Não era autista, isso não era. Mas,  cedo demais para atribuir ao filho  um diagnóstico de esquizofrenia. Teria inteligência acima da média ou muito baixa? Qualquer insignificante obstáculo lhe era pedra de tropeço. Caia com frequência e se acidentava numa garrafa descartável.

O menino insistiu na pergunta.
— Se um navio afundar em mar gelado a gente vira picolé?
O pai desconversou, contando-lhe a história do profeta Jonas apanhado por um peixe gigante.
— Peixe grande comeu o profeta?
— Não comeu!  Dizem que sua boca do  tubarão-baleia  é como uma sala de estar, e quando a presa é grande, fica ali por algumas horas ou dias, antes de ser empurrada para as entranhas do animal.  O profeta Jonas, julgando estar numa caverna, tateou, até encontrar uma corda, talvez as cordas vocais da baleia ou as guelras. Isso provocou cócegas insuportáveis no animal, que, dando um espirro gigantesco, atirou o profeta na praia.
 Sabia que era preciso entrar no mundo das crianças, se quisesse compreendê-las melhor. Entrar no mundo delas e tentar trazê-las para o mundo dos considerados normais. Até certo ponto, Fernão era perfeccionista, criterioso naquilo que gostava de fazer. Conversava com seus brinquedos e achava que eles  eram capazes de obedecer às suas ordens de comando. Toda criança tem ou teve sua fantasia de viajar num mundo encantado em que ela seja  muito poderosa. Ser um Policial, ser um Bombeiro que resolve tudo, chegando na hora certa com seu Trovão Azul... thu... thu... thu.  Apaixonado por navegação, Yuri mantinha em casa um tesouro em  réplicas da navegação e da aeronáutica. Aprendera a brincar, desafiar os perigos, nas grandes fantasias da imaginação, com o intento de ocupar a emente do filho.  Fizera uma miniatura do 14BIS, com motor movido a metanol e divertia-se controlando da terra aquela engenhoca como se fosse Santos Dumont, sobrevoando  Eiffel.
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Adalberto Lima - trecho de Estrada sem fim...
Imagem: Inrnet