A Uma Mulher Especial

Não cito aqui seu sobrenome, pois dele não lembro mais. É que já faz muito, muito tempo. Além do mais, brasileiro parece não ligar muito pra isso, pelo menos não no dia-a-dia. Quem gosta de sobrenome é alemão. Frau Frenzel, Herr Silva. Para nós, brasileiros, basta o primeiro nome e tudo bem! E é por isso mesmo que só consigo lembrar de você assim, como Jaciara. Jaciara, professora de Língua Portuguesa numa das menores capitais do Brasil, escola pública, segundo grau – acho que essa designação nem se usa mais... Que seja: Ensino Médio!

Bom, lembro-me – muito bem aliás - dos longos cabelos negros marcando o contorno de sua figura baixinha. Pequenina, mas danada que só! Aliás, como toda boa nordestina. Nem sei se você era nordestina. O importante é que estava lá, ensinando outros a seguirem seu bom exemplo. Tanto faz onde (no Brasil) você nasceu.

Sempre que escrevo um texto e o leio em voz alta depois, para mim mesma, lembro de você e seu jeito peculiar de nos apresentar o Português, através de uma perspectiva, creio eu, pouco adotada na época: leitura e produção textual. É que naquela época já reinavam soberanos os currículos. O que importava não era a qualidade do conhecimento transmitido, e sim a quantidade de conteúdo registrado na caderneta.

Mesmo sob a ditadura das cadernetas você conseguia ser diferente. Era mágico como nossos textos mal escritos transformavam-se em boa literatura em sua boca, quando os lia para nós, sentados em círculos ao seu redor, na sala de aula. Digo textos cer.ta.men.te mal escritos pois éramos ainda muito verdes, carentes de conhecimento e do domínio dos mecanismos da Língua. E do seu jeito singular, o quê de mais importante ficou, pelo menos para mim, foi o amor e o respeito à Leitura e à Escrita que nos transmitiu.

Lembro que via nos olhos de alunos excluídos, colegas sem esperança, rotulados escória da sociedade, o brilho da descoberta de que nosso futuro não TINHA mesmo que ser tão ruim assim, como muitos previam. Conhecimento é poder. Palavra é poder. Você nos deu chaves para entender isso naquela ocasião, nos ensinou a brincar com, seduzir e (Por que não dizer?) - DOMINAR as palavras... E isso a todos nós, até mesmo àqueles que não quiseram crer na sua mensagem e foram ficando (creio) à beira do caminho. Jaciara, você nos ensinou a sonhar e correr atrás da realização.

Jamais pude lhe agradecer pelo imenso bem que me fez. Por isso agora este texto, que como uma mensagem em uma garrafa, jogada num mar de bytes, um dia talvez chegue ao destinatário certo. Eu sei das privações que você, como professora, passava. Ganhando muito pouco, tendo que trabalhar em vários lugares, todos os dias, em todos os turnos, vivendo com sua família num apertado quarto-e-cozinha, num tipo de pombal, sem lugar adequado para preparar suas aulas e com um mínimo de recursos. Muitos diriam que você tinha até sorte, pois infelizmente, no Brasil e em muitos lugares do mundo, DIGNIDADE virou termo sem significado prático real.

Você nem tinha os recursos necessários para trabalhar conosco, para conseguir os livros que precisávamos. Vai ver por isso suas aulas eram tão criativas, transformando o material que nós mesmos produzíamos em obra literária, ponto de partida para fomentar um pensamento crítico, libertador e, ao mesmo tempo, desvendar os segredos da Língua, ferramenta prática da vida diária.

Para você, Jaciara, tiro o meu chapéu. Por causa de gente assim, como você, ainda conservo a estranha mania de ter fé na vida, num mundo mais justo e melhor. Minha melhor homenagem é tentar seguir e propagar seu exemplo.

Com todo o meu carinho,

Muito obrigada!

O meu mais sincero reconhecimento também a todos aqueles que se identificarem com esta minha antiga professora, pessoa fora-de-série, muito especial.

Um abraço fraterno :-)