​​Meu pai sempre foi uma pessoa comedida, falava baixo e não se exaltava, dificilmente expressava sua opinião de forma gratuita, mas quando o fazia era sincero e extremamente educado. 
Um ser humano incrível com senso de humor apurado, e que se reinventou após um terrível acidente que quase custou sua vida e da esposa. 
 
Apesar de todos os problemas de saúde detestava falar de doenças, nunca se queixava e encarava os diagnósticos mais complicados como desafios. 
Foi assim que contrariando os prognósticos venceu o primeiro round contra o  linfoma anos atrás, colocou marca passo, conviveu com apneia e tantas outras complicações.
Nem sei quantas quimioterapias ele fez, foram várias e cada hora ele inventava um suco, vitamina, alimento especial que segundo as teorias de um site de buscas teriam propriedades especiais.
Levava lanches para o hospital, bolos para os enfermeiros, sabia o nome de quase todos que o acompanhavam na luta e sempre estava otimista e bem humorado. 
 
 Ele acreditava  na cura pela alimentação, gostávamos de testar receitas e falar sobre o livro Autocuraterapia de  Tomio Kikuchi  que comprei quando tinha só dezoito anos e sempre me acompanhou. 
 Apesar de vivermos em cidades diferentes, meus pais se separaram quando eu tinha sete anos, temos muito em comum:  a mesma risada fácil por coisas bobas e que mais ninguém  acha graça, a forma de encarar a dor e a doença, o jeito reservado e silencioso. Amamos música clássica, torcemos pelo Botafogo, gostamos de bichos, plantas, de contar e de ouvir histórias.
Gostamos de okaki, missô, nirá, moti, de comprar frutas e legumes no CEASA e Cadeg só pra sentir o cheirinho dos alimentos frescos e trocar dois dedos de prosa com os comerciantes. 
 
Em Agosto nos reencontramos pessoalmente, ele já estava bem abatido, o linfoma havia voltado e desta vez ele estava cansado demais. 
Meu pai não acompanhou minha infância nem adolescência, mas foi a presença forte e encorajadora que me inspirou a lutar e buscar qualidade de vida quando descobri as autoimunes. Há quinze dias me ligou e disse que achava que estava na hora dele, que já tinha vivido muito e que já estava no lucro porque ninguém da família havia passado dos setenta.

Sexta feira quando recebi a ligação de Brasília meu coração apertou, no fundo eu sabia que havia chegado a hora mas é tão difícil dizer adeus que estava guardando aquela pontinha de esperança.
Apesar da dor ser muito grande busquei força na fé. Acho que meu velho pai teria preferido outra data mais discreta, antevéspera de Natal é tão marcante, mas tenho certeza que nossos antepassados estão com ele em algum lugar calmo e tranquilo onde não existe nada além de paz, amor e fraternidade. 
 



Para meu leitor número 1, Sato san fã de todos os meus versos e poesias. Que me ensinou a amar a vida intensamente e da melhor forma possível.
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 28/12/2016
Reeditado em 30/12/2016
Código do texto: T5865600
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