Tempo

Estava tão ocupado com meus problemas que não percebia aquela mulher sentada ao lado. Voltei os olhos para uns rabiscos ininteligíveis. Não faziam sentido: algumas setas, um círculo tosco e umas linhas desencontradas. Tentava em vão achar uma solução naquele desenho esgarranchado.

Foi quando percebi seus olhos fixados em mim. Eram grandes e vivos. Demonstravam segurança e tranquilidade.

Algo que segurava escorregou para o chão. Me abaixei para apanhar e ela também. Entreguei-lhe vagarosamente mas não soltou minhas mãos. Um leve tremor brotava de seus dedos. Também tremi acanhado e surpreso. Começou a falar algo enquanto me olhava com ternura. Tentei esquecer meus problemas e me concentrar em suas palavras. Discorreu sobre filhos, famílias e a falta de amor nas pessoas. - Elas não se abraçam mais, disse se encurvando em minha direção. Não esperou resposta e perguntou sobre meu trabalho e estudos.

Intercalou com uma observação sobre o tempo. Cada dia passava mais rápido, emendou. - A vida é muito curta, devemos saber aproveitar.

Fiquei mudo só ouvindo. Encantado com suas palavras, o tempo parou para mim. Paralisado pelo seu olhar não conseguia reagir e nem lhe dizer nada. De repente pegou o papel das minhas mãos e rabiscou algo. Me entregou com se fosse um presente. Vi um número de telefone e olhei para ela espantado.

- O número ainda é o mesmo, disse baixinho. Você precisa ligar mais vezes para mim, meu filho.

(21 de novembro de 2015)

David T Garcia

David T Garcia
Enviado por David T Garcia em 29/10/2016
Reeditado em 29/10/2016
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