A narrativa a seguir é verídica. Início da tarde, eu deixava um restaurante na Tijuca quando vi um rapaz de terno e gravata, debaixo de um escaldante calor vespertino, arrastando enormes bagagens pela calçada até a portaria de um prédio. O sujeito fez umas 3 viagens para concluir a tarefa. No asfalto, com o alerta piscando, havia um Honda Civic preto com um casal embarcado, percebi que aguardavam que o jovem chofer abrisse a porta para que saíssem do veículo. Sim, era uma viatura a serviço do Uber. Pensei rápido, saquei minha identificação de jornalista e abordei o motorista do aplicativo na intenção de fazer algumas perguntas, explicando que gostaria de conhecer melhor a realidade dos colaboradores da empresa de carona remunerada. Simpático, ele disse que não se incomodaria em me responder. Apresentou-se como Ivan.
 
Coslei - Há quanto tempo você trabalha com o Uber?
 
Ivan - Tem uns 3 meses.
 
Coslei - E qual a sua avaliação? Vale a pena?
 
Ivan - Olha, fico preocupado de estar trabalhando com uma coisa ilegal, nem dá tanto retorno, acho que tiram muito do que ganho, mas vou levando enquanto der, né? (Risos).
 
Coslei - Você estava desempregado?
 
Ivan – Não. Sou feirante e uso o tempo vago para ganhar mais um troco.
 
Coslei – E se sente bem trabalhando de terno e empurrando malas neste calor?
 
Ivan – Amigo, é complicado quando saio do carro. Mas tem que ser, né? É regra.
 
Coslei – O carro é seu?
 
Ivan – Não. Um dos meus clientes na feira me fez a proposta de me alugar o carro para trabalhar no Uber. Pago uma diária pra ele.
 
Coslei – Pode dizer quanto paga?
 
Ivan – Melhor não.
 
Coslei – Você acha justa a forma como o Uber concorre com os táxis?
 
Ivan – Não sou eu que digo como deve ser.
 
Coslei – Você conhece bem as ruas da cidade?
 
Ivan – Vou me virando.
 
Agradeci com a certeza de que seria inútil continuar o papo. Na volta para casa, fui refletindo. É isso que as pessoas imaginam como “qualidade”? É por isso que a mídia e uma alcateia de desavisados lincham os taxistas? Um domingo de temperatura elevada; um motorista carregando malas vestido de terno e gravata, ainda com a obrigação de abrir a porta para os passageiros. É esse tipo de servilismo tosco e usurpador que um usuário espera para condenar os táxis e eleger uma corporação estrangeira avessa à regulamentação? Minha conclusão é que a tecnologia deu rodas, pneus, carroceria, um bom motor e um amuado serviçal submisso que atenda às expectativas da Casa Grande.

 
 
 
 
 
 
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 03/04/2016
Reeditado em 04/04/2016
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