A Testemunha (Martírio)

Então, ela estava ali, vazia ao vento, pensante. Lembrando-se do que havia ocorrido horas anteriores: dor, horror, tremor, lamento, clamor...

De início, não imaginava que estava sendo preparada para aquilo. Tinha outros planos; desejos nobres. Pensava em servir de outra forma, em outro lugar. Quem sabe poderia estar num casebre adornada com uma linda manta de cor púrpura (Púrpura?), ou, talvez, num palácio luxuoso servindo de recosto para um magnífico rei (Rei?).

Porém, não! O seu destino não era esse. O seu destino era ser instrumento de dor; dor tão profunda que, se possível fora, dilaceraria a alma da própria morte.

– Por que ele se sujeitou a isso? – ela se perguntava – Com uma palavra apenas não haveria mais dor, seria haurida; não haveria mais sofrimento, não haveria mais clamor, não haveria... lamento!

– Por que ele tem de sofrer? Por que tem de sentir esse peso em seus ombros? Meu peso?

Aquele homem já estava ferido, maltratado (homem de dores?). Todos os seus amigos haviam-no abandonado à própria sorte. Ele tinha nos seus ombros não apenas o peso dela, mas o de todo o mundo... do mundo todo (homem de dores!).

Ah! Como ela queria poder ajudá-lo. Como queria poder aliviá-lo daquele peso, aliviá-lo das dores. Mas, mal sabia ela que o pior ainda estava por vir... mais dor, mais horror, mais sofrimento, mais clamor, mais lamento.

Chegando-se àquele lugar que já vira ao longe, no cume de um monte – lugar estranho, com nome estranho -, percebeu que ali já estava uma eufórica multidão que chorava, que gritava, que escarniava.

“O que querem aquelas pessoas? ”, pensou ela. “O que elas procuram; o que buscam aqui? ”

A resposta veio de solavanco. Ela foi atirada pesadamente ao chão de pedras cortantes como a lâmina de uma espada afiada. E, sobre ela, abruptamente, alguns homens lançam aquele que já havia sobremodo sofrido.

“O que vão fazer com ele? ”, ela refletiu. “Transportou-me por tanto tempo e agora deitam-no nesta estrutura velha e dura! ”

“Serviria eu agora para o descanso de tanta dor sofrida? ”

No entanto, isto não aconteceria. Ela lhe seria um instrumento de mais dor ainda. Viria mais horror, viria mais clamor, viria... sofrimento.

O sangue daquele homem está entranhado nela. No alto de uma penha descalvada o puseram dependurado sobre ela.

Agora, ela permanece ali, vazia, ao vento, pensante. Foram horas de dores, horas de horrores, horas de tremores, horas de clamores... profundo lamento.