Música: hobby, profissão ou negócio? Músicos de São Paulo sob um novo olhar

Diferente. Essa palavra caracteriza os seres humanos. Cada um tem seu gosto musical, seu estilo e sua personalidade. Uns apreciam o bom e velho rock, outros o autêntico pop e existem até mesmo aqueles que se divertem ao som da MPB. Entretanto, somos ligados por uma única força: o amor pela música. Mas, será que reconhecemos o trabalho daqueles que a produzem?

“A dificuldade e dedicação necessária para aprender a tocar um instrumento deveria ser tão valorizada quanto um diploma de administração de empresas”, afirma Fernando Diniz, profissional de tecnologia da informação e, nas horas vagas, cantor em bares espalhados por São Paulo.

De acordo com a pesquisa “Tribos Musicais”, desenvolvida pelo IBOPE em outubro de 2013, 70% do povo brasileiro é movido à música e 58% tem como gênero favorito o sertanejo. Para Diniz, o mercado fonográfico está cada vez mais baixo, mas alguns artistas ainda movimentam muito dinheiro. “O sertanejo universitário está aí para provar que o sucesso da música ainda existe”, acrescenta.

O produtor musical Vinicius Davidovitch vê o cenário musical brasileiro como uma espécie de entressafra, onde algumas lacunas são preenchidas por novos compositores de estilo semelhante a algum já falecido ou em decadência. Os músicos que procuram originalidade estão restritos a mercados e púbicos específicos. “Até que alguma coisa que eles façam seja considerada “pop” o suficiente para que sua musicalidade faça parte do grande mercado”, explica.

Os jovens estão acompanhando essa mudança rápida e constante no mundo musical. “Ouvia-se um mesmo disco por dias e dias, contemplávamos os arranjos e detalhes com muita paciência”, comenta o professor e músico Mauricio Freire. Para o profissional, a geração atual não aprecia a música como antigamente.

Poucos músicos conseguiam atingir o ápice musical com reconhecimento. Era uma batalha sem fim com as gravadoras, mas em uma época em que o meio digital se destaca, inúmeras facilidades surgiram. Os profissionais utilizam aplicativos e softwares que auxiliam na gravação de faixas.

Para Diniz, a originalidade sempre vai constituir o artista. Porém, hoje temos muito mais artificialidade no mundo musical. Considerando a pesquisa feita pela ECA (Escola de Comunicação e Arte) e pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 60% dos profissionais dessa área utilizam a internet como meio de divulgação do seu trabalho.

“A divulgação é rápida e abrangente”, confirma Freire. Mas, como tudo tem seu lado negativo, com a mesma rapidez que seu trabalho é reconhecido nos meios sociais, é esquecido principalmente por causa da grande enxurrada de conteúdo com o mesmo tema. Davidovitch, acredita que a internet é uma “faca de dois gumes”. “Temos acesso a música do mundo inteiro, tudo está a minha disposição, mas a falta de organização dentro da rede e o excesso de informações inúteis faz dessa busca um martírio”, argumenta.

Mesmo com o avanço tecnológico, viver de música no Brasil muitas vezes não garante uma conta bancária recheada. Para Mauricio Freire ser músico não é uma das profissões mais seguras em relação à remuneração. “Quando comecei a tocar a noite percebi que juntando os cachês que recebia das apresentações equivalia ao salário que recebia trabalhando na empresa onde eu era funcionário”, explica o músico.

O amor pela música nem sempre é o suficiente para se viver bem hoje em dia. “Tocar fora pode até lhe trazer um dinheiro extra, mas no meu caso, ainda não o suficiente para me dedicar inteiramente à música”, comenta o profissional de TI, Fernando Diniz.

Internacional

Inglaterra, Paris e Estados Unidos são exemplos de lugares onde os músicos são realmente reconhecidos. A arte de cantar ao vivo nas ruas recebe o nome de busking, em Londres. Não é simplesmente pegar um violão ou uma guitarra e sair às ruas expondo seu talento, é muito mais sério do que isso. É uma atividade apoiada e controlada. É necessária até mesmo uma autorização.

São Paulo é o centro da música no Brasil. Porém, um músico de rua é rotulado negativamente pela sociedade. Diva Damato, professora doutora da Universidade de São Paulo, com experiência na área de Letras, com ênfase em Literaturas Estrangeiras Modernas acredita que essa maneira preconceituosa com a qual os músicos e a música são vistos, não é recente “É uma característica que vem desde a colonização, aqui a música valorizada é a popular e no exterior é a erudita”, acrescenta a professora.

Para o produtor musical, Vinicius Davidovitch um dos fatores que influenciam essa diferença musical é a paciência. “Fora do Brasil, ainda há o hábito da audição da música, do parar para ouvir, esse hábito está se perdendo no Brasil”, explica o músico. ‘

No Reino Unido, existe o projeto Help Musicians que procura incentivar futuros músicos, garantindo a vitalidade e diversidade da profissão por meio de workshops, palestras e investimentos financeiros. “A ideia de apoiar talentos a desenvolver uma carreira musical é fantástica, com certeza isso deveria ser trazido para a música brasileira”, comenta o profissional de TI, Fernando Diniz.

Para Fabiana Batistela, sócia-diretora da Inker Agência Cultural e Diretora da Semana Internacional de Música de São Paulo, iniciativas como a Help Musicians devem ser apenas mais uma opção e não a solução. É assim que o Reino Unido o encara. Outras iniciativas independentes, como os sites de crowdfunding (financiamento colaborativo), por exemplo, podem até funcionar. Alternativas de investimentos estão surgindo cada vez mais. “Ninguém consegue viver de editais a vida toda e nem de “vaquinha””, explica.

No Brasil é realizada a SIM SÃO PAULO (Semana Internacional de Música de São Paulo), que é uma plataforma de negócios, conexões e capacitação do mercado da música. São quatro dias de palestras, debates, workshops, shows, festas, reuniões e encontros. O público é formado por profissionais, artistas, jornalistas e fãs. O evento tem como objetivo mostrar a importância da atualização dos que atuam nesse cenário. “Isso faz parte de um processo de profissionalização no novo mercado da música que estamos passando, onde o artista também pode ser o administrador da sua carreira”, afirma Batistela.

A SIM SÃO PAULO existe desde 2013. A segunda edição trouxe 846 profissionais credenciados e cerca de 8.500 pessoas estiveram presentes nos shows. Portanto, a tendência é que o evento continue atraindo muito mais pessoas. Existem outras várias plataformas relacionadas ao tema musical: SXSW (Austin, EUA), MIDEM (Cannes, França), Womex, Circulart (Medellín, Colômbia), FIM PRO (Guadalajara, México) e até no próprio Brasil, como o Porto Musical (Recife, PE) e a Feira da Música (Fortaleza, CE).

Entretanto, Fabiana destaca o quanto precisamos incentivar, no Brasil, a formação de um público consumidor. “Se pergunte quanto você gasta com música por mês e compare com o quanto você gasta com filmes ou com cerveja, e se pergunte por que”, reflete. A resposta para isso é um grande passo para o desenvolvimento de apoio à música: o consumo.

Karina Napoli
Enviado por Karina Napoli em 03/04/2016
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