Etimologia da Língua Portuguesa Nº68

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº68

Camelô ganha nobreza quando notamos que deriva do francês chamelot , precioso tecido de pele de camelo. E malabarismo tem um toque exótico: sua origem está ligada a Malabar, costa da Índia.

Camelô: provavelmente de camelot, palavra originária da Normandia, derivada do francês chamelot, designando tecido de pele de camelo, chameau em francês. Vendedores das ruas anunciavam aos berros o tecido, que nem sempre era de camelo, mas de cabra, enganando o público. Existem registros de camelot na língua francesa em 1248. Em 1539 temos o verbo cameloter, vender quinquilharias, objetos ordinários, proceder sem polidez. Em 1596 encontra-se o registro da gíria coesmelot, diminutivo coesme, designando o vendedor sem estabelecimento, ambulante que escolhe lugar na rua para oferecer suas mercadorias. Em 1751 aparece camelote, mercadoria grosseira, de acabamento insuficiente . Terá havido influência do árabe khamlat , designando o tecido rústico, apregoado aos gritos nas antigas feiras livres, e do espanhol camello, que além de indicar o animal aplicava-se também ao traficante de drogas.

Fila: do latim fila, plural de filum, fio. Os primeiros alinhamentos das pessoas em fila remontam à vida na selva, quando um dos indivíduos interessados em entrar na mata ia na frente, abrindo caminho para que os outros seguissem. Veio daí provavelmente a expressão fila indiana, percebida pelos portugueses quando chegaram à Índia e ao Brasil. Ao chegarem aqui, aliás, pensaram ter aportado à Índia, denominando índios aos nativos. Indiano, do latim indianus, já aparece no Canto I, de Os Lusíadas :”Está do Fado já determinado/ que tamanhas vitórias, tão famosas/ hajam os portugueses alcançado/ das indianas gentes belicosas.” Nos Estados Unidos a fila indiana é denominada single file, fila por um. Mas a palavra está presente na língua inglesa, dando nome a um dos Estados americanos, cuja capital é Indianápolis, famosa por seu circuito automobilístico. De resto, a fila indiana tem sido recurso de larga aplicação em escolas, conventos, prisões, bilheterias de cinemas, teatros, estádios. E Indiana Jones dá nome ao arqueólogo e explorador personagem do filme. Os Caçadores da Arca Perdida, que enfrenta complexas peripécias para arrebatar das mãos dos nazistas o que resta da Arca da Aliança, objeto sagrado dos judeus no qual eram guardadas as Tábuas da Lei. Tendo estreado em 1981, com Harrison Ford no papel de Indiana Jones --- na época o ator era ainda galã, mas hoje já parece com prazo vencido --- , teve continuações com Indiana Jones e o Templo da Perdição e Indiana Jones e a Última Cruzada . Neste último, a busca é pelo Santo Graal, nome que a tradição consolidou para o cálice utilizado por Jesus na Última Ceia. Os filmes fizeram tanto sucesso que resultaram em videogames de grande demanda.

Malabarismo: de Malabar, na costa ocidental da Índia. Designa espetáculo em que artistas, em circos ou nas ruas, demonstram destrezas e agilidade na manipulação de objetos, jogando-os para o alto e recolhendo-os sem deixar cair nenhum. O desempenho pode incluir prestidigitações exímias. Em anos recentes, malabaristas, em geral jovens pobres do subúrbio, vêm se apresentando nas ruas de São Paulo, utilizando também tochas de fogo nas exibições aos motoristas, de repente constituídos compulsoriamente em seu público por força do sinal vermelho nos semáforos. Feita a rápida apresentação, recolhem eventuais gorjetas.

Mania: do grego manía , loucura obsessão, ideia fixa recorrente. Na literatura feita por mulheres, aparecem com frequência manias e obsessões temáticas, uma das quais é a solidão. Mas muitos dos temas que lhes são caros encontram-se também em autores masculinos, retomando o sentido bíblico presente no Gênesis, quando Adonai Eloim cria o homem, com justiça e misericórdia, e a mulher instituindo depois a partilha, a separação de corpos e reintegração pelo amor, traduzido como união, casamento. Os tradutores tropeçaram ali pela primeira vez! São Jerônimo ( 347 - 420 ) e sua parca experiência feminina, celibatário que era, incorreu em erros bem tangíveis sobre o tema em sua Vulgata, na qual a mulher aparece como causadora de todos os sofrimentos humanos.

Sozinho: do latim solus, feminino de sola, ambos com o significado de só, ao qual foram acrescentados os sufixos inho,inha. A Bíblia e a Torá recomendam que ninguém fique só. Ainda no Gênesis, Deus diz: “ Não é bom que o homem esteja só “. E sabedoria dos rabinos recomenda que o celibato seja evitado. Mas recomenda que primeiramente o homem arranje uma casa e plante uma vinha, que indica lugar para morar e meio de sustento para ele, sua mulher e os filhos que ambos vierem a ter.

Deonísio da Silva doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e escritor, é autor de Os Guerreiro do Campo e A Vida Íntima das Palavras ( Siciliano ), entre outros 27 livros. E-mail: deonisio @terra.com.br

Revista Caras

2002

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 23/02/2017
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