Conto de fatos

Em algum lugar de distante reinado, havia um camponês. Não tinha muitas posses e vivia em um casebre bem afastado do movimentado burgo protegido pelas altas muralhas dos castelos do Senhor Feudal. A casa, feita de taipa, era longe das estradas principais, onde mercadores transitavam. Vivia com seus pais de quem cuidava e raramente recebia visitas.

Cultivava o próprio sustento em uma rotina que se repetia dia após dia. Nada acontecia ali, naquele lugar, que parecia esquecido por Deus. Até que um dia, enquanto arava as terras, uma mulher maltrapilha, visivelmente ferida, veio correndo em sua direção. Balbuciava algumas palavras sem sentido, mas mal se aproximou dele e desmaiou em seus braços. Por um momento, ele não sabia o que fazer, mas logo a colocou no colo e a levou para dentro da sua humilde casa. Alojou-a em uma cama de palha.

Mesmo inconsciente, ela parecia atormentada. Em alguns momentos, em profundo delírio gritava: "me deixem em paz! Parem de me seguir!". Ele se assustava, mas jamais desampararia alguém que precisava de ajuda. Sentou ao seu lado na cama, apoiou sua cabeça ainda adormecida sobre o colo e levou uma concha de um caldo a sua boca na tentativa que se alimentasse. Ela ingeriu sem saber o que fazia. Cuidou de suas feridas, umedecendo trapos e as limpando, posteriormente, enrolando outros novos em torno da pele para proteger a região. Muitos dias, se passaram.

Ela não mostrava sinais de reação, mas ele insistia. Mesmo sem saber, havia se afeiçoado àquela estranha desconhecida. Até que um dia, ao abrir as janelas pela manhã, um tímido raio de sol repousou sobre a face dela e seus olhos, piscando e lutando, se abriram. Tentou levantar bruscamente, mas ainda estava fraca e sentiu dores. Ele correu até ela, pedindo calma e tentou explicar como tudo se sucedeu até então.

Um pouco mais recomposta, ela olhou ao redor. Tudo era muito simples, mas cuidado com amor, se sentia bem ali. Olhava o homem e ele parecia um tanto rude, não era bonito, meio atrapalhado e, visivelmente, pouco experiente em conversar com estranhos. Ainda assim, ela sentia uma grande verdade nele, quase inocente, algo que não via há muito tempo. Pensou em revelar sua identidade, mas achou que não deveria preocupá-lo. Preferiu dizer que estava com amnésia e logo, não lembrava de nada antes daquele momento. Passou a viver como aquela família e pela primeira vez, se sentia parte de alguma coisa. Cozinhava, limpava, ajudava no campo, atividades que nunca fizeram parte da sua realidade. Quanto mais o tempo passava, mais diferente via aquele homem. Nunca a exigiu nada, não fazia perguntas sobre o passado e não cobrava nada. Apenas a aceitava do jeito que ela podia ser. Respeitava-a como mulher, ainda que tenha o flagrado, algumas vezes, olhando discretamente em sua direção. Começou a pensar com frequência naqueles olhos que diziam tanto e passou a vê-lo com novo interesse. Seus olhos passaram a se esbarrar e ele sempre constrangido, tentava disfarçar. Até que um dia, enquanto cuidavam da horta, suas mãos se encontraram sob a terra e suas bocas, involuntariamente, se procuraram. Foram breves minutos que pareceram o dia inteiro.

No mesmo instante, barulhos de carruagem se aproximaram. Quebrando o momento e os colocando em estado de atenção. Nunca aparecia ninguém por ali. Ela sabia o que os esperavam, mas ele estava assustado, ainda que inutilmente, tentasse parecer calmo para dar segurança a ela. Cavaleiros com armadura e bandeira em riste, logo surgiram entre as árvores. Trompetes foram tocadas, anunciando ser um agrupamento real. Quando ela ouviu, o que não gostaria: "Princesa, finalmente a achamos". Ela olhou para ele em um misto de pesar e desculpas, beijou seu rosto sujo e sem dizer nada correu para os guardas, evitando assim uma maior aproximação entre os dois mundos.

Entrou correndo na carruagem e sem vacilar, mandou irem embora rapidamente. Os cavalos assumiram seus postos e todo o comboio se pôs em movimento retornando a estrada. Não ousou olhar pelas cortinas, embora aqueles olhos tristes e confusos a perseguissem. Mas como poderia fugir do seu destino? Era uma princesa e ele, um mero plebeu. A proximidade com ele poderia custar sua vida, uma vez que nunca aceitariam tal aliança. Viveriam fugindo? Sabia que estava destinada a outro a quem não amava. Lágrimas escorriam do seu rosto, enquanto voltava para seu claustro, foi um lindo sonho, que infelizmente, era obrigada a despertar.

Ele estava atordoado. Não entendia o que havia acontecido, enquanto via a comitiva real se afastando e sumindo no horizonte. Ela era uma princesa? E sabia disso o tempo todo? O que poderia querer com eles? Uma família tão simples! E porque aguardou tanto tempo, se poderia voltar a qualquer momento para uma vida muito mais confortável do que ele poderia oferecer a ela? Ainda assim, se sentia agradecido por tudo que havia sentido. E pelo privilégio de ter sido beijado por uma princesa, que o salvou de si mesmo, da sua monotonia e da sua vida de repetições. Já havia ouvido falar de contos de fadas, mas nunca se julgou apto a fazer parte de um, mas agora entendia, que sapos também podiam ter um lugar no mundo.