O NASCER DO POEMA

O poeta-leitor é quem realmente qualifica aquele que pretendo seja um poema, uma peça que fale a linguagem do seu eventual e desconhecido interlocutor. Sem este segundo personagem o escrito é um natimorto. A garatuja original provém de mim, mas esta é o torvelinho verbal que promana da inquietação de meu(s) alter ego(s). Porque o ego nunca inscreverá no mundo fático o poema com Poesia. Simplesmente porque o Ego é o universo egocêntrico que só olha para o próprio umbigo. Como o poema vem à tona através do sopro agônico da intuição – a inspiração – na qual prevalece a emoção, esta nasce em estado de pureza, num universo de íntima solidariedade. Na transpiração – o segundo momento de criação – no qual a intelecção predomina, o Ego pulula com os seus conceptuais já comprometidos com a ânsia do reconhecimento sobre a forma e conteúdo do que havia nascido como simples garatuja: a silhueta autêntica da intuição original – a geratriz. É deste exercício no campo da eterna arte da escrita que o poema deixa de ser apenas um embrião e toma forma definitiva, capaz de se comunicar com o semelhante espécime da condição humana: o receptor; ou melhor, o poeta-leitor. E, milagrosamente, é este outro polo de criação e/ou de divulgação que lhe concede a vida. E, a partir deste momento, talvez sobrevenha a possível eternidade graças à vívida palavra.

– Do livro OFICINA DO VERSO, vol. 02; 2015/17.

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