Entrevista - JOÃO TIMANE (Artes Visuais) - Moçambique

(Foi na revista Entrementes (São José dos Campos, São Paulo, Brasil), na edição Outono de 2015, que tive o primeiro contato com João Timane. Seu trabalho “Hirondina Joshua”, um acrílico sobre tela, ilustra, com força solar, a capa do periódico. Um rosto de tristeza enigmática sentenciado por um olhar de monalisa desdenhosa, cujos lábios tanto podem estar rindo vingativamente quanto podem estar contraídos numa dor extrema, oferecem um painel pan-étnico, que nos permite pensar inúmeras variações para este concerto de cor e traço. Fui pesquisar e descobri um jovem e árduo trabalhador das artes visuais em Moçambique. Nada mais natural do que querer compartilhá-lo aqui, com todos. Desfrutem-no! Edição de texto e seleção de fotos: Escobar Franelas)

1) Quem é João Timane?

João Timane é artista plástico moçambicano, formado pela escola Nacional de Artes Visuais em Maputo. Actualmente frequenta o curso de Engenharia Geológica e de Minas na Universidade Universidade Wutive. Nasceu, cresceu e vive no bairro do Aeroporto, conhecido internacionalmente como sendo o bairro dos artistas.

2) Quando foi que você sentiu as primeiras manifestações da arte em sua vida?

JT: Desde infância já fazia arte sem noção. Fazia desenhos infantis de bonecos que via pela televisão. Em 2009 concorri a Escola Nacional de Artes Visuais por conselho do meu primo Timóteo Bila que na altura era o meu encarregado de Educação.

Longe de pensar que fosse ser artista e que existiam escolas que formam técnicos de artes visuais. Quando entrei por acaso com a melhor nota, dediquei-me duma forma extremamente intensiva que cheguei a perder amigos por esta paixão, isto porque não dava mais atenção a eles... Desenhava dia e noite.

Certo dia com alguns colegas de nomes Patrício Simbine (artista) e Santos Pitelek visitamos o Museu Nacional de Arte. Foi ali que a verdadeira paixão fluiu no meu interior, quando logo na entrada deparei-me com as belas e magníficas pinturas do artista moçambicano radicalizado em Portugal, Roberto Chichorro. A maravilhosa combinação cromática e a alegria deste povo moçambicano ali representado cativou-me profundamente, foi quando depois fui apreciando muitos outros artistas, identifiquei-me também nas pinturas do Naguib, pertencentes à sua primeira exposição intitulada “O grito da paz”. Desde lá até hoje esta paixão não hospedou mas sim encontrou o seu verdadeiro lar no meu interior, um lugar onde os poetas tem mencionado bastante, esse lugar chama-se coração.

3) Já participou de alguma exposição, individual ou coletiva? Quando? Aonde?

JT: Claro que sim. Estou nas artes plásticas profissionalmente há 6 anos e desde lá fiz duas exposições individuais na Mediateca do BCI em Maputo, sendo que a primeira intitulada "Cartas dum grau de mostarda" e a segunda "Retratos de mil gotas de sonho" e sempre participei em inúmeras exposições coletivas dentro e fora do país.

4) Como é o seu processo de produção? Tem um dia ou horário certo para produzir? Divide a tarefa com outros afazeres? Consegue ficar muito tempo sem produzir?

JT: Confesso ser um artista sem processo definitivo de produção, isto porque tudo depende da inspiração do artista que está em mim. Sou um artista movido pelo espírito espontâneo, ou seja, produzo o que vem em mente nesse exato momento.

Para além de artista plástico, sou estudante de engenharia geológica e de minas em Maputo e para além dessas duas áreas, tenho feito exercícios físicos pois sou apaixonado pelo fitness.

Não consigo de jeito nenhum ficar sem produzir mesmo sem material, trabalho com o que existir nesse momento, por exemplo, na falta de tintas, faço desenhos artísticos, na falta da tela, pinto em cartolinas...

5) Por que a falta de tintas e telas?

JT: As tintas no pais em que encontro-me infelizmente existem em pouca quantidade, sendo este rico em diversidade plástica. Neste exato momento estou a pintar quadros e os mesmos não estão à venda, logo, este é um dos motivos pelos quais o artista acaba tendo dificuldade em aquisição do material.

6) Como você entende que este problema pode ser resolvido? Trabalhar na importação? Incentivo à indústria química para que produza os materiais que os artistas necessitam? Criação de cooperativas?

JT: No meu ponto de vista, as instituições comercias deviam importar mais os materiais de pintura, ou seja, das artes plásticas no geral, apesar de que o artista não se limite no que é novo mas sim recicla o que lhe rodeia e para o restante da população não tem beneficio com a finalidade de produzir um utensílio utilitário. Enquanto não serem importadas as tintas pelas instituições comerciais locais, continuaremos saindo do país em busca principalmente na vizinha África do Sul, sendo assim as telas ficam ainda mais caras e esta acaba sendo uma dificuldade para aquisição das mesmas pelo povo moçambicano.

7) Você considera que os artistas estejam procurando caminhos para uma produção menos individual e voltada mais para o coletivo? Ou há uma exacerbação do individualismo tipicamente ocidental?

Há uma década atrás era abusivamente notável a presença do individualismo nas artes plásticas africanas, especificamente nesta região que pertenço mas, nestes últimos tempos graças a alguns artistas estudados além continente africano, as coisas mudaram devido a essas influências que visavam a unir os artistas em movimentos fortes para a elevação das artes plásticas moçambicanas em particular.

Contando também que perdemos grandes fazedores das artes plásticas moçambicanas, estes que elevaram o nome de Moçambique além fronteiras. Daí que surge um grupo extremamente forte designado Muvart (Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique ) liderado pelos artistas e professores de arte Jorge Dias e Pumpílio Hilário, artisticamente conhecido como Gemuce, grupo este que trouxe um questionamento na arte actual devido a forma de expressão diferente do habitual e principalmente por trabalharem com a reciclagem num país com muita diversidade de objectos recicláveis.

Desde já parabenizo a este grupo constituidos pelos artistas Gemuce, Jorge Dias, Mudaulane, Carmen Muiengua, Titos Mabota...

8) Como você vê a produção visual na arte que se pratica no momento?

Baseando-me no princípio de que no mundo quase tudo já se fez, actualmente a nossa geração vive refazendo, ou seja, reconstruindo o que já se fez pelos grandes artistas da antiguidade, modernizando e contextualizando com o momento contemporâneo.

Penso que é um momento em que as coisas tornaram-se fáceis principalmente com a implementação da tecnologia nas artes plásticas.

9) Tem predileção por algum artista, ou grupo, ou coletivo, na arte moçambicana e/ou brasileira e/ou mundial atual?

Desde o princípio da carreira artística sempre inspirei-me pelos artistas moçambicanos: Chichorro (actualmente radicalizado em Portugal), Naguib, João Paulo Quehá, Gemuce e Silvério Sitoe. Estas grandes referências das artes plásticas moçambicanas tem influenciado grande número de jovens aqui.

Além fronteiras tenho visto e acompanhado o que se está a fazer mas não tanto para que não haja muita influência extra europeia nos meus trabalhos artísticos, porque isso dificulta a identidade do artista, embora alguns conseguem estar no seu devido lugar. Mas a maioria está fazer arte extra europeia, ou seja, já não tem raízes.

10) Por último, tem alguma pergunta que gostaria que eu tivesse feito e não fiz? Caso haja, por favor formule-a e responda em seguida. Obrigado.

Bem, quanto às perguntas, eu penso que foram as essenciais e através de algumas foi possível falar de outros assuntos, ou seja, responder a algumas perguntas não feitas. Desculpe a demora para responder. Nestes últimos tempos andei muito atarefado, na maioria das vezes mostra que estou online, mas se calhar, distante hehehehehhe...