LOUVOR E CULTO AS DIVINDADES- Um misto de medo e ambição da condição humana

De antemão, aos que se ofendem por pouca coisa, deixo claro que nesse texto faço uma análise do comportamento humano mediante os ritos de contato com as divindades. Não quero demonizar nem endeusar qualquer forma ou rito litúrgico, mas através da reflexão, possivelmente mostrar que aquilo que poderia nos libertar é exatamente o que nos oprime e que a solução para os problemas sociais estar mais na visão horizontal do que na vertical.

Para quem acredita na bíblia e a tem como sendo literalmente verdade todas as suas histórias, deixo registrado que foi após um ritual de culto, louvor, ou adoração que o primeiro homicídio aconteceu. O primeiro sangue humano derramado por outro humano, ocorreu exatamente após um momento de “religare”, após um momento em que o divino deveria tocar o humano e deixa-lo mais humano, mais amável em relação ao seu semelhante. Não foi numa rave regada de drogas, balada, seresta, carnaval, uma orgia sexual, ou numa briga de transito. Foi logo após um “culto”. Segundo o que estar escrito, a divindade em questão aceitou a oferta de um irmão e rejeito a do outro irmão sem motivos aparentes, sem explicação nenhuma. As explicações que são dadas são apenas conjecturas teológicas ou tradições orais de que um deles fez mais o rito mais bem feito ou tinha um coração mais puro, mas o texto não diz isso.

Para quem acredita nas tradições orais cristãs sustentadas pela igreja católica, tidas como verdades, apesar de não estar escrito em nenhum lugar da bíblia, foi nos céus, após um culto, que o anjo de luz chamado Lúcifer, teve seu coração mudado, pois desejou estar no lugar de Deus, querendo ser Deus, recebendo adoração em Seu lugar. Volto a lembrar que segundo essa própria crença, o céu era um lugar em que a corrupção jamais poderia entrar sob qualquer hipótese, pois eram todos seres perfeitos e angelicais e somente coisas boas fluíam de lá. Não foi num navio pirata cheio de marujos ambiciosos e depravados, não foi numa associação mundial de banqueiros que brigam pelo controle da economia mundial, não foi num beco de fumo onde jovens semianalfabetos com armas militares brigam pelo direito de entorpecer o maior número de pessoas possíveis, ou no congresso nacional. Foi nos céus, no paraíso, lugar de gloria e perfeição onde tudo isso aconteceu, segundo a tradição oral cristã de quase 2 mil anos. Logo após um culto, ou milhares deles que esse episódio aconteceu, afinal, a crença cristã medieval herdada pelos cristão de hoje, acredita que ninguém faz nada nos céus a não ser estar prostrado de dia e noite aos pés da trindade adorando e cantando louvores a eles por toda eternidade (quem sabe foi o tédio quem causou a revolta nos seres angelicais!). Me parece que o “religare” dos anjos, que deveria deixá-los mais angelicais teve efeito contrário também. Não vale dizer que foi o pecado, pois estar escrito em alguns trechos da bíblia em letras garrafais que no céu não entra pecado. Qualquer desculpa envolve conjectura e fé no improvável.

Quero lembrar aos que tem uma noção básica de história universal, que as maiores crueldades já praticadas contra o homens pelo homem, e em animais também pelo homem em todos os períodos da história oficial e não oficial e até menos de 150 anos atrás (em alguns países da Àsia e África realizam sacrifícios de animais em rituais litúrgicos até hoje), eram realizados antes, durante, ou depois de algum culto a uma divindade. Estar tudo escrito nos registros históricos e livros tidos como sagrados das mais diversas culturas. Vemos e não enxergamos. Ouvimos mais não percebemos por que fomos induzidos a entender do modo mais favorável a quem controla a situação. Os judeus sacrificavam sem limites enormes quantidades de animais. Salomão de uma única vez sacrificou mais de 500 mil animais para um deus bebedor de sangue e cheirador de carnificina que hoje muitos acreditam ser o Deus verdadeiro, apesar de não ser. Babilônios, sírios, assírios, hititas e vários outros povos de origem semita, sacrificavam aos montões jovens, virgens e crianças aos seus deuses. Aqui nas américas, tínhamos um gigantesco número de sacrifícios humanos diários. Houve um dos regentes que cortou a cabeça de mais de 20 mil pessoas em apenas uma semana de festival de culto e louvor a essa divindade. Já falei com mais detalhes em outro texto sobre isso.

Com as conquistas espanholas e portuguesas dos últimos cinco séculos, foi necessário mão de obra escrava de povos que não estavam preparados para se defender. Com a expansão do comercio, expandiu-se também a fé cristã e suas liturgias, algumas delas maculadas no sofrimento e dor alheio. Católicos e protestantes, apesar de viverem em eternas brigas para defender suas ideologias doutrinárias, se uniam num ponto, bem em frente as igrejas, nas praças principais ou pelourinhos, após um ritual de culto cristão dominical, para verem escravos sendo espancados até a morte por crimes que nunca cometeram, cujos crime maior era lutar pela própria liberdade. Ofereciam a liberdade da alma áqueles povos, enquanto escravizavam seus corpos. Depois de um culto, um ritual macabro de dor, sofrimento e sangue! De crianças a velhos, todos pareciam estar possuídos de um êxtase em ver o sofrimento alheio. Tudo depois de um culto ou missa...Já notaram que isso se prolonga a milênios? Sempre me perguntei por que certas divindades gostam do sangue, dor e sofrimento como oferta. Será que realmente são divindades do bem esses seres cultuados dentro dos ritos semitas e seus derivados? Ou será que....Algo a se pensar...

A história dos principais ritos de cultos, bem como os rituais de adoração as divindades estão intrinsicamente mergulhado em sangue e sofrimento alheio. Quando não é sangue humano é de animais. Não estar apenas manchado. Estar afundado, submergido, afundado em dor e sofrimento do ser alheio. Me parecer que o liquido vermelho responsável pelas funções vitais é o verdadeiro néctar dos deuses ao longo dos tempos.

Recentemente vemos circular na internet pessoas admiradas e quase convencida da “bondade” dos presidiários do norte do Brasil, que apesar de estarem se matando entre facções dentro do próprio presidio, fizeram uma pausa para um culto religioso...”plac, plac, plac”... eu também bato palmas, só que zombando da hipocrisia desses rituais litúrgicos que para nada servem, pois após um culto, voltam as matanças. Já falei dezenas de vezes em minhas publicações que quem dar louvor geralmente que quer favor, e nosso modelo de culto é o mesmo há milênios sem nenhuma mudança, pois mudam apenas o nome da divindade adorada, mas a intenção é a mesma: dar louvor a uma entidade em troca de proteção pessoal, prosperidade e destruição dos inimigos. Sempre assim. Não importa se o deus se chama Baal, Dagon, Mamon, Jeová, Jesus, Astarote, Odim, Santo Antônio ou seja lá qual for a divindade. Nossa intenção é a mesma. Não é a intenção do bem universal, mas do bem pessoal e individual mesmo que custe a vida de outros. Pra que serve um culto desse? Apenas pra deixar pior o que já estar ruim e mais nada! Quem você acha que recebe uma oferta dessa? Um ser do bem não é! Uma divindade que se preza não exigiria nada de quem quer que seja, já que diz que eles são completos de tudo e deles provem tudo. Se tudo é deles por eles e para eles, nada do que façamos ou deixemos de fazer mudará a essência deles, a menos que eles não sejam que nós pensamos que eles são.

De um índio “sem cultura” no meio da floresta, ao mais imponente dos empresários que prestam culto numa luxuosa igreja a qualquer que seja as divindades, todos eles carregam sem perceber três componentes básicos inseridos em si em relação ao dar louvores as divindades: medo, ganancia e falta de conhecimento próprio. Raramente carregam o sentimento de gratidão, que deveria ser demonstrado para com as pessoas principalmente.

Antropólogos na Amazônia por exemplo, estão em brigas constantes com missionários cristão para defender alguns direitos tribais, pois em algumas tribos da Amazônia, chefes de família ainda enterram crianças vivas de 0 a 12 como oferta aos deuses na intenção de que suas colheitas e caças sejam produtivas. Antropólogos dizem que não se pode interferir na cultura alheia pois o índio estar para a terra assim como o peixe para o mar. Missionários argumentam que isso é crime e tem que acabar. Concordo com a segunda opinião.

Por outro lado, vemos casos semelhantes todos os dias nas igrejas e ninguém fala nada. Veja: Silas Malafaia teve de se explicar em rede nacional recentemente sobre uma doação de 100 mil reais que recebeu de uma pessoa de sua igreja. Ele disse que recebeu essa oferta após uma oração feita a tal pessoa. Irritado com os comentários, ele disse que aquilo era pouco, e que já recebera de uma única pessoa, um empresário, uma oferta de 500 mil reais. Já pensou? Qual o sentimento que envolve o índio “sem cultura” e o grande empresário que fez essa enorme doação? Medo do futuro e vantagem sobre outras pessoas ! A crença nos deuses podem até serem diferentes, mas a intenção é a mesma. Os missionários cristão não criticam a ação do cara que fez essa incrível doação por que julga ser um ato divino, enquanto a ação do índio como algo maligno. Mas analisemos os fatos: o índio, assassinou o próprio filho, apenas uma pessoa eu diria. Já o cara que fez essa doação gigantesca, poderia matar literalmente a fome de pelo menos 100 famílias de até 4 pessoas durante um ano inteiro, mas não o fez, preferiu dar a uma única pessoa que não precisa de mais nada, pois se considera um dos pastores mais ricos do Brasil. Percebe o erro? Vou desenhar: segundo a própria bíblia, quem pode fazer o bem e não faz é tão “pecador” quanto aquele que vive a fazer o mal. Nesse caso, um tipo de doação dessa é tão maléfica quanto o ato de enterrar viva uma criança, só que um “adorador” será chamado de filho do diabo e outro de financiador da obra de Deus...por que? Por que fomos ensinados a pensar assim, e quem pensa ao contrário é logo reprimido.

Esse rito de culto baseado no medo e ganancia não estende-se apenas aos deuses. Fazemos isso diariamente de forma que nem percebemos. Nas empresas, nas igrejas, nos meios políticos e acadêmicos. Chefes desavisados quando são bajulados o tempo todo confundem isso com amor, acham que estar sendo amado por seu bajulador, mas na primeira oportunidade o bajulador passa logo a rasteira e assume a posição do seu ídolo. Salvo em casos em que seja regra a bajulação para poder subir na hierarquia, basicamente quase todo sistema de relações humana estar baseado nessa falsa troca de afeto. Quando não a deuses imaginários, são a homens comuns ou sanguinários! A cura desse mal de nossa espécie reside em nos olharmos de igual para igual independentemente da posição social, financeira ou eclesiástica. Não há melhor nem pior, superior ou inferior, apenas humanos vivendo o resultado de suas escolhas ou falta delas.

Medo do castigo superior! Medo do inferno! Medo da fome! Medo do amanhã! Medo de conflitarmos nossas próprias afirmações…medo, medo, medo, medo....Que triste realidade de nossa raça. Então louvamos aos deuses que criamos para nos sentirmos seguros. Até o deus cristão a quem se atribui todo amor só te dar duas opções de escolha: ou você O adora para ir para os céus, ou O adora para ele não te lançar no inferno...Há quem chame isso de livre arbítrio. Estranho arbítrio quando as duas opções te levam a uma ação forçada.

O ato de adorar não muda nada em ninguém a não ser o bolso daqueles que inventam os ídolos quais se devem adorar. Adorar, cantar, dançar, podem nos levar a um estado de transe agradável como se estivéssemos em outra dimensão. São experiências que só servem para quem o faz naquele momento. Estado de transe também se alcança no carnaval, no candomblé, numa leitura concentrada e até no uso de ervas alucinógenas. Do mesmo modo serve apenas para que pratica naquele instante. Depois do ato o vazio ou o vício (que o diga os usuários de entorpecentes). Reflexão, ação, observação e reação mudam as pessoas mais que adoração num ritual de culto. As pessoas que mais mudaram o rumo da história mundial e trouxeram equilíbrio entre os povos não foram adoradores, foram pensadores, filósofos e legisladores. O braço religioso do estado (a religião) é requisitado apenas quando as mudanças sociais não são engolidas facilmente pelo povão, então chama-se os sacerdotes para conjurar maldiçoes ao povo segundo sua própria crença, desse modo o povo amolece e políticos deitam e rola. Que o diga Constantino e outros que se valeram do poder da crença coletiva para reescrever a história humana.

Volto a lembrar aos adoradores de carteirinha que ofertam tudo aos deuses que a tudo possuem e nada ao menos favorecido, que se o paraíso for real, a ideia de uma eterna adoração incessante a um ser superior, seria tão ridícula quanto a ideia de espetadas eternas no traseiro dos outros por se recusar a adorar esse mesmo ser. Somente pessoas mal resolvidas querem o tempo todo que outras lhes digam que elas são o que não são ou que são o que são. Quem é, é! Não faz questão de ser lembrado o tempo todo pelo que ele mesmo já sabe. No ponto de vista dos adoradores, as divindades cultuadas são seres pobretões ou extremamente mal resolvidos, pois fulminam qualquer um que não disser seus atributos diariamente de forma falada, escrita ou cantada. Tomem como exemplo uma simples camponesa da zona rural que basta um banho de cuia, na beira de um brejo, depois de uma dia escaldante no trabalho na lavoura pra ela se sentir linda, maravilhosa, bonita para si, para seu marido e seus filhos. Agora veja o exemplo das socialites, “celebridades” e mulheres corruptas de políticos, que fazem plásticas quase que mensalmente, se cobrem todas de joias, roupas e perfumes caríssimos, e se depois de tanto esforço ninguém fizer um comentário nem que seja negativo, ela se viram no capeta, entram em depressão ou querem morrer. Percebeu? Parece que os deuses que cultuamos costumam ser seres mal resolvidos, que se um crente passar 80 anos na igreja, ofertando, dizimando, cultuando todo dia, mas se um dia antes de sua morte dar uma vacilada e não disser que ele é santo lindo e maravilho...vai pra xilindró eterno rapidinho. Quer barbaridade! Quando isso tudo começou não se sabe ao certo. Quando vai parar só depende de nós!

Precisamos rever urgentemente vários conceitos em relação aos deuses. A adoração é uma delas. Alguns minutos de reflexão sobre o que fazemos, para quem fazemos, por que fazemos, que resultados já obtivemos e onde vamos chegar, valem mais do que 5 horas diárias de adoração a uma trindade, ou ao panteão completo dos deuses. Ou estamos o tempo todo de cara no chão ajoelhados, ou estamos feito tontos de cara pra cima e mãos levantadas para render louvor e cultuar as divindades. Precisamos passar mais tempo olhando na horizontal, na altura dos nossos olhos, olhando outros seres iguais a nós, aqueles que são feitos do mesmo material orgânico que nós, que sentem fome, frio e sangram. Os deuses são completos e imortais, e até onde se acredita são auto existentes, autossuficiente, eternos e imortais. Nessa perspectiva, era pra estamos eternamente em berço esplendido e eles nos servindo, já que tudo tem e nada lhes faltam e não nós servindo a eles. Em nossa sociedade falha e injusta como costuma ser, o que acontece com um pai que põe suas pobres crianças para trabalhar, enquanto ele fica o tempo todo deitado no sofá, sem nada fazer, e ainda maltratando quem não faz tudo que ele manda? Chama o conselho tutelar, chama a polícia, chama o juiz, chama qualquer coisa. Pelo modo como vemos os deuses cultuados, eles se parecem com esse pai malvado e nós como as crianças sofridas, só que por opção própria mesmo.

Mais ação pessoal, reflexão sobre as próprias atitudes e reação as mudanças e menos adoração a tantas divindades! Só quem lucra com culto é dono de igreja e toda produção comercial religiosa! Os demais são apenas objetos do culto, ovelhas a serem desdenhadas. Se Deus é onipresente ele alcança sua adoração em qualquer lugar em que você estiver e não precisa de muita coisa, apenas um coração puro seguido de ações puras. Se culto libertasse ou transformasse alguém nas igrejas não haveriam picaretas e mau caráter. Qualquer um que tem bom caráter ou sofreu mudanças para o bem foi por que parou, repensou sua vida, juntou forças ou achou força externa para mudanças. Não foi um culto ou adoração quem o mudou. Vergonha na cara de uma pessoa que se respeita é mais forte que oração de vigário velho!

Um local de culto também pode ser um excelente local de encontro e confraternização entre os membros. Celebramos a vida, as amizades, compartilhamos problemas e encontramos soluções. Nisso sim, há alguma utilidade o rito de culto. Fora isso, nada acrescenta ou diminui ao ser qual se presta adoração. Nem todo que diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus...fica a diga de uma figura importante.

Abaixo a hipocrisia liturgica! Mais respeito ao homem. Mais conhecimento sobre as divindades para não viver sobre o temor delas!

Texto escrito em 22/1/17

*Antônio F. Bispo é Bacharel em Teologia, Estudante de Religião em Filosofia e Capelão Ev. Sem vínculo com denominações religiosas desde 2013.

Ferreira Bispo
Enviado por Ferreira Bispo em 23/01/2017
Reeditado em 05/02/2017
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