Etimologia da Língua Portuguesa nº 63

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da silva nº63.

De olho nas filhas solteiras, os pais davam-lhes para dormir alcovas, do espanhol alcoba, quartos sem janelas. Daí veio alcoviteira, que tece encontros ilícitos. Quanto ao dropes,do inglês drops, gotas, foi imortalizado na música Flagra, que trata do escurinho do cinema.

Alcova: do espanhol alcoba, radicado no árabe al-qúbba, cúpula. No espanhol como no português, passou a designar pequeno quarto de dormir, junto a uma sala ou a outro quarto maior. Terá contribuído para tal denominação o teto arredondado dos recintos e atenda dos acampamentos, que também recebeu no árabe o significado de alcoba. No Brasil consolidou-se como quarto de dormir sem abertura para o exterior, utilizados tanto para que os pais pudessem melhor controlar a vida das filhas casadoiras quanto para encontros amorosos ilícitos, derivando daí alcoviteira, pessoa que leva outros à alcova .O jornalista Augusto Nunes utilizou o vocábulo para designar o aposento de um dos maiores bandidos brasileiros ,conhecido como Fernandinho Beira-Mar: “Tecnicamente, Beira-Mar tivera confiscado o direito de ir e vir. Mas movimentava-se para quê, se ali mantinha o escritório de negócios, o restaurante, a alcova e a sala do trono? Valendo-se de celulares ou de ordens dadas de viva voz, seguiu comandando a mais poderosa e temível quadrilha do Rio. Ordenou seguestros ,atentados, execuções; fez o que quis. Quase sempre com o sorriso do psicopata feliz. Se lhe batia a fome, mandava o carcereiro buscar uma pizza na esquina. O bando de Beira-Mar só tem barrigudos, singularidade muito brasileira.( No resto do mundo, há prisioneiros fortes ou musculosos. Mas não há barrigudos. ) Se lhe vinha a vontade de organizar banquetes, examinava os cardápios dos melhores restaurantes do Rio e escolhia os pratos da hora. Os próprios policiais buscavam a comida e a bebida. Buscavam também mulheres, se o apetite a atender era o sexual. Bangu-I foi palco de orgias que poucos filmes pornográficos já mostraram. Reformado pelo governo do Rio, o pretexto de aperfeiçoar o esquema de segurança, Bang-I só teve melhorado o aspecto do lar dos bandidos. Quando alguém ousou modificar os ritos do lugar, Beira-Mar mandou mostrar quem mandava no Rio. Acabou na cadeia de Presidente Bernardes.” Inocentes mocinhas do século XIX não tinham no lar nada que se parecesse com a liberdade de prisioneiros de alta periculosidade. Era a casa dos pais que por vezes semelhava presídio de segurança máxima, como se vê nesse trecho do escritor português Antero de Figueiredo (1866-1953): A cavalgada subira silenciosa, achegada aos muros, a postar-se à entrada das casas onde Maria Teles dormia em recâmaras ( alcovas) de fortes portas.”

Corromper: do latim corrumpere, corromper, romper, destruir. Já a etimologia da palavra sugere cumplicidade, ato ilícito praticado em parceria. Cobrindo vários significados, indica desde a ferrugem que corrói o ferro até o bandido de dentro da cadeia corrompe funcionários dos poderes encarregados de vigiá-lo. Na linguagem popular, é utilizada a expressão “ comer bola” para designar a ação de coleta do beneficiário do corruptor. Talvez por indicar que o funcionário corrompido receba bem mais do que precisava, os antigos romanos já tinham cunhado a expressão bovem habet in língua ( ter o boi na língua ), significando guloso, empanturrado com as benesses ilícitas. A bola, no caso, entrou pela forma com que vinha a corrupção, embrulhada de forma arredondada, disfarçada de bola. Também a boca cheia demais dá forma de bola ao rosto do guloso,em geral ainda mais arredondada do que já é nosso rosto por acúmulo de gordura.

Dropes: do inglês drops, plural de drop ,gota, pingo. Existe igualmente na língua portuguesa a forma drope, mas é provável que, à semelhança de lápis, acabe prevalecendo dropes. A caminho do português, pode ter havido influência do alemão, tropfen , gotejar, sair aos poucos e talvez por isso em Portugal drope indique o mendigo, que pede e recebe pouco, pedacinho de pão ou de qualquer outra coisa em forma de esmola, de que são exemplos as pequenas moedas. Dropes passou a designar também as pequenas notícias, publicadas em espaços exíguos na imprensa. Rita Lee e Roberto de Carvalho utilizam a forma americana drops em conhecida canção, intitulada Flagra: “ No escurinho do cinema/ chupando drops de aniz/ longe de qualquer problema/ perto de um final feliz.”

Deonísio da Silva, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e escritor, é autor de Os Guerreiros do Campo e A vida das Palavras ( Siciliano), entre outros 27 livros. E-mail: deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2002.

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 15/01/2017
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