O Corte Centesimal

Se você não é inclinado em costuras, mesmo assim, não desista. Há cerca de 60 anos convivendo com ele, tudo o que aprendi foi testemunhar a fé inabalável de mamãe nessa magia indescritível.

E tá lá em casa, em Pitangui, tudo, tudinho na mais perfeita ordem, dentro daquele mimoso estojinho de madeira envernizada, amarronzada, que fazem da costura mais que uma bela aventura.

Sem um arranhadinho sequer, ou marcas de descuido com a umidadade ou com as traças, o estojinho se abre para contar sua história. E vai exibindo os petrechos de seu ofício: o livro dos moldes, muito bem desenhados o traçados, com algum colorido até, o esquadro e outros seus comparsas semicirculares, feito lombriguinhas de tabuinhas finas, a régua branca, de três lados, e os pontinhos em preto, bem colocados, e a fita métrica que, acredito, seja a única que se misturaria indistinguível com outras ferramentas de costura que não fazem parte do conjuntinho original.

Mamãe, não sei com que tempo - pois se dividia entre a nossa criação, os teares da fábrica, o fogão e a arrumação da casa - fazia questão de toda a nossa confecção. Tirante, é claro, a irrepreensível cooperação de papai, que era também bamba nas costuras de calças e calções. E os vestidinhos e camisas, de demanda contínua, ficavam por conta da Rainha do Lar. E formiguinha pra trabalhar...

Deve ter sido pelos albores ou meados dos anos cinquenta que ela fez o curso do método centesimal. E não sei como arranjou tempo, ou cabeça para tal aprendizado. Devia trazer no sangue, já que sua progenitora, costureira de truz, da Abadia, também fora um dia.

E era exigente, e até por demais condescentente, Dona Zezé, para a pouca ou nenhuma paciência que tínhamos para provar os frutos de sua produção.

Se eu lhe perguntar o que é uma camisa húngara, você, leitor/a fará idéia do que estou falando? Sem muito se ligar ao futebol, mamãe fazia a gente sentir-se um Puskas dentro daquela armação...E nunca voltei a ver uma camisa em estilo igual...

E a Singer, de pedal, estava sempre pronta para o revezamento Zezé-Luiz naquela faina feliz que vestiu tanto petiz.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 19/01/2017
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