As mulheres ocas

Rio de Janeiro , 1962

Headpiece filled with siraw

T.S. Eliot, "The Hollow Men"

Nós somos as inorgânicas

Frias estátuas de talco

Com hálito de champagne

E pernas de salto alto

Nossa pele fluorescente

É doce e refrigerada

E em nossa conversa ausente

Tudo não quer dizer nada.

Nós somos as longilíneas

Lentas madonas de boate

Iluminamos as pistas

Com nossos rostos de opala.

Vamos em câmara lenta

Sem sorrir demasiado

E olhamos como sem ver

Com nossos olhos cromados.

Nós somos as sonolentas

Monjas do tédio inconsútil

Em nosso escuro convento

A ordem manda ser fútil

Fomos alunas bilíngües

De "Sacre-Coeur" e "Sion"

Mas adorar, só adoramos

A imagem do deus Mamon.

Nós somos as grã-funestas

Filhas do Ouro com a Miséria

O gênio nos enfastia

E a estupidez nos diverte.

Amamos a vida fria

E tudo o que nos espelha

Na asséptica companhia

Dos nossos machos-de-abelha.

Nós somos as bailarinas

Pressagas do cataclismo

Dançando a dança da moda

Na corda bamba do abismo.

Mas nada nos incomoda

De vez que há sempre quem paga

O luxo de entrar na roda

Em Arpels ou Balenciaga.

Nós somos as grã-funestas

As onézimas letais*

Dormimos a nossa sesta

Em ataúdes de cristal

E só tiramos do rosto

Nossa máscara de cal

Para o drinque do sol posto

Com o cronista social.

* Uma das categorias da Nova Gnomônia, de Jayme Ovalle, que classifica os seres e as coisas em: datas, parás, mozarlescos, kernianos e os onézimos, sendo estes conhecidos "pés-frios". Para maiores esclarecimentos, ver o capítulo [a crônica] "A Nova Gnomônia" em Crônicas da província do Brasil, de Manuel Bandeira.

Vinicius De Moraes
Enviado por Ademar Siqueira em 26/12/2016
Código do texto: T5863809
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.