Sobre Resiliência...

     “Resiliência é a capacidade que o ser humano possui de lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas – choque, estresse, etc. – sem entrar em surto. Trata-se de uma tomada de decisão quando se depara com um contexto entre a tensão do ambiente e a vontade de vencer. Essas decisões propiciam forças na pessoa para enfrentar a adversidade. Assim, trata-se de uma combinação de fatores que propiciam ao ser humano condições para enfrentar e superar problemas e adversidades”. (Dr. George Barbosa)

     No processo evolutivo, ser resiliente representava sobreviver fisicamente às adversidades impostas pelo meio. Dessa forma, aquele que não a colocava em prática estava condenado à extinção, e isso pela lógica insana da Seleção Natural. Nos dias atuais, encaro a resiliência como o mecanismo de sobrevivência da alma, pois as comodidades da sociedade moderna permitem que alimentemos o nosso corpo físico da forma mais venenosa possível, permitindo-nos apenas uma sobrevida vazia, e explico o porquê: Nessa era de relacionamentos fluídos, descompromissados com tudo e com todos, entregamo-nos à ditadura do relógio, com horários para tudo.

     Disciplinamos-nos de forma robotizada, alienada, e dessa forma nos alimentamos mal, dormimos mal, amamos mal e descompromissadamente. Desperdiçamos oportunidades ímpares de crescer como indivíduos em troca da incansável busca do palpável, do cômodo, do oportuno. Entregamo-nos a um trabalho estressante, quantitativo, que existe para atender única e exclusivamente nossa sociedade de consumo e nossa voracidade capitalista.

     Deixamos de lado valores essenciais, olhares, toques e sentimentos que poderiam aliviar, significativamente, esse vazio profundo que, por vezes, toma conta do nosso ser. Olhamos para os outros como adversários, num mundo competitivo que lembra muito a luta dos homens primitivos pela sobrevivência física. Aliás, hoje essa sobrevivência física acaba sendo garantida pela prática assistencialista, que garante o alimento, mas não oferece a oportunidade de crescimento, principalmente quando o indivíduo deixa de responder aos anseios quantitativos da sociedade moderna.

     Mas, e a sobrevivência da alma? Como alimentar a esperança, o anseio da mudança, o sonho? Como satisfazer-se fazendo aquilo de que gosta, de forma a prover-lhe o básico e garantir-lhe a satisfação e o sorriso no final do dia? Como acordar pela manhã sabendo que terá a grata surpresa de novas oportunidades batendo à sua porta, surpreendendo-lhe com chances muitas vezes grandiosas de conhecimento e reconhecimento? Como esperar mudanças para sua vida num mundo sempre tão igual, tão competitivo, tão impessoal, tão virtual, tão seco?

     Há exatamente quinze anos eu me via assim: um professor requisitado, dando 70 aulas por semana em classes de ensino fundamental, ensino médio e cursinhos.Quando tocava o telefone e recebia mais um convite, eu recusava sem fechar portas, agradecendo imensamente pela lembrança e colocando-me à disposição para outra oportunidade, que sempre acabava acontecendo. E isso tudo sem um carro para deslocar-me e pesando 192 Kg.

     Andava de ônibus, dormindo até o meu local de trabalho. Saia de casa às 5h30min da manhã, e voltava às 21h, exausto, abatido, mas nunca derrotado. Caia na cama, apenas esperando o momento em que o despertador anunciaria o começo de tudo novamente. Nesse intervalo, perdia-me no sonho, embalava-me na canção sublime de anjos inexistentes e na poesia constante do chorinho da minha filha, que me acordava de madrugada pedindo o alimento de recém-nascida. Anos de luta, de escassez, de batalhas vencidas, de resiliência, pois cada manhã nascia como um desafio, como um aprendizado, com a certeza de que muitas coisas iriam acontecer.

     Hoje vejo tudo com novos olhares, pois passados quinze anos, tudo mudou. Cresci como ser humano, vivi grandes e constantes aprendizados como gestor, enfrentei uma gastroplastia e perdi 100 dos meus quilos. Remodelei meu corpo e, consequentemente, parte da minha alma. Descasei, casei de novo, descasei de novo. 

     Percebi que as pessoas que passam pela nossa vida representam diferenciais importantes em nosso caminhar, pois sempre nos atraem positiva ou negativamente, influenciando, nem que seja milimetricamente, a nossa rota. Passam a fazer parte da nossa vida mesmo que não queiramos. Não há como escapar, pois relacionar-se, mesmo com um simples bom dia, sempre nos leva para essa lei da ação e reação que move o Universo. Talvez por tudo isso o significado da palavra “Resiliência” tenha me chamado tanto a atenção.

     Dessa forma, finalizo essa reflexão com alguns conselhos: Acorde a cada manhã antevendo mudanças e percebendo que o mundo pode ser igual, mas você pode ser diferente. Cabe a você o poder de transgredir um pouco, sem ferir suas crenças. Cabe a você, professor, médico, engenheiro, dona de casa, padeiro, motorista, ou qualquer que seja sua profissão, fazer com que seu dia seja diferente.

     Por isso ouse! Encante-se! Tire seus sapatos e afrouxe sua gravata! Sente na grama! Relaxe! Olhe para seus filhos e cresça um pouco mais com eles! Coma arroz e feijão com doce de leite! Se não gostar, apenas deixe de comer, mas ouse tentar!

     Não leia o jornal do dia, pois ele dificilmente acrescentará algo útil ao seu humor! Dê uma aula diferente, surpreenda seus alunos com um abraço! Seja louco! Tome chuva! Feche seu computador e marque um encontro real! Esteja com pessoas, não com avatares do mundo virtual!

     Com tudo isso, perceberá que desplugar-se do mundo chato, reto e competitivo em que vivemos, apenas contribuirá para fazer de você uma pessoa muito mais feliz. Perceberá aí o verdadeiro sentido de sua luta para sobreviver, de sua resiliência, e descobrirá que, certamente, sua luta maior não é pelo que se vê por aí, mas pelo simples desejo de ser feliz e entender, dessa forma, o verdadeiro significado da palavra liberdade!