QUANTUM 14 - APARENTEMENTE INÓSPITO

UM LOCAL APARENTEMENTE INÓSPITO E SEM VIDA.

Tinha sido um dia normal de trabalho, com suas peculiaridades, seus emaranhados de problemas com clientes, telefonemas, assuntos profissionais de equipamentos de obras.

Nada que se tenha de especial para dizer, apenas um cansativo dia normal.

Cheguei em casa mais tarde que o habitual, já não estava disposto a uma grande refeição, então tomei um lanche leve com minha esposa que sempre me espera pacientemente apesar de sua jornada de trabalho também ser bastante árdua.

Lanchamos, conversamos um pouco sobre isto e aquilo, coisas de casa, dos filhos, do neto etc. Logo o cansaço nos venceu e fomos nos deitar.

Como de hábito liguei a TV para ver qualquer coisa enquanto minha esposa tratava-se naquele ritual feminino interminável antes de se deitar.

Adormeci mesmo sem vê-la se deitar. Praticamente apaguei em sono profundo.

Acordei muito lentamente, como se já estivesse passado toda uma noite. Levantei do leito, me vesti com algo leve pois a temperatura era agradável e a noite estava esplêndida, podia ver todas as estrelas pelo céu limpo do sítio.

A lua trazia sombras das árvores em volta de casa tornando a paisagem agradavelmente azul-prateada. Minha esposa dormia profundamente, cobri-a pois sempre sente frio.

Saindo pela porta de vidro logo vi o Frei que me esperava sentado no para-lamas de meu carro. Não olhei para nada, os cães estranhamente não me vieram saudar como sempre fazem.

- Difícil despertá-lo, disse o Frei, temos pouco tempo e muito para fazer.

Imediatamente senti um leve torpor, e uma brisa aquecida em meu rosto, já não sabia mais onde estava, era um sonho.

Deixei-me levar e procurava não me perder na confusão de minha mente.

Estava acordado ou sonhava?

Tudo estava muito real. Minha visão ficou duvidosa e nublada, como se estivesse mergulhado em um lago de aguas turvas, esta era a sensação, estava viajando por dentro de um imenso oceano abissal e nada podia ver com nitidez. Via silhuetas de sombras passando rapidamente por mim, escuridões e clarões igualmente se moviam muito rapidamente em instantes desapareciam, mas nada eu podia focar pois era tudo muito fosco, muito desfocado. Não havia horizonte ou um ponto de referência qualquer para me basear.

À medida que diminuía o ritmo da sensação confusa e sem parâmetro, senti que entravamos em um local de atmosfera pesada, quente, úmida, havia um emanar de calores vindos de todos os lados e os ventos eram sobremaneira quentes. Não tocamos solo, este aparentemente não havia.

Eu pairava, não soube como o fiz, mas pairava; porem me apoiava em minhas pernas como se pisasse algum solo, se precisasse me locomover o fazia sem esforço algum, bastava a intenção e o movimento era imediato.

Imagine qual tipo de esforço se faz ao mover um dedo, ou qual o esforço para girar o globo ocular para dirigir um olhar. Mover-me era tão instintivo quanto.

Quando fixei a visão que ainda era meio turva, percebi um mundo em chamas, com muitas colunas de fumaça de um negro avermelhado que emanava de um aparente solo mole como uma panela de polenta a ferver e borbulhar lentamente.

Centenas de gêiseres sopravam indefinidamente jatos de vapor que assumiam alturas colossais, não se podia ver o céu, as nuvens eram extremamente espessas e a atmosfera era castigada por tempestades elétricas constantes.

Havia um som muito grave e ininterrupto, como se algo muito pesado estivesse sendo torcido, comprimido ou arrastado.

Era um oceano infinito de uma lama espessa, escura e ardente, como um poço de piche em ebulição lenta.

Montanhas se elevavam e se erguiam lentamente em grandes alturas e volumes incalculáveis, e imediatamente se rompiam desde a crista se desfaziam emitindo bolhas imensas de vapor incandescente que se dispersavam na névoa da grossa atmosfera em espirais gigantescas como grandes furacões que arrasariam um continente inteiro na terra.

Minhas mãos começaram a suar, comecei um processo de desfalecimento, o medo tomou minha mente.

É um sonho, eu estou sonhando e vou acordar antes de arder neste lugar. Olhei para o Frei que surgiu ao meu lado a me olhar nos olhos fixamente. Outro surto de medo, queria gritar e fugir, mas a voz não saiu, os meus membros estavam petrificados.

Senti um calor em minhas mãos, um sentido agradável no meio daquele surto, parei de estremecer, fui recobrando a visão, o controle, tudo foi se acalmando bem lentamente. O Frei estava bem próximo. Tranquilo e sorridente.

Seu semblante me acalmou um pouco e tentei recobrar o domínio próprio que estava por perder.

- Você ainda insiste em olhar com olhos do corpo. Disse-me sorrindo o Frei.

- Mas este é um lugar físico, posso senti-lo. Percebo a vibração. Tenho certo medo disto.

- Não, não poderia, mas se o sente é porque seus instintos ainda estão ligados ao que é físico. Qualquer corpo físico conforme conheces não poderia sobreviver aqui.

Então seus alertas de sobrevivência se ativam e você sente medo.

Fechei os olhos e procurei estar em paz, aquilo não poderia me fazer mal algum era apenas o meu próprio senso de proteção agitando minha pineal e me fazendo dominar pelos instintos humanos.

“ ainda que eu andasse pelo vale das sombras da morte não temeria mal algum” Salmos 23

Já aprendera a discernir mundos de sonhos, mundos etéreos e mundos físicos, que coexistem em plena harmonia.

O que separa cada espécie de mundo não é seu conteúdo, posição ou sua característica, mas o que capturamos de suas emanações, e, certamente as que eu percebi daquele lugar eram completamente diferentes na visão e na percepção do Frei Ivo.

- Olhe com a mente, com sua sensibilidade. Procure por vida.

- Há vida aqui?

- Tudo vibra vida, absolutamente em todos os universos há uma grande emanação de ondas de vida, isto é o que move as águas. Nosso criador maior nos inseriu em uma grande expansão, onde tudo se harmoniza, tudo proclama sua Glória e confirma a sua maravilhosa e infinita criação.

“ os céus proclamam a Glória de Deus e o firmamento confirma as obras de suas mãos” salmos 19.

Durante este diálogo com o Frei, minha alma se aquietou lentamente e eu pude novamente ver com nitidez, então passei a olhar para aquele lugar que parecia não ter fim nem começo, era um grande vale de lavas ou de barro incandescente formando montanhas mutantes que migravam, se desfaziam e novamente se erguiam como uma dança sem sincronia.

As cores agora oscilavam de um verde escuro para um roxo profundo em alguns lugares, o verde parecia esmaecer dando lugar aos tons de violeta, escurecendo até o roxo profundo.

Sim, aquilo é vida, mas que espécie de vida?

- Aqui, filho, nascem rochas, grafite se transforma em diamante, chumbo se torna ouro.

Tudo fervilha, e tudo é triturado e reordenado. É um nascedouro, como outros tantos em tantos tempos e tantos universos. Nascem novos átomos, novas cadeias energéticas, novas moléculas e depois delas novas vidas, no mais primordial formato, na mais infinitésima parcela, mas há a Santíssima centelha do Criador Supremo, agitando constantemente as partículas para que elas se organizem.

A energia existente e ativa aqui é substancialmente maior do que aquela que emana de uma estrela que se desmancha num acorde divino.

Se você meditar sobre a Luz, vai perceber que há mais que um tipo. A Luz física, que é a que conhecemos e que através dela podemos ver fisicamente. È física, pois ao contatar com objetos físicos os transforma, e os faz gerar calore outras irradiações dependendo da intensidade e da incidência.

Mas há a Luz primordial, aquela da Criação que é impregnada de todas as possibilidades tanto físicas quanto não físicas.

Quando o Criador disse “haja Luz” de qual luz você entende que se refere?

Assim, se você observar estas emanações aqui presentes, sob a ótica física, verá rochas. Gases e emanações de rádio e outras energias observáveis, como vemos através dos mais potentes telescópios. Mas estamos sob a ótica primordial, que antecede todas as visões.

Olhe e reflita.

- São inteligentes? Volto a perguntar sobre as emanações, há compreensão neles? Há sentimento? Reside neles vontade ?

- Toda vida possui inteligência, percepção e compreensão, e o mais sublime; amor. É a centelha básica que inaugura um espírito, o amor.

Todo espírito nasce do Amor puro, é depositado pelo Criador Supremo.

Observe, agora pelo amor, não pelo sentido ou pela percepção ou pelo olho da ciência lógica.

Deixe o amor traduzir o que vê.

Pairei próximo daquela cena peculiar, acalmei minha ansiedade, observei e meditei por algum tempo naquilo.

Então havendo nela a centelha Santíssima do Criador, passei a amá-la. Não desejei mais compreendê-la, mas apenas aceitá-la e admirá-la como fruto do mais imensurável amor derramado sobre o nada inerte para que se tornasse vivo.

O processo de transformação da visão não é assim rápido nem mesmo simples, há que se desvencilhar dos próprios conceitos e da sua própria história. Ainda era contaminado pela aparência caótica e confusa que se mostrava ao redor, mesmo com a certeza que ali era um local de maravilhas.

A visão trazia angustiante desconforto, medo. De alguma maneira o que via ou o que sentia batia dentro de mim como algo tenebroso, o que era o inverso do que me estava indicando o meu mestre.

O que vejo contamina minha percepção de realidade, passo a sentir e vibrar de acordo com meus medos e meus rancores e preconceitos, assim, acabo por ver apenas o caos que está em mim mesmo refletido no ambiente como algo absolutamente inóspito.

Meu pensamento humano intui para o mal, então vejo o mal em todo o universo e este fica para mim desprovido de vida e de amor.

Lembrei do que disse Jesus para seus discípulos;

“Se teus olhos forem maus, tudo será trevas”

A realidade é um reflexo do seu interior.

Uma angústia profunda me tomou por completo; Acordei.

Senti minha cabeça pulsando como se todo meu sangue estivesse sendo bombeado de uma só vez para o cérebro. Sobressaltei no leito, minha esposa me chamou dizendo que eu emitia gemidos, parecia estar tendo um pesadelo, fez com que eu me virasse de lado e me acalmou.

Os pensamentos me vieram à mente, havia sonhado e me perdia nas lembranças que iam se misturando e se tornando ilógicas, o cansaço me venceu.

Apaguei novamente.

Cinco e meia, hora de sair da cama. O trabalho me espera.

Giancarlo Morettoni
Enviado por Giancarlo Morettoni em 21/04/2017
Código do texto: T5977231
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