Namoro por Correspondência

“Loura olhos azuis, 1,65m de altura, 58 quilos, viúva com os filhos já casados, procura alma gêmea para compartilhar a vida. É muito romântica, carinhosa, simpática e perita em arte culinária. Gosta de jardinagem, viajar e adora cuidar da casa.”

“Moreno, olhos verdes, divorciado, tipo atlético, 1,80m de altura, 73 quilos, 60 anos, bem-sucedido profissionalmente, bastante viril, procura mulher de até 55 anos para namoro. É romântico, honesto e gosta de viajar, da natureza e de cinema.”

Entrosaram-se por correspondência. Ele sulista, ela do centro-oeste. Não se conheciam, mas a descrição perfeita de ambos ajudou a delinear a figura de um e do outro.

O tempo passou veloz. Já conhecia o carteiro, ansiosa que era de esperar as noticias dele. A ideia de um encontro foi se delineando. Por que não?

A época era de fim de ano. Escreveu carta coragem, dessas, você sabe, com perfume especial anunciador de mudanças radicais. Carta de compromisso assumido. Sem volta. Pura declaração que os seus dias de futuro a ele pertenciam.

Ao recebê-la, ele se interrogava procurando saber a verdade. Coisas de homem custando a perceber o universo feminino. Segundo as suas vivências aquilo era sinal de alerta contra perigo iminente: o encontro pessoal com fins matrimoniais. Sua mente trabalhava em vermelho, assinalando desvios para evitar a derrocada do romance.

A data ela já marcara. Eles se encontrariam, inaugurando as relações interpessoais. Foi nessa linguagem que ela se definiu.

Angustiado, olhou-se no espelho. Baixinho e obeso, a cintura desaparecera fazia tempo. Óculos fundo de garrafa e os cabelos raleando com alguns fios ajeitados artificialmente. Nunca como enfrentá-la? Assim a lhe mostrar o lado grotesco de tamanha desilusão? Sua descrição inicial era apenas para enfeitar o romance por correspondência e não pessoalmente.

O lugar marcado era público. Ela iria de vestido vermelho e os cabelos conforme descritos estariam longos e soltos. Ficou imaginando aquela figura estonteante de uma loura espetacular.

Foi. Aproximou-se devagar e parou à distância. Ninguém semelhante estava por ali. Esperou por muito tempo. Quem sabe chegou atrasado? Resolveu indagar àquela senhora que estava sentada saboreando um sorvete e, por coincidência, vestia vermelho, também. ”Não vira por ali uma mulher jovem e formosa com um vestido da mesma cor?” Parou no meio da frase: ficaram mudos, se olhando. Ele viu um rosto enrugado, cabelos raleados, um olhar ainda bonito, mas tão magrinha coitada! Não trocaram palavras. Sabiam de suas misérias. Sentou-se e pediu um sorvete também. E ficaram ali juntos, sempre de mãos dadas, vivendo o lado romântico do destino.

Pertenciam um ao outro!

Heloísa Mamede
Enviado por Heloísa Mamede em 17/05/2017
Código do texto: T6001351
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