O ENCANADOR ENCANTADOR DOS FLUXOS

O meu título é genuíno: Foi assim que o senti.

Dia desses precisei do serviço dum encanador e ergui as mãos aos céus por já possuir a referência dum bom profissional, afinal, são dias bem difíceis para bons serviços.

Então, enquanto observava seu trabalho -ao que tomei o cuidado de ficar bem de longe para não dar palpites infelizes- me reportei a uma crônica da minha infância, a “PORCA MISÉRIA, TIRA ESSA MENINA DAQUI!”- quando meu nono Miguel, um baita dum encanador italiano lá da Moóca, gritava ao meu pai e tentava me distrair no seu barracão de ferramentas para que eu o deixasse fazer o seu trabalho...em paz.

Certa vez, no almoço do Domingo, enquanto a nona preparava a pasta “FARFALE” com molho a bolonhesa, a minha preferida, ele , para acalmar minha curiosidade de tudo, me presenteou lá no barracão de ferramentas com um ferro infantil de passar roupas, DAQUELES DE BRINQUEDO MAS QUE ESQUENTAVA DE VERDADE, ah que maravilha, ali eu iniciava meu também difícil OFÍCIO de “dona de casa”, todavia, sem nunca deixar de perguntar como aquilo (e tudo o mais da vida!) funcionava para esquentar ou esfriar, como um ferro de gente grande.

Mas meu encanador do presente, bem diferentemente do meu nono, é um cara de boa prosa.

Ao indagá-lo por que tive que esperar tanto para sua visita meio urgente ele assim me respondeu, literalmente em profícuo discurso:

”ô dona do céu, cruz credo, a dona não sabe?-to cansado por demais, ando trabalhando que nem um toro para torear essa vida, sô!”. A senhora veja, os hôme fala que não tem infração. Craro, ô dona, “pra eles não tem mermo!”, quem ganha muito num sabe o que é infração, ara! E quem rouba também num sabe. A senhora já foi na quitanda, no mercado, na fera, na farmácia, na padaria? Viu o quantu pagamos pra eles? Viu na conta da luz? Viu no botijão do gás? Viu na água?Viu na banana? Eles são nosso sócios, dona! A gente divide a merreca da gente, e do trabalho, com eles! É imposto de tudo jeito: é isso, é aquilo! É um monte de "s", é ISS, ICMS , é INSS, é Confins, é os fins do mundo, é o cabra da peste-é a PQP mermo, ô dona, me descurpe pelo jeito!Sou artomono há trinta e sete anos, trabaio em duas firma e não consigo me aposentá, sempre farta alguma das coisa que eles inventa!Tá vendo esse canos aqui, ô dona? Nóis é que entramos nele todos dia...Não vou pagá mais é nada! Vou é desisti de sustentá tanto malandro! Faz é tempo que num voto em ninguém! É tudo venha a nós...e nada ao nosso reino...ô muié de Deus!.”

O meu leitor deve achar que inventei o monólogo dele, certo?

Errado!

Digo que não adicionei nem um tiquinho de consciência, nem de indignação, nem de verdade, nem de "saco cheio"...nem uma palavra, nem um pensamento.

Só uma grata surpresa me fez transcrevê-lo, depois de orientá-lo a continuar pagando sua previdência.

Fiquei é impressionada com tanta sabedoria cidadã, então, anotei cada expressão da opinião dele para aqui transcrevê-las em texto do dia-a dia.

Lembrei do meu “ferrinho de gente grande”, DE COMO É DIFÍCIL PASSAR ROUPAS, principalmente os COLARINHOS BRANCOS, coisa que nunca aprendi a fazer, e assim concluí :“como é bom ser criança e não precisar entender de nada".

Tampouco saber por que e nem como se passa a esquentar ou a resfriar...a vida.

No fim, a perceber que continuo a mesma, ainda fiz uma perguntinha lá da infância: "como será que se conserta essa torneira bamba?

E ele me ensinou com calma e sapiência : “Ah, isso é só uma ruela espanada...basta essa ferramenta aqui ó, uma CHAVE DE CANHÃO”.

Com ele, na sequência e sem mais nada lhe arguir, aprendi também que nenhum fluxo está totalmente perdido, basta trocar as peças PODRES e viciadas e sempre nos será possível desobstruir todos os encanamentos entupidos por tanta sujeira crônica invisível.

Encantada...oxente!

Afinal, a gente sempre tem algo a aprender, mesmo sem perguntar.