Suicídio

Chegou em casa mais uma vez estressado.

Acordara de manhã cedo para fazer um trabalho do qual não gostava, para comprar roupas que sequer usaria para atrair pessoas que nunca quis por perto. Não sabia como a vida chegara a isso, mas abriu a porta como se destrancasse os portais de saída do inferno. Mais um minuto lá fora e não responderia por si mesmo. Não suportava olhar para as pessoas, não aguentava o contato humano e não tinha mais interesse em saber de quem fez tal coisa ou qual o novo jogador do momento.

O apartamento cheirava mal. Como não comia há quase quatro dias, carnes, legumes, frutas e outros alimentos apodreciam livremente na geladeira branca. Por ser um quarto e sala, o fedor saído da cozinha dominava por completo o imóvel. Na sala, separada do refeitório por um balcão de madeira vermelha,o sofá jazia rasgado em frente a uma TV que não ligaria nem no dia do juízo final. Livros - empilhados, não arrumados - tomavam conta da única estante. Entrou no quarto e abriu o armário dominado há anos por pragas e mofo. Afastou uma pilha de camisas amassadas e pegou o revólver herdado do pai.

Voltou à sala/cozinha e pôs a arma em cima do balcão. Admirou a conservação do material bélico - uma Colt 1915, modelo criado para a Grande Guerra. Fez uma lista mental dos motivos para executar a si mesmo. Achou quarenta e dois. Mesmo assim, resolver dar uma chance à vida e ligou para o disque-suicídio, algo que ele mesmo havia considerado como a última cartada dos perdedores. Do telefone fixo, discou 1-4-4 e esperou. Cerca de cinco minutos depois, foi atendido.

- Prevenção de suicídios, a vida vale a pena, boa noite. Eu sou o Washington e estou aqui para ajudá-lo. Com quem eu falo?

Respirou fundo e escolheu as palavras. Esta era a terceira ligação feita para a linha de auto-ajuda.

- Meu nome é Pablo, e estou com tendências suicidas. Inclusive, estou com uma arma na minha frente neste momento.

- Senhor, peço que se acalma e tente me explicar o por quê dessa decisão.

- Ora, por quê! Minha vida é uma merda, meu trabalho é um lixo e eu não tenho ninguém, pois afastei todos aqueles que me amavam por causa do meu jeito.

- Mas senhor, certamente há pessoas que o amam e se sentiriam arrasadas caso você decida fazer isto.

- Minha esposa me deixou há catorze anos.

- O senhor não tem filhos?

- Tenho, e eles vêem o pai como um fracassado, um peso morto nesta terra já tão castigada. Minha caçula, na festa de quinze anos, mandou barrarem minha entrada no evento. Disse que o progenitor já havia morrido há muito.

Silêncio do outro lado da linha. Podia ouvir as engrenagens trabalhando na cabeça do atendente.

- E amigos? Tenho certeza que o senhor adora tomar um chope com seus compadres.

- Não há uma pessoa em que eu confie neste mundo. Mesmo se houvesse, duvido muito da capacidade deles em driblar meu temperamento e insistir por minha convivência.

Mais um intervalo.

- E de esportes, o senhor gosta?

- Futebol é a única coisa que me manteve vivo até hoje.

- Então, senhor - disse o atendente como quem acha um trunfo num manguezal de desilusões - Pensa bem: caso você resolva tirar a própria vida, nunca mais poderá ver o seu time do coração campeão novamente.

Mal o atendente terminou a frase, Pablo soltou:

- Eu sou botafoguense.

Mais um silêncio. Desta vez, mais longo e tenso. Finalmente o atendente voltou à linha:

- Senhor, a melhor forma é com um tiro na têmpora.