QUANTUM 11 - CURIOSO PASSEIO

CURIOSO PASSEIO

Certa noite o sono ainda não havia chegado. Mais uma vez estava na cama muito cedo.

Minha esposa ainda não descera pois estava com meu filho na casa e nesta época dormíamos no chalé.

Me aprontei para dormir, sincronizei o alarme do meu telefone para o horário de sempre, quatro e quarenta e cinco, pois todos os dias eu deveria sair exatamente à cinco e vinte para estar no trabalho no horário correto, e deveria atravessar a cidade de oeste a leste, sem contar que nossa propriedade fica em uma cidade vizinha há 45 quilômetros.

Um ritual diário, preparativos para o dia de amanhã, acerto dos relógios, toalhete, escolha das roupas de trabalho para o dia seguinte, chaves, agenda, programa de trabalho. Enfim me deito na cama já imaginando o que fazer, como fazer aguardando o sono chegar, aguardando minha esposa descer para alguma finalização de conversa ou algum plano para o final de semana, qualquer tarefa. O complemento do dia.

Tudo normal, como deveria ser normal.

Uma breve meditação para Deus, para meus filhos, para meus parentes, para o trabalho. Algo que todos devem fazer de alguma maneira antes de dormir e ao acordar. Cada um ao seu modo, sem normas, sem dogmas, sem métricas ou receitas.

O silêncio lá fora era bom, simples e agradável como deve ser o silencio de um lugar afastado do centro, afastado da cidade, em meio a uma natureza exuberante.

Ouvi de relance um chamado lá de fora, com uma voz muito conhecida, a principio estranhei muito, mas me parecia a voz do Erasmo, meu colega de trabalho, engenheiro da velha guarda.

Erasmo, aqui? A Esta hora?

Achei que fosse algum engano mental, afinal pensava no trabalho.

Então outra vez; Giancarlo, meu caro, vem? E logo!

Pensei estar acordado, mas tinha dúvidas pois certamente meu corpo já dormia profundamente sem que eu percebesse. Não ouvi barulho de carro se aproximando, o que era bem comum quando tínhamos visitas, nem mesmo os cães não fizeram sequer um latido.

Fiquei meio assustado, surpreso.

Muito incomum ser visitado em minha casa pelo pessoal da empresa, afinal poderiam ter usado o telefone, isto seria muito mais prático e eficaz.

Fiquei intrigado enquanto colocava os chinelos. Ele aparentava maior jovialidade, uns 20 anos para menos, mas não mnotei isto de imediato. Ma era Erasmo em sua totalidade.

Estranhei muito, fiquei bastante pensativo e inquieto, como poderia Erasmo estar me chamando? A esta hora, e sem aviso.

É pra hoje, Camarada meu, Vem depressa que não vou te buscar aí não.

Era ele mesmo.

Sempre ligado no trabalho, logo imaginei que havia algum problema em alguma das obras noturnas, se fosse seria algo grave e teríamos que ir imediatamente. Procurei me apressar, mas já estava vestido e nem me lembrava como o fiz, mas estava vestido.

Fiquei por algum tempo olhando firme; confirmado. Era ele mesmo.

Eu ainda meio confuso e ala me chamando com gestos acelerados demonstrando que estava com certa pressa.

Certamente se isto fosse sonho, era um sonho daqueles em que temos exata sensação da realidade, pois tudo em volta me parecia muito real e muito sólido.

Vamos logo, vem comigo, quero te mostrar alguma coisa e temos pressa.

Vem? Ou fica por aí mesmo?

Certo, fiquei automaticamente ligado no assunto, certamente era um problema grave com alguma máquina de fundações ou algum empecilho em obra que deveríamos resolver juntos. Me apressei em acompanha-lo.

Olhei em volta e não vi nenhum carro além do meu e o de meu filho, logo perguntei sem deixar tempo para respostas; Erasmo, onde está o seu carro? Como chegou aqui? Deixou seu carro na porteira? Vamos com o meu, ganhamos o tempo da caminhada.

Não temos muito tempo, Erasmo virou-se e se colocou a caminhar rapidamente em direção à saída, e eu o acompanhei em seguida apertando meu passo enquanto procurava pela chave do carro.

Em um instante ele diminuiu seu passo aguardando que eu o emparelhasse e colocou sua mão sobre meu ombro, onde senti um leve estalo na nuca, algo que não incomodou, mas se fez notar como um estalo de dedos na base do pescoço acompanhado de um leve calafrio.

Fomos saindo rapidamente pelo gramado de fronte à minha varanda e em um instante sem que eu entendesse, de maneira bastante confusa chegávamos a um lugar inimaginável, sem sequer ver o caminho ou lembrar dele, o que reforçou novamente minha ideia de estar sonhando. Estava confuso por instantes, mas surpreendentemente consciente. Passei a olhar em volta. Aquietando minha mente e meus sentidos.

Olhei em volta, vi Erasmo atento às suas tarefas, onde alguns moços o ajudavam.

Observando tudo, tudo era novo para mim. O ar era muito leve, quase rarefeito, estávamos sobre uma relva verde de um campo que mais me parecia um altiplano das pastagens dos pampas, cuja visão se perde no horizonte, sem montanhas. O céu era de um infinito azul profundo e indescritível. Havia uma neblina no ambiente, mas a neblina não ocupava todo o horizonte, algo diferente, como se estivesse posicionada apenas em um determinado posto.

Jamais imaginara um ambiente como aquele nem mesmo nas minhas antigas ilustrações surrealistas com cenas de mundos absurdos.

Pensei estar sonhando profundamente, um sonho muito realista, as forças da natureza não agiam desta maneira, como cheguei aqui? Procurei acordar, mover meus braços e pernas como sempre fiz. Sem sucesso.

Voltei-me para Erasmo, afinal me trouxe para que eu o ajudasse;

Erasmo imediatamente começou a montar uma estrutura leve de bambus com tecido leve, algo parecido com uma barraquinha destas de quermesse de escola primária. Por um momento o ajudei segurando esta e aquela vareta para que esticasse o tecido, posicionamos uma bancada feita de madeira muito leve, porem lisa e muito limpa.

Olhando adiante, não vi nenhum horizonte, diferentemente aquilo tudo estava envolto em uma névoa espessa e posicionados à beira de um grande vale profundo, cujo fim não se podia ver pois à medida que aumentava a profundidade a escuridão lhe toma sem deixar que minha visão o percorresse. Como uma cratera de vulcão imensa, ou uma furna de dimensões gigantescas.

Nas encostas rochosas deste vale, havia como pequenos caminhos sinuosos, estreitos e de piso duro de pedra. Os estreitos caminhas se cruzam por vezes em seus trajetos como em helicoides confusos, alguns deles tão estreitos que me fazia impressão de que caberia apenas um pé adiante do outro.

Nenhuma folha de grama ou de vegetação, apenas aquelas rochas escuras e seus cascalhos caindo todo o tempo, fazendo uma cascata de cascalho que se precipitava ao fundo infinito daquele vale como uma chuva de pedras.

Milhares de pessoas estavam entrando ali, descendo vagarosamente cada uma por uma trilha, algumas estavam em família juntas porem sem nenhuma interação entre eles. Alguns estavam trajando roupas, outros estavam rotos e seminus, outros ainda com roupas de trabalho, nenhum deles emitia qualquer som ou sequer erguia sua cabeça, apenas olhavam para os próprios pés que se arrastavam levando as pedras de onde estavam a pisar e estas iam caindo para o precipício, batendo em outras sinuosas e estreitas trilhas soltas na encosta íngreme daquele vale.

As aparências de cada um era das mais diversas, alguns portavam grandes ferimentos em seus corpos, como se ainda estivessem abertos e purgando, outros estavam ressecados como se já não possuíssem carne sob a pele escurecida, tal qual um cadáver ou uma múmia destas que se visita em museus arqueológicos.

Algo em comum entre eles que pude notar com perfeição, seus semblantes eram apáticos, pareciam nada ver além um pouco de si mesmos. Seus olhos eram fundos e escuros, não havia brilho algum neles. Seus corpos não refletiam qualquer coloração, e toda pouca luz que neles batia era absorvida sem reflexo algum, não os iluminava.

Chamou-me atenção um grupo que descia para a penumbra, carregavam duas crianças, uma delas no colo da senhora e a outra segurava a mão do homem.

À medida que iam descendo a criança menor escorregou-se do colo da senhora e caiu ao chão, mas curiosamente a suposta mãe não deu conta, continuaram caminhando sem se importar com o fato de terem perdido um bebê pelo caminho. Apressadamente um moço de vestidos claros, sandálias nos pés correu ao encontro do pequeno menino, pegou-o carinhosamente e novamente correu até a senhora e o colocou novamente em seus braços. Fiquei atônito, a Senhora não expressou qualquer emoção, sequer olhou para o menino ou para o moço que o entregava.

Pareceu-me tenebroso o local, senti desconforto e não havia qualquer som ou um vento sequer.

Era imenso como um deserto inclinado cujo final não se podia ver. Aquele grande vale sem fundo.

Algo me dizia no íntimo que a caminhada daquelas almas era eterna, que na verdade nunca chegariam a nenhum lugar, mas estariam caminhando eternamente até um dia em que suas consciências seriam atingidas de alguma maneira e se decidiriam por retornar para o topo, iniciando uma caminhada igualmente dolorosa.

Vez por outra, o que me deixou estupefato e maravilhado, numa visão incomparável, imensos fachos de uma luz intensa e transparente de cores muito claras variáveis de um azul muito claro a um lilás igualmente claro vinham do infinito em velocidade imensa, adentrando àquele vale pelo seu eixo até que não as pudesse ver senão seus reflexos na neblina que se revolvia como se sentisse sua entrada, com a mesma velocidade saiam rumo ao infinito deixando um rastro como que de um cometa nos iluminando a fronte.

Esta visão parecia fazer o tempo parar para tudo e para todos ali. Senti que havia um poder imensurável junto com aquelas luzes, algo imaterial e tremendo.

Os rastros de luz permaneciam por algum tempo mesmo que suas ogivas já estivessem no infinito, como se aquela luz procurasse lugar para iluminar.

Em pouco tempo a visão daquelas realidades me causticava novamente, quantas vidas em estado de deterioração constante, quantas decisões que me pareciam irreversíveis naquele momento. Por um instante pude sentir um nada absoluto proveniente de algumas daquelas almas em sofrimento agudo.

O maior e mais profundo nada que pode sentir um ser a sucumbir por sí.

Olhei para Erasmo, que me fitava sem dizer nada. Não fiz perguntas, meus neurônios entraram em órbita.

Comecei a sentir calafrios, queria crer que estava tendo um pesadelo, havia jantado tarde e estava sobremaneira cansado do dia de trabalho, talvez minha esposa me acordasse naquele momento, procurei gritar, mas como de costume meu corpo não reagiu, estava apagado. Desejei muito que ela me sacudisse na cama ou mesmo que algum cachorro latisse alto para que eu acordasse daquela visão horrorosa.

-Quer falar? Disse ele com certo sorriso peculiar em seu semblante.

-Onde vão? O que tem de errado com estas pessoas tão apáticas desta maneira?

-Meu amigo, estas pessoas desistiram de viver, apenas desistiram e nada lhes importa, só que não é como eles pensam, a vida não se esvai por desejo nosso. Então eles desistiram de continuar vivendo, cegaram para tudo.

As decepções, os fracassos e as provas nas jornadas da vida terrena, para estes, culminaram em uma espécie de falência moral, e este fracasso os impulsionou à negação de suas próprias vidas.

Não enxergam futuro algum, não obtém esperança de nada, negaram-se diante da vida por medo, ou por autocomiseração, ou ainda por baixa-estima de si mesmo. Talvez a desesperança, fuga, medo e tantas outras razões os levaram a ceifar-se da vida natural terrena, levando-os a uma condição de absoluta alienação da existência.

São irmãozinhos que deram cabo de si mesmos, alguns carregaram suas famílias consigo para este vazio vivencial.

-Nada mais tem qualquer valor para estes, mas, eles ainda são de grande valor para nós, e para Deus são inestimáveis e profundamente amados.

-Caro Erasmo, não percebo nenhum trabalho de curativos nas feridas ou qualquer restauro de seus corpos, há homens e mulheres com pescoços quebrados, afogados, arremessados de edifícios, atropelados, outros com suas cabeças esfaceladas, porque ainda se mantém desta forma?

-Ahhh. Exclamou o Erasmo, sua visão o leva a isto, você capta o assombro de cada um e a imagem Perispiritual se forma desta maneira para você.

Na verdade, querido amigo, o que você enxerga é o que eles veem de si mesmos, as marcas de suas desistências da vida estão impregnadas em seus corpos perispirituais. Assim eles vibram nesta faixa e você ainda sendo imaturo nas coisas do Espírito reproduz em sua mente a mesma imagem, Temos em nossos arquivos genéticos toda sorte de aparências. Para você, estas imagens horrendas, são compiladas de sua própria mente. Na verdade, caro amigo, você vê o que quer ver, e se não escolhe o que quer ver sua visão apenas reproduz o que o outro mostra.

Deus, com sua infinita sabedoria e seu profundo amor não os vê desta forma, mas de forma singela. Deus não nos vê como nós mesmos nos vemos. Ele nos enxerga conforme nosso potencial de elevação, praticamente nos vê por inteiro, já na estatura evoluída, por isto Ele se agrada tanto de nós.

Com o passar do tempo e com um pouco de dedicação e aprendizado você será convidado a ver pelos olhos do nosso Senhor, assim poderá vislumbrar o potencial maravilhoso de cada indivíduo, mesmo que esteja este passando por alguma agrura momentânea, fruto de seus descasos e de suas decisões equivocadas.

Logo começaram a chegar moços e moças, belos e fortes, todos vestidos com túnicas e usando sandálias cruzadas. Portavam dois baldes de metal cada um, pendurados a uma espécie de canga em seus ombros. Carregavam água. Apenas água pura.

Eles chegavam ali, vindos de uma névoa a qual eu não podia distinguir. Chegavam sorridentes e com ar de felizes por estarem entregando aquela água, logo saiam e adentravam novamente à névoa.

Olhei atentamente para aqueles moços e moças, eram jovens cheios de vitalidade, sorridentes, felizes por estar fazendo aquele trabalho. Eram ligeiros e determinados. Um deles, que estava a caminho do fosso com um pequeno cálice nas mãos cuja água reluzia um tom de rosa claro e brilhante, o Moço voltou-se e me sorriu, era como meu próprio filho ali.

Aqueles baldes eram posicionados na bancada onde Erasmo enchia calmamente com uma concha alguns copinhos de vidro, colocava sua mão sobre o bocal do copinho cheio com os olhos entrefechados e o entregava a um dos moços que ficava por ali a esperar, então saia com aquele copinho, cuja água interna agora reluzia um tom róseo luminoso.

O moço parecia ter incumbência de servir a água a uma pessoa específica, esgueirava-se entre os caminhantes até atingir certa pessoa, que parava por um instante e se deixava beber aquele fluido com ajuda do moço.

-Temos que lhes dar de beber um pouco desta água que vem para remediar.

Eu logo perguntei ao Erasmo, - Mas Caro amigo, porque não levamos os baldes para mais perto dos andantes, ganharíamos muito tempo com esta operação, temos poucos moços, onde acharemos mais? Poderia cada moço levar dois copos ou quem sabe uma bandeja com vários, assim nosso trabalho seria mais otimizado, seria muito melhor.

Caríssimo, disse Erasmo, não estamos fazendo obras de engenharia ou arquitetura. As soluções aqui são pessoais e o tempo é infinito.

Levar a água até lá seria demasiado infrutífero, o ambiente e suas vibrações contaminaria completamente a toda a água. As soluções de engenharia para aumentar produtividade e obter melhores resultados servem apenas para o mundo físico, é necessário envolver-se na peculiaridade de cada um e tê-lo como único, assim Deus nos vê, como único.

Não somos melhores ou piores, isto é uma das controvérsias que distancia um homem de seu semelhante, praticamente a raiz do desamor e da escravidão.

Tudo o que rotulamos como “melhor” é, na verdade do universo, muito relativo e pode gerar confusão. Melhor ou Pior é uma comparação pessoal, se baseia em padrões. Os padrões são coisas físicas, tangíveis e dominados pelo intelecto de quem os tem.

O mundo dos homens seria muito diferente se não tivéssemos criado os padrões.

Padrões de gênero, de formato, de cor, de procedência carnal, de conquistas ou perdas, de posses. Todos estes geraram para a humanidade as guerras e os conflitos que destruíram muitas e muitas vidas.

Muitas vezes não entendemos o que Deus desenha para trilharmos, sempre olhamos pelo lado humano e falho, com nossas conclusões baseadas na física matemática ou na história da humanidade ou nos nossos preconceitos, mas a verdade espiritual é outra e perfeita.

Veja os livros bíblicos do Velho Testamento, algumas das decisões humanas racionalizadas levaram povos a se dizimarem por completo, no entanto, quando Deus deixou o Povo Judeu ser escravizado no Egito, na verdade os preservou de serem extintos do planeta.

Nosso trabalho aqui é simples, mas sublime e de profunda importância;

Apenas lhes ministramos um pouco de vida, mas um pouco mínimo por menor que seja os mantém ativos até que iniciem uma caminhada de volta, mas esta decisão está em cada um deles, não devemos intervir, apenas dar-lhes a água, que é o conhecimento de uma única verdade.

Deus os ama de maneira incondicional. Eles aos poucos vão acatando este amor bem vagarosamente e suas mentes vão se cicatrizando. Alguns levam séculos para mostrarem uma pequena centelha, mas não desistimos de nenhum.

Os jovens aqui trabalham incessantemente, disse-me Erasmo, eles vêm de vários locais, alguns vêm do mundo físico, outros do plano dos espíritos. Todos são voluntários nesta obra, a maioria deles tem consciência do que estão fazendo, outros porem apenas seus espíritos reconhecem que fazem este trabalho, mas quando acordam em seu mundo já não se lembram, pois recebem descanso extra, revitalizante de seus corpos físicos.

Alguns destes meninos já sofreram, ou ainda sofrem em vida terrena os resultados do abandono por conta de pais que se suicidaram deixando-os a própria sorte. Outros apenas são voluntariosos e crescem em evolução prestando um serviço em amor ao próximo, pois em vida são impedidos de fazê-lo.

A caridade não tem local e não sofre restrições. Quando algum indivíduo é impedido de praticar caridade ou amor no meio em que está, imediatamente seu espírito tece a forma de exerce-la de maneira sublime em meio espiritual, ajudado pelos Maiores que sempre acompanham amorosamente o caminhar de cada um deles.

Imagine a você mesmo sendo cerceado de exercer sua criatividade inata, sua mente passa de imediato a construir formas e cores e mundos inimagináveis dentro de você para suprir sua necessidade profunda de exercer a seu dom. Assim funciona com o exercício do Amor.

Algumas pessoas vivem em plano terreno absolutamente rodeadas pela maldade, egocentrismo, mesquinharia e toda sorte de carnalidades, mas em seu íntimo, seu espírito deseja infinitamente praticar o bem. Isto é uma das mais difíceis provações. O Espírito se usa do desprendimento para exercer o amor e suprir o corpo com a essência deste ato sublime. O Conforto vem pela manhã.

Lembre-se das palavras ditas pelo sábio no Grande Livro, “...o choro poderá durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã...”

Ainda pensativo sobre aqueles pobres que sofrem na descida do desfiladeiro sem destino, comecei a imaginar o que lhes passava pelo pensamento, o que lhes vinha à consciência por conta do que fizeram com suas vidas, e como perderam as oportunidades divinas que lhes fora proporcionada.

Por instantes achei repugnante a ideia de que alguém pudesse desistir da vida desta maneira.

Nem sempre estamos certos, disse-me Erasmo conhecendo meus pensamentos.

Por algum tempo cada um de nós já esteve em lugar parecido com este, por um ou por outro motivo, estivemos vagando também por abismos profundos como resultados de nossas próprias decisões. Cada um de nós já experimentou sobreviver apenas com um cálice de fluído de amor, ministrado por algum bondoso doador. Alguns de nós vagamos por eras seguidas, sem rumo e sem consciência da realidade.

Sabe meu amigo, disse-me olhando para o mais distante do abismo em nossa frente, jamais deixe de olhar para cima, pois, ainda estamos em um nível de algum outro abismo, e como estes pobres que aqui assistimos, estamos carentes de alguma dádiva vinda do plano maior, ou nunca teremos oportunidade de nos redimir de nossas fraquezas, que são muitas.

Dependentes, somos todos.

Em certo momento, qual não se tem capacidade para prever, a consciência se abre, a realidade se mostra e começamos então a clamar por misericórdia, então esta se expressa imediatamente como um relâmpago.

Note, meu querido amigo, que nem todos descem para a penumbra, mas há outros que sobem mesmo com alguma dificuldade, esquecendo-se por vezes para onde decidiram ir, então param. Outros ainda retomam a descida por instantes, param ficam indecisos. Assim somos na vida terrena também.

Passei a olhar mais atentamente ao movimento dos moços.

Enquanto Erasmo se envolvia com a distribuição daquela água agora abençoada e dotada de alguma radiação especial, provinda do Alto, cujo efeito era certamente curativo e restaurador, eu observava.

Nem todos estavam a servir dos cálices, mas havia alguns outros que em grupos de três conduziam amorosamente alguns dos irmãozinhos aflitos naquele vale, eles os levantavam do solo e caminhavam calmamente até um ponto na superfície onde haviam inúmeros lençóis branquíssimos. Todos cuidadosamente estendidos sobre uma relva muito verde.

Confesso que não havia notado a presença daqueles lençóis ali até que olhasse para eles. Eram em bom número, qual eu não pude contar.

Os moços vinham calmamente trazendo aqueles aflitos e os deitando sobre os lençóis, que agora os envolvia como um cobertor de recém-nascido.

Dois dos três moços, com movimentos coordenados alçavam o irmãozinho, mas sem que fizessem qualquer esforço, já que o corpo doente praticamente pairava ao comando das mãos deles. O terceiro moço ficava posicionado em pé observando o leve movimento de transporte do doente que se iniciava.

Algo que para mim parecia-se a um vagão de trem, ou de uma composição magnífica surgiu logo acima da relva, de maneira sutil como se apenas aparecesse.

Sem um zumbido sequer, algo nada comparável ao que conhecemos. Pairava sutilmente no ar.

Grandes portas surgiram de sua carenagem como se o material se desintegrasse diante de meus olhos, e uma luz maravilhosa saia do interior desta nave.

Sem perda de tempo cada dois moços levavam para o interior da magnífica nave o enfermo que haviam preparado. Embarcavam silenciosamente e de maneira extremamente ordenada.

Os dois moços levitavam o doente para o interior do veículo certamente acomodando-o sendo assistidos pelo terceiro moço, feito isto, cumprimentavam-se com muita alegria e demonstração de afeto mutuo, sendo que o terceiro moço entrava também no veículo.

Os dois, abraçados e visivelmente alegres se juntaram aos muitos outros e começaram a entoar uma música intensa e maravilhosa, com vozes e contracantos que jamais poderei reproduzir.

Aquele veículo magnífico desapareceu assim como surgiu.

Neste momento senti uma presença próxima, olhei para o lado assustei me até...ERASMO, com seus grandes olhos me olhava com um sorriso de lado.

-Impressionado? Precisamos voltar.

Antes que eu respondesse, vi meus pés no gramado de casa como se nunca tivéssemos saído de lá.

Ao me voltar para despedir ou mesmo para apenas olhar ou oferecer um café, Erasmo já não estava mais ali.

As luzes na casa de cima ainda estavam acesas, minha Esposa e meu filho estavam lá. Voltei para o quarto, não sei como coloquei as roupas para dormir, mas me aconcheguei na cama e minha mente se embaralhou, deitei pensativo e em segundos o alarme do telefone tocou. Quinze para as cinco. Acordei disposto como nunca.

Vamos para mais um dia de trabalho intenso.

Giancarlo Morettoni
Enviado por Giancarlo Morettoni em 24/04/2017
Código do texto: T5980083
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