DESIGUALDADE SOCIAL E VIOLÊNCIA

Continuando a série de comentários ao documento papal "Evangelli Gaudium", vejamos o que Francisco nos tem a dizer sobre as discrepâncias sociais da atual fase do capitalismo. Lembremos antes que quatro grandes economistas contemporâneos, dentre tantos outros, destacam que nunca a humanidade experimentou um momento de maior desigualdade e concentração de capital em toda a sua história. Joseph Stiglitz, Paul Krugman e Amartya Sen (Esses três laureados com o Nobel de Economia) e Thomas Piketty chegam a conclusões semelhantes: mais de 50% do capital global está em posse de menos de 1% da população mundial.

Para Francisco, essa situação limite gera graves distúrbios sociais, ambientais e morais. A tese de que o desenvolvimento de um mercado livre, liberal, gera automaticamente riqueza e bem estar, elevando a qualidade de vida das populações é mais do que falsa ou ingênua, é também perversa, maldosa, calculista e ardilosa:

"Hoje, em muitas partes, reclama-se maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão. Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reacção violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e económico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. Se cada acção tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte. É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar um futuro melhor. Estamos longe do chamado «fim da história», já que as condições dum desenvolvimento sustentável e pacífico ainda não estão adequadamente implantadas e realizadas.

Os mecanismos da economia actual promovem uma exacerbação do consumo, mas sabe-se que o consumismo desenfreado, aliado à desigualdade social, é duplamente daninho para o tecido social. Assim, mais cedo ou mais tarde, a desigualdade social gera uma violência que as corridas armamentistas não resolvem nem poderão resolver jamais. Servem apenas para tentar enganar aqueles que reclamam maior segurança, como se hoje não se soubesse que as armas e a repressão violenta, mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos. Alguns comprazem-se simplesmente em culpar, dos próprios males, os pobres e os países pobres, com generalizações indevidas, e pretendem encontrar a solução numa «educação» que os tranquilize e transforme em seres domesticados e inofensivos. Isto torna-se ainda mais irritante, quando os excluídos vêem crescer este câncer social que é a corrupção profundamente radicada em muitos países – nos seus Governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia política dos governantes".

O imperativo ético de nossos tempos é não ser ludibriado pelo canto da sereia do capitalismo, fundamentado naquilo que Tetsuo Watanabe chamou de "ambição desmedida e inconsequente". A desigualdade gera uma violência sem escalas, e compromete a paz mundial, a justição social e a segurança humana em diversos níveis. É preciso mudar. Agora.