A OPÇÃO DO ESPIRITUAL

Peço acompanhes o raciocínio em preto e branco. O poeta-leitor pode ter um entendimento diferenciado daquilo que poeta-autor pretendeu. Há versos aquém e além do patamar de ideação e invenção que o seu criador pretendeu. Aliás, nem muito importa o que o autor pretendeu, e, sim o contexto de poeticidade que tocou a sensibilidade e a cuca do receptor, levando-o à comoção. Porque Poesia não é do território da lógica ou da matemática. O poema é um natimorto enquanto os olhos do poeta-leitor não pousarem nele. É a leitura que lhe insufla o ar vital, a vida, e ele, então, começa a respirar. A partir deste momento é que ele passa a existir como obra de arte, e por tal, encerra dentro dela uma proposta de comunicabilidade com o Outro. O poema com Poesia não tem como proposta dizer-se ou revelar-se ao eventual leitor, seu desiderato é apenas sugerir uma reflexão sobre o conteúdo que está contido na peça. Neste conjunto verbal, por criação e concepção literária, tudo é tudo farsa, proposta de invenção, fantasia, sonho; no entanto, tem de estar bafejado por uma pretensa aura de veracidade, se não o leitor não o absorve como algo capaz de sugerir a verdade. Em Poética, o que instiga é a sugestionalidade e o estranhamento. Depois de tudo isso dito, por que não me informas por primeiro o que o poema em pauta te sugere? Qual é, enfim, a tua interpretação a partir de uma ótica poética? Quem deve dizer o que está contido no poema é aquele que o consome, aquele que o digere no mundo dos fatos, enfim, o que ele importa para quem o absorve e qual o efeito que a peça em voga lhe passou para o viver. Nada é tão inútil quanto a Poética, no entanto, sem ela, o ser humano não conseguirá levar o seu vivenciar (neste plano) até a hora da finitude. Para Armindo Trevisan, um dos sábios da Poética rio-grandense e brasileira "Poesia é lucidez enternecida", e o nível ou patamar dessa ternura está nos olhos e na cabeça do poeta-leitor e não (enquanto proposta de entendimento) nos estritos domínios do seu autor. Muitas vezes os "infernos" do Bem e do Mal estão juntos, pois assim se apresenta o substrato do ser. Portanto, o que é de Deus é também de Lúcifer, porque estas são dimensões do humano ser. O que importa mesmo é saber qual é a opção do espiritual num momento dado. O poema, enfim, é flor e gume.

–Do livro A VERTENTE INSENSATA, 2017.

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