Memória da despedida

No leito de morte, meados de novembro de 1994, Guilermina rezou sua despedida " Nesta paz , nesta alegria, eu dou minha alma ao Senhor Jesus. Neste momento em que meu corpo esvai, eu busco a luz, eu busco a minha paz.E o Senhor Jesus cuidará de mim sem jamais ter fim..."

Enquanto orou, percebeu-se o encontro com a paz. Naquele quarto duas camas de solteiro, uma cômoda, remédios, água no copo, canudo, sobre a cômoda a vela no pires, uma bíblia anunciando que o tempo estava próximo. Família cristã entrega seus enfermos nas mãos de Jesus Cristo, momento em que confessam os pecados, assim se procedeu com a voinha de noventa e quatro anos, prestes a fazer noventa e cinco, se ainda continuasse na Terra por mais dois meses.

Na casa o desassossego, afinal a doença com vestígio de morte, deixa a todos desolados. Roupas de cama lavadas todos os dias, pelas mãos de uma das netas, ou pelas mãos da filha caçula que chorava copiosamente a triste despedida.

As visitas iam chegando e debruçando sobre ela as lágrimas, as orações, a despedida, enquanto apenas levantava as mãos trêmulas com um terço marrom envolvido entre os dedos.

Já não existia hora da refeição, cada qual ia se servindo durante o transcorrer do dia.

Questionada sobre o marido, responde com ar de quem está achando tudo que era perguntado bobagem, " Não sabe que Gabriel morreu?", e retornou para seu canto sagrado da oração . Pelo menos consciente ainda demonstrava está.

Dia 13 de novembro, já não comunicava nada que pudesse ser entendido, balbuciava calmamente sua dor. O médico consultado afirmou que já não tinha nada a fazer, que podia levá-la ao hospital, mas com os vários derrames que teve na mesma noite, a consciência já não correspondia com a realidade. Triste noticia, apavorou a filha que cuidava sem descansar. e ainda assim, tentava alimentar a mãe com um pouco de mingau, que já não descia. As lágrimas molhavam o vestido.

Familiares começaram a chegar com a notícia. Com a chegada da filha mais velha, partiu, foi ao encontro do Pai celestial. Trovões rompiam aquele dia de novembro, às treze horas o relâmpago anunciava que mais uma rosa habitaria o jardim de Deus. Chuva regando os quintais, deixando a mensagem de amor.

Aos prantos e gritos, neta e filha se jogam sobre o corpo que já não sente nada, como se pudessem acordá-la. Não viram o momento que o rosto deformou e o tórax encheu de ar para expulsar o espírito agora livre do peso de um corpo cansado pela vida terrestre.

O fim de um começo de busca de soluções, afinal, um corpo defunto precisa ser enterrado. Momento difícil, para quem tem a missão de ir resolver todos os detalhes. Mas a coragem chega, como amiga que aparece nas horas que mais se precisa. Enfim, com tudo organizado, a noite do velório foi longa, a viagem da cidade princesa do sertão, interior da Bahia ate a terra natal também parecia infinita, memórias de uma infância e adolescência que durante o trajeto, ao lado ela, vivaz, imponente, graciosa.

O retorno ao lar foi o momento mais difícil, pois ficou o vazio de um nome, de uma voinha, de uma mãe, de uma amiga.

Leah Ribeiro Pinheiro
Enviado por Leah Ribeiro Pinheiro em 21/08/2016
Reeditado em 22/08/2016
Código do texto: T5735823
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