CHICO ANYSIO - A ÚLTIMA ENTREVISTA
 
Há muito tempo penso em publicar este texto, de autoria de Analice Gigliotti, que reproduz trechos da última entrevista concedida por Chico Anysio. Seu nome real era Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, nascido em Maranguape, em 12 de abril de 1931 e falecido em 23 de março de 2012, no Rio de Janeiro. Foi humorista, ator, comentarista, compositor, diretor de cinema, escritor, pintor, radialista e roteirista, notório por seus inúmeros quadros e programas humorísticos na TV brasileira. Acredito que seu personagem mais marcante tenha sido o Professor Raimundo, da Escolinha, que até hoje é apresentada pelo canal por assinatura, Viva. Tornou-se um dos mais famosos, criativos e respeitados humoristas do Brasil. Nesta entrevista ele abrange dois temas diretamente relacionados com a saúde do ser humano: a depressão e o vício do cigarro. Por tratar-se de temas de grande importância, resolvi publicar o texto de Analice, após mais ou menos três anos de sua divulgação.

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A última entrevista de Chico Anysio, falecido em março, foi feita em sua casa e não foi para nenhum jornal, rádio ou TV. Com cerca de 40 minutos de duração, foi concedida ao psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Chico havia sido convidado para ser padrinho da campanha “A sociedade contra o preconceito”, da ABP, lançada no Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Devido ao seu estado de saúde e com medo de não comparecer ao evento, fez questão de deixar algumas palavras aos médicos na abertura do Congresso, onde seu depoimento foi exibido.
Como sua fala é de grande valia, divido com os leitores algumas de suas últimas palavras. Paciente orgulhoso do psiquiatra Marcos Gebara por quase 25 anos, fez questão de explicitar a importância do tratamento psiquiátrico na sua vida. “Sem os remédios da psiquiatria, eu não teria feito 20% do que fiz.”
O grande Chico Anysio, que divertiu a vida de gerações de brasileiros, sofreu de depressão por anos a fio.
“Depressão é um quadro que só se controla com remédio. O antidepressivo acertou a minha vida. A psiquiatria é fundamental como o ar que eu respiro.” A depressão era “um demônio, um gás letal, ela entra e a pessoa não sente que está deprimida. Os outros é que descobrem”.
Chico definiu como “criminoso” o preconceito contra as doenças mentais, traduzido pela palavra psicofobia. “Achar que ir ao psiquiatra ainda é coisa de maluco é retrato do preconceito. Depressão é uma coisa, maluquice é outra”, comparou.
Chico se revoltou com o descaso com que governos e autoridades lidam com os transtornos mentais e o fornecimento de medicamentos.
“Se é possível ajudar e curar pessoas e isso não é feito, é crime. O governo tem esse dever. Não é favor colocar os remédios psiquiátricos ao alcance dos pobres, é obrigação. É dever do governo. Remédios psiquiátricos precisam ser gratuitos para quem precisa, assim como já acontece com os soropositivos”, propôs.
Ele afirmava que seu grande mal não era a depressão, mas o cigarro. “Meu pulmão foi meu grande adversário. O grande criminoso da minha vida foi o cigarro. Eu venci a depressão porque pude pagar remédios e psiquiatra. A depressão é vencível, é controlável. É só ir ao psiquiatra e tomar os remédios. O cigarro não.”
Ele era categórico em afirmar que seu único arrependimento em quase 80 anos de vida era o vício no cigarro. “Sou do tempo em que fumar era coisa de macho. Cary Grant fumava, Humphrey Bogart fumava… Conseguir que uma pessoa pare de fumar significa que ela volte a viver”, afirmou emocionado.
Ele foi capaz de um feito raro: parar de fumar sozinho. Mas, infelizmente, já era tarde demais. Os danos ao pulmão e coração eram de tal ordem que muito pouco poderia ser revertido. Antes de falecer, Chico andava com a ideia de criar uma fundação com seu nome para apoiar os estudos de combate ao tabagismo. Infelizmente, não teve tempo.
Ele tinha a dimensão do poder que suas palavras poderiam ter para as vítimas de depressão e tabagismo.
“O humor só existe em países com problemas. Não existe humorista sueco ou finlandês. Do problema nasce o humor. Como humorista, não tenho nenhum poder de consertar uma coisa, mas tenho o dever de denunciá-la. É o que estou fazendo aqui: denunciando a falta de socorro aos doentes mentais no Brasil”.
Que o seu contundente relato alcance aqueles que ainda fumam ou questionam os danos que os transtornos mentais não tratados podem causar na vida de quem os sofre, seus familiares e amigos. Se Chico conseguiu diminuir a tristeza de milhões de brasileiros com o sorriso, que ele possa agora diminuir o preconceito contra as doenças psiquiátricas por meio de suas palavras.


ANALICE GIGLIOTTI, mestre em psiquiatria pela Unifesp, é medica e sobrinha de Chico Anysio.
 
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Arnaldo Agria Huss e Analice Gigliotti
Enviado por Arnaldo Agria Huss em 29/06/2016
Reeditado em 29/06/2016
Código do texto: T5682623
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