do fim do dia.

– Mas essa ilha deve ser muito grande, capitão.

– Tem razão. Deve ter milhares de papagaios por aqui.

Vamos em frente, marujo, não podemos desistir!

Deram a volta na ilha, chamando pelo “currupaco”,

Mas para tristeza dos dois, nada encontraram.

Sentaram na areia, encostados no barco,

Olhando aquele mar de pássaros voando

Felizes e como sempre tagarelando.

Zé Vento então pensou que estavam fazendo tudo errado.

Com os braços abertos, num pulo levantou

E ficou bem ali, parado. O menino não entendeu nada.

Mas para sua surpresa, logo uma ave pousou

No ombro do Zé, como um desenho de pirata.

– Currupaco! Oi, Zé Vento!

– Ahá! Até que enfim, papagaio fujão!

Estamos te procurando faz um tempão.

– Posso ajudá-lo, velho amigo?

– Claro, papagaio! É só vir comigo!

– Mas ir para onde se eu acabei de chegar?

– Como “pra onde”? Voltar para casa da Tia Maria,

Pois é lá o seu lugar!

– Sinto muito mas não vou a lugar nenhum!

Curupaco! Vai me desculpar!

– Mas a coitada da Titia,

Está muito preocupada com você!

E vive se lamuriando, dia e noite, noite e dia!

Por isso que a gente veio te procurar.

– Diga a ela que eu estou bem, “currupaco”,

Não precisa se preocupar.

– Nunca vi tanta teimosia! Anda, papagaio,

Volte para a casa da Tia Maria!

Será que você não tem pena?

– Desculpa, Zé Vento, mas na verdade aqui é o meu lugar!

Curupaco! Eu gosto muito da Titia, oras,

Mas aqui é onde vivem meus irmãos papagaios

E minhas primas araras.

Lá na cidade eu vivia numa tristeza de dar dó.

– Eu entendo. E acho até que você tem razão!

Eu também não gostaria de viver preso,

Num lugar onde não é minha casa.

– Então! Currupaco! Foi por isso que eu bati as asas.

Obrigado por entender e se preocupar comigo,

Mas agora tenho que ir. Vou voar um pouco com meus amigos.

Adeus, Zé Vento! Adeus menino. Dê lembranças à Titia!

E diga que qualquer dia vou fazer uma visita.

Enquanto acenavam, dando adeus ao papagaio

O menino pensou: nunca vi ave mais esquisita!

– Vamos preparar nossas coisas, menino. Vamos navegar!

– Mas e o papagaio?

– Acho que a Titia vai ter que se conformar,

Afinal, aqui é seu verdadeiro lar.

– Quer dizer então, que foi uma viagem perdida?

– Claro que não! E tudo o que aprendemos nessa aventura?

Além do mais, ganhamos outra estória pra cantar e contar.

Atenção, marujo!

– Às suas ordens, capitão!

– Levantar âncora! Vamos zarpar!

E pelas águas claras daquele mar

Voltaram os dois amigos, Dudu e Zé Vento,

Num barco todo feito de pensamento

Navegando em ondas de felicidade.

E assim o menino descobriu, para toda sua vida,

O verdadeiro valor de uma sincera amizade.

*TODOS DIREITOS RESERVADOS.

Ale Silva
Enviado por Ale Silva em 02/05/2017
Código do texto: T5987639
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