etimologia da Língua Portuguesa nº 60

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº60.

Besteira , ato ou expressão própria a animais irracionais, veio de besta, do latim tardio besta, mais o sufixo eira. Já o famoso uai, característico dos mineiros, é um vocábulo de origem obscura. Há quem defenda que teria vindo do inglês “why ?” , por quê ?

Besteira: de besta, do latim tardio besta, e o sufixo eira, que ao ser agregado fez com que fosse excluído o “a”. No latim culto é bestia. A palavra está em nossa língua desde o século XIII com o significado de ato ou expressão própria a animais irracionais e por isso inadmissível no homem. Os políticos lideram a produção de besteiras no Brasil, talvez porque o que dizem e escrevem muitos deles repercuta na vida dos cidadãos, ao passo que a besteira das ruas é em geral inofensiva. E, quanto menor o município, parece maior besteira. O jornalista Sérgio Marcus Rangel Porto ( 1923-1968), o Stanislaw Ponte Preta, organizou uma série de livros intitulados Febeapá ( Festival de Besteira que Assola o País), em que registrou algumas das maiores bobagens nacionais, várias delas divertidas, de que são exemplos as seguintes. Um vereador de Mafra ( SC) apresentou projeto de lei para que os palitos de fósforo tivessem duas cabeças. A ecologia não era ainda moda na década de 1960, mas o edil queria reduzir em 50% os pauzinhos e assim diminuir a derrubada de árvores. No Recife (PE), houve tempo em que o toque de buzina nas zonas de silêncio resultava em multa de 200 cruzeiros, cobrada pelo próprio guarda que flagrava o infrator. Houve, porém, um inédito acerto na cobrança de uma delas. Como só tivesse uma nota de 1000 cruzeiros e o guarda não levasse troco, o infrator foi autorizado a dar mais buzinadas. O jornalista e humorista foi autor também de aforismas, como este: “O homem de duas caras geralmente usa a pior.” O jornalista e cronista Márcio Cotrim relembra algumas das tiradas de Stanislaw em Uma Iraniana no Calçadão, um de seus oito livros publicados. Ele conta com três inéditos.

Galáxia: do latim galáxias, com origem no grego galaksías kukdos, círculo de leite. A galáxia mais visível da Terra é a Via Láctea, onde está o sistema solar. Astrônomos gregos e romanos, ao contemplarem o céu noturno, descreviam os fenômenos recorrendo a um recurso narrativo, a metáfora. Pareceu aos gregos que o amontoado de estrelas semelhava um círculo de leite derramado em alturas inalcançáveis . E para os romanos, ainda mais poéticos, o caminho de estrelas era uma estrada de leite, a Via Láctea. A raiz da palavra galáxia aparece também em outros vocábulos que têm domínio conexo com o leite, de que é exemplo galactoblasto, corpúsculo de colostro encontrado na glândula mamária. Blasto veio do grego blastós, broto, grelo.

Município: do latim municipium, pela formação munus, cargo, ofício, e capis, parte ligada a jurisdição maior, de que é exemplo a atual divisão política dos Estados. O Brasil tem mais de 5000 municípios, alguns com denominação curiosa, incluindo santos que a Igreja jamais reconheceu, Como Bom Jesus do Galho (MG) e Santa Rita do Passa Quatro (SP), este último sugerindo erro de concordância verbal, caso não se saiba que não são quatro que passam ali e sim, o rio que passa quatro vezes pela mesma cidade. Turistas do Hemisfério Norte teriam dificuldade em pronunciar nomes como Jijoca de Jericoacara (CE) e Itaquaquecetuba (SP). Alguns nomes lembram sabores amados por uns e detestados por outros, como Ananás (TO), Jaqueira (PE) e Pimenta (MG). Outros parecem deslocados de outras partes do mundo, como Barcelona (RN), Buenos Aires (PE) e Lourdes (SP). Da mesma forma, não há registro nos anais da Igreja de outros santos encontráveis só no Brasil, onde jesuítas e padres de outras ordens, aliados a párocos seculares, acoplaram nomes de santos à topografia indígena, como São Paulo de Piratininga (SP) e Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. Na capital paulista predominou a denominação católica ; na paraense a indígena. Mas em que outro lugar do mundo encontrar Santa Rita de Ibitipoca (MG) e São José dos Ausentes (RS) ? E assim como Paris, capital da França, pode estar no Texas, ubíqua , está nos Estados Unidos e no Maranhão, com a vantagem de nenhum terrorista ter ousado jogar aviões contra prédios da brasileira.

Uai: à semelhança de arigó, é vocábulo de origem obscura,para qual se conjecturou uma etimologia curiosa. No caso de arigó, a palavra teria nascido da pergunta, feita por engenheiros ingleses e americanos que no século XIX, trabalharam aqui na construção de ferrovias. Ao encontrarem trabalhadores com saco de roupa às costas, perguntavam-lhe “where are you going to? “ , com o fim de saber se procuravam trabalho. Aos ouvidos brasileiros, a frase inglesa seria reduzida para arigó. Pouco provável. No caso de uai, que em geral é acompanhado de “sô”, aludiria a outra pergunta dos mesmos engenheiros “why, so ? “ ( por que assim?). Também não se sustenta essa estranha explicação. E, além do mais, “sô” é mais provavelmente redução de senhor, pela forma sinhô, reduzida para “sô” , como aparece à frente de comandantes jagunços de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa ( 1908-1967), como o chefe Sô Candelário. Ainda há muitos mistérios na etimologia e uai é um deles.

Deonísio da Silva, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e escritor, é autor de Os Guerreiros do Campo e A Vida Ìntima das Palavras ( Siciliano) entre outros 27 livros. E-mail: deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2002.

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 23/12/2016
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