Anclao en Belo Horizonte*

Sem jamais ter tocado num volante, papai nos guiava nas travessias das ruas buliçosas de Beagá do finzim dos anos 50, em que nossas vindas à capital estavam quase que invariavelmente associadas a alguma consulta médica ou tratamento de saúde.

Atravessar uma rua movimentada era só se atracar na sua mão e até São Cristóvão aplaudia. Mas também mais cortesia havia. Até na hora de se pegar o papa-fila e ir atrás da santa janta.

Os pernoites eram assegurados pela acolhida generosa da parentela de mamãe. Qualquer ameaçazinha de se ir procurar uma pensão depois da janta, era vista como afronta à hospitalidade. E uma oportunidade para se economizar a grana que já era curta. E a casa de tio Alfie e tia Iaiá, no São Geraldo, era a mais visada. Até para a garotada assanhada. Pais de uma única filha, sobrava-lhes mais espaço pra espalhar colchões pelo piso.

Mas a vontade da gente era que aquelas conversas, entremeadas de uma cheirada e outra de rapé, se esticassem noite afora, mesmo com uma tv de imagem bruxuleante, tentando concorrer com a papeação. Pelo menos até que Neném surgisse não sei de onde, de desse os sbeijinhos de boa-noite paizinho e boa-noite mãezinha. Era o sinal.

Mas sonhar nunca fez mal...

* Não é plágio o título baseado num tango Anclao en París, que foi só uma inspiração...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 20/03/2017
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