Etimologia da Língua Portuguesa Nº 69

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº69.

Autêntico, aplicado tanto a pessoas quanto a documentos, teve origem no grego authentikós, principal, primordial, autêntico. Já radicais, que não são novidade na vida política de muitos países, veio do latim radicale, cuja origem é radix, raiz.

Autêntico: do grego authentikós, principal, primordial, autêntico. Em grego, authéntés designava o senhor absoluto. Passou ao latim authenticu, designando o que tem autoridade, válido, aprovado. É aplicado a pessoas e também a documentos, que precisam ter a validade reconhecida por autenticação, sobre tudo em cartórios. Autêntico está na língua portuguesa desde 1344, mas no século XIII era grafado outentigo. O filósofo alemão Martin Heidegger ( 1889 – 1976 ) descreve a existência autêntica como aquela que assume plenamente sua inarredável condição mortal, aceitando em decorrência a angústia que só poderia ser dissimulada na banalidade cotidiana. Na política brasileira, os autênticos mudaram muito, cedendo aos radicais, ora abrigados no PT, que também mudou. Em 1985 expulsou os três parlamentares que votaram a favor de Tancredo Neves ( 1910 – 1985 ) nas eleições indiretas para a presidência da República. Vitorioso, o eleito não pode assumir porque estava enfermo. A doença o levaria à morte em 21 de abril daquele ano. Tancredo, porém, sabia conviver com os seus radicais no PMDB, reunidos sob a denominação de autênticos, entre os quais estava um deputado que, mantido pelo vice-presidente José Sarney no ministério da justiça, acabaria com a censura. Fernando Lyra, hoje presidente da Fundação Joaquim Nabuco e assim definido pelo ministro da Educação, Cristovam Buarque, quando o nomeou: “ Um político pernambucano ilustre, com capacidade de ouvir, dialogar e conciliar divergências.”

Comercial: de comércio, do latim commercium, formado talvez a partir de com e mercis, caso genitivo de merx, mercadoria, aquilo que se compra e se vende. Diz-se de livro, filme ou pintura de sucesso e venda rápida, que exigem pouco ou nenhum esforço intelectual do público. Designa ainda o anúncio, sobre tudo no rádio e na TV, inserido nos intervalos entre um seguimento e outro da programação. O escritor Manoel Bastos Tigre ( 1882 – 1957 ) definiu deste modo tal peça publicitária no poema Anunciando: “ O anúncio quando é bem feito criado com muito jeito,/ convence mãe, filho ou pai./ Se o anúncio disser com arte/ que vá a esta ou àquela parte,/ garanto que você vai.”

Filologia: do grego philêin, amar, e logos, estudo, tratado, pelo latim philologia, amor às letras, à instrução, ao estudo, tendo também o significado de erudição. A etimologia latina para erudito radica-se em ex-rude, aquele que deixou de ser rude, inculto. Aprender exige intensa bunda-cadeira-hora. E pesquisar origem de palavras requer ainda muita paciência. Para Jorge Luís Borges ( 1899 – 1986 ),” os implacáveis detradores da etimologia argumentam que a origem das palavras não ensina o que elas agora significam; os defensores podem replicar que ensina, sempre, o que elas agora não significam. Ensina, verbi gratia, que os pontífices não são construtores de pontes; que as miniaturas não estão pintadas com mínio; que a matéria do cristal não é gelo; que o leopardo não é um mestiço de pantera e de leão; que um candidato pode não ter sido cândido; que os sarcófagos não são o contrário dos vegetarianos; que os aligatores não são lagartos; que as rubricas não são vermelhas como o rubor; que o descobridor da América não foi Américo Vespúcio e que os germanófilos não são devotos da Alemanha.”

Radical: do latim radicale, cuja origem é radix, raiz. Tanto no sentido denotativo quanto no conotativo designa base, fundamento, origem, tendo sentido semelhante no grego rhíza. Na política, os radicais não são novidade, no Brasil como em outras nações. A novidade desconcertante, que deixa perplexas autoridades governamentais e dirigentes do Partido dos Trabalhadores, é que os radicais combatam os rumos tomados pelo governo nesses primeiros meses de 2003, criticando os superiores, alguns dos mais radicais do que eles .Em décadas recentes, figuras de relevo no chamado núcleo do poder exercido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva pagaram com a prisão, a tortura e o exílio por idéias que tiveram que se amoldar aos novos tempos, vez que fracassaram no sonho de conquistar o poder por luta armada. Consultemos o Diccionário da Língua Portuguesa, de Antônio de Moraes Silva ( 1757 – 1824 ), carioca que, perseguido pela Inquisição e pelo o Santo Ofício, refugiou-se na Inglaterra, deixando inconclusos seus estudos de jurisprudência na Universidade de Coimbra. Ele definiu radical, em 1789, com essas palavras: “ Na Inglaterra e outros países, chamam assim ao que pede a reforma radical do systema de governo, e do systema eleitoral, e a extirpação até a raiz de todos os abusos.” De lá para cá, houve muitas mudanças, até em nossa língua, que passou de portugueza a portuguesa; no diccionário, que mudou para dicionário. Paiz virou país. Systema, sistema . Os radicais mais notórios do PT já perderam um de seus membros, o deputado Lindberg Farias, e compõem agora um triunvirato com a senadora Heloísa Helena e os deputados federais Luciana Genro e João Batista Babá.

Deonísio da Silva doutor em Letras pela Universidade de São Paulo em escritor, autor de Os Guerreiros do Campo e A vida Íntima das Palavras ( Siciliano ). Entre outros 27 livros. E-mail: deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2003

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 27/02/2017
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