O POETA POR ELE MESMO, O OUTRO – Entrevista III

3. Poderia, gentilmente, abordar o conteúdo de um fragmento de sua autoria, “O Anjo Satânico”, publicado em http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/3087472 ?

Este fragmentário espécime é uma proposição introdutória ao livro “Bula de Remédio”, publicado em 2011, no qual o poeta Joaquim Moncks aborda os seus alter egos, afirmando que “criador e criado” não são os mesmos. Um é o ego, o outro é o alter ego. Acontece que o ego (afirma-se pela intelecção) é completamente impotente para entrar no universo poético, (em que predomina a emoção), e somente o alter ego – o outro eu – é quem consegue criar o poema, materializando a voz da Poesia em palavras. O Mistério é o único capaz de fazer exsurgir o poema, de fazer o “estranhamento” pela palavra, e produzir o “alumbramento”, o encantamento de que nos falam os teóricos e, em seus textos, alguns poetas, a exemplo de Manuel Bandeira e Mario Quintana. Quem primeiro deu notícia disso, lá por 1914, foi o poeta português Fernando Pessoa, que, identificando os seus alter egos, deu a eles nomes diversos e criou uma palavra nova no idioma português, um neologismo: o HETERÔNIMO, de que são exemplos Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caieiro, Bernardo Soares e muitos outros. É de salientar que os analistas apontam 21 alter egos (heterônimos) em sua extensa obra. Obra que ainda não se completou aos olhos da posteridade: vêm sendo descobertos novos textos inéditos. Pessoa foi mais longe: escreveu a história pessoal, a biografia detalhada de Campos, Reis e Caieiro, em carta datada de 1935, a Adolfo Casais Monteiro, seu companheiro na revista literária “Presença”, que foi arauto do modernismo literário em Portugal. E o que é mais curioso: FP é lapidar para com o seu ORTÔNIMO, assim o identificando: Fernando Pessoa-ele-mesmo-o-outro... O português do universo – assim eu o denomino em meus devaneios analíticos – sabia que o Ego não escreve em poesia, e sim, é o hóspede por vezes incômodo que nos habita nos exatos momentos do processo de criação poética. É esse personagem psíquico que “simplesmente vive para sentir”, quem nos delata através da criação literária... Afinal, este é “o anjo satânico” de que nos fala Moncks: aquele que não pertence ao mundo dos fatos reais, todavia, no ato da criação, é ele quem toma a palavra e diz o que quer. E que, mesmo estando dentro de um, é o outro – o falador...

– Do livro OFICINA DO VERSO, 2014/15.

http://www.recantodasletras.com.br/entrevistas/5476816