A Ponte do Nunca

- A PONTE DO NUNCA –

Eu havia caminhado muito; arrastando minhas lembranças e memórias. Estava cansado. Ainda assim, algo me impelia a prosseguir. Eu sentia e sabia que ainda não era ali que deveria parar. Ficar não se mostrava uma alternativa, não fazia parte da escolha. Era voltar ou prosseguir. Despejei no chão, aos meus cansados pés, toda a minha vontade de não parar, e sobre ela reclinei minha cabeça cheia de recordações e o meu coração vazio de esperanças. Fitei com olhos marejados de saudades a velha ponte do passado a minha frente, e fiquei a mastigar meus pensamentos; triturando-os aos poucos. Alguns de gosto muito doces e outros de sabor extremamente amargos. Engoli-os da mesma forma que me sentia; aos pedaços; para logo em seguida vomitá-los, e ficar novamente tentando degluti-los sem com isso provocar o refluxo. Não era fácil engolir a mistura de minhas experiências forjadas no cadinho da vida. Quando as fiz, foi em porções separadas; as boas das ruins. Mas agora elas eram uma estranha e inusitada mistura de viver. Um bolo de coisas boas recheado de coisas ruins com uma camada espessa de cobertura com sabor de coisa nenhuma. Mas delicadamente e artisticamente salpicada de todas as coisas. Fitei o nada para além da velha ponte, e nele pode (não) ver ao longe o lugar nenhum para onde eu desejava ir. Lá, à frente, ninguém me esperava. Ninguém me conhecia. Cá, atrás, alguém se despedia, e me sabia mais do que eu mesmo. Virei-me lentamente para frente, olhando o caminho do passado. Um caminho que eu havia trilhado a passos rápidos, saltos desafiadores e longas corridas. Caminho este pelo qual eu não saberia... Deveria voltar. Agora, a trilha desconhecida do futuro estava ali, atrás de mim, pois; eu olhava o futuro pelo retrovisor de minhas saudades, minhas lembranças. Tão convidativa quanto misteriosa. E a ponte. A velha, conhecida e mesma ponte do passado, era o elo perdido na carcomida e enferrujada corrente do tempo que me levaria ao futuro. Era a Ponte do Nunca. A ponte que ligava o nada do meu passado ao coisa nenhuma do meu futuro. O elo que me manteria em um eterno presente de lembranças sofridas e de prazerosas recordações. Na galeria de minhas memórias, uma estranha exposição de obras sombrias me sorria, e outras iluminadas me atormentavam. A primavera de minha vida havia distante passado; e ao largo; margeando o Vale de minha solidão. Então o verão dos meus sentidos e de meus sentimentos tardios me envolveu, me aquecendo o coração. Fustiguei minhasas lembranças como quem remexe uma gaveta no escuro. E a mão tosca e torpe de minha vontade, de lá tirou um punhado de saudades embrulhadas em um desgastado e desbotado papel de nunca mais. Era chegada a hora de contar os pedaços. Juntar os cacos e olhar de perto o que sobrara de mim. Encaixá-los; e tentar montar o quebra-cabeça de peças invertidas e encaixes contrários. Pinos redondos para buracos quadrados. Entender a quadratura do círculo imaginário de maus presságios era de certa maneira uma inusitada proteção cheia de inocentes armadilhas e perigosa segurança. E ao mesmo tempo tão perniciosas quanto eram os meus sombrios pensamentos suicida. Tentei em vão medir a circunferência do quadrado que como torre lúgubre elevava-se inversamente para o abismo profundo do meu eu. Eu gostaria de escalar as encostas montanhosas das possibilidades possíveis. Mas os obstáculos escarpados e pontiagudos destas mesmas encostas parecem sempre avisar-me da impossível ação. E minha reação é a mesma e sempre. Esquivar-me da vida enquanto sou perseguido pelo destino. Capturado pelo já, e submetido à força do agora. Faça é a ordem de não fazer, e vá não passa de fique aqui mesmo. Lembrei-me do meu outono de folhas mortas caídas ao chão, e dos ventos incertos que as moviam como se estas ainda vivessem. Elas eram o retrato vivo e fiel de mim mesmo. E enquanto eu observava o escuro do meu destino e límpido e claro, me veio o inverno dos tempos; e a fina, mas contínua e ininterrupta neblina me acolheu nos seus gelados braços de sorriso amargurado e dolorida alegria de ainda estar ali. Aqui. De ainda ter um onde e um quando para desejar, e esperar que jamais aconteça. E nunca; jamais, ao contrário.

Só, e para você; alguém. Que me entende e me conhece, ninguém.

Farias Israel – junho/2017 - SP

Farias Israel
Enviado por Farias Israel em 14/06/2017
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