Etimologia da língua portuguesa nº59

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº59.

Anhanguera, apelido do bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva e hoje nome de estrada em São Paulo, veio do tupi anha’guera, diabo velho. Já o metro, adotado no Brasil em 1862, teve origem no grego metron.

Anhanguera: do tupi anha’guera, diabo velho ou espírito do diabo. Embora poucos saibam, o Brasil teve um Anhanguera Júnior, filho de Bartolomeu Bueno da Silva, bandeirante paulista que iniciou a exploração de Goiás no século XVII, levada adiante no seguinte por filho e neto. O filho segundo Anhanguera, como era chamado o pai, tinha o mesmo nome do avô. E também bandeirante. Um pequeno município homenageia os três: Anhanguera, que tem 869 habitantes e fica na microrregião de Catalão, município goiano com pouco mais de 50. 000 habitantes. Foi, porém, o filho um dos maiores responsáveis pela lenda da Serra dos Martírios, segundo a qual teriam de se embrenhar na mata até achar os sinais das chagas de Cristo num rochedo, ao pé do qual encontrariam esmeraldas, ouro e prata. A lenda inspirou o filme No Coração dos Deuses, de Geraldo Moraes.

Disfarçar: do latim vulgar frictare, roçar, esfregar, pelo catalão disfressar, apaga a fressa, que em catalão tem sentido de rastro, pista. No Brasil, o ato de disfarçar está resumido na expressão “ dar uma de joão sem braço “. Nome popular, João está presente em palavras e expressões como joão – ninguém ( indivíduo sem importância, joão de barro (pássaro), joão correia ( árvore ) e joão teimoso ( boneco feito de tal maneira que sempre volta à posição original quando empurrado). Às vezes aparece disfarçado, como em joanete ( deformação crônica de dedos do pé). Como fossem agricultores pobres e descalços a apresentar tal problema nos pés, foram tomados como joões. A denominação aproveitou ainda um termo náutico, porque joanete designa um dos mastaréus da gávea nos navios. João-sem-braço talvez tenha surgido de comentários de homens anônimos que alegassem nada poder fazer, quando solicitados a trabalhar, disfarçando a preguiça, pois ao nobre era dado o direito de não trabalhar, de manter os braços livres para nada fazer, a não ser dar ordens para que outros fizessem todas as tarefas, estando os simples impedidos de fazer a mesma coisa. Trabalhar a terra consolidou-se na herança cultural portuguesa como castigo imposto a quem não podia fazer mais nada. De outra parte, os condenados tinham os braços amarrados e nada podiam fazer para evitar o suplício , fosse forca ou decaptação. Há mais uma hipótese que vincula a expressão às Santas Casas de Misericórdia, forma que o Estado português inventou para deixar de tratar da saúde, atribuindo tal obrigação a ordens religiosas e a organizações civis sem custos para o erário. Como Portugal se formou a partir de guerras travadas em seu próprio território, eram muitos os feridos e aleijados, que, por sua condição, estavam impedidos de executar algum mister. Os primeiros temporariamente e os outros, em muitos casos, para o resto da vida. Simular não era ter um dois braços constituindo-se em escusa para fugir ao trabalho, e a outras obrigações. A expressão “dar uma de joão-sem-braço “ migrou para o reino da metáfora, aplicando-se a situações em que a pessoa se omite, alegando razão insustentável.

Metro: do grego metron, pelo latim metrum. No francês é mètre. Designando vara ou pau para medir extensões, foi instituído no Brasil pela Lei 1 157, assinada por dom Pedro II (1825 – 1891), substituindo “em todo o Império o atual sistema de pesos e medidas pelo sistema métrico francês”. A Lei, baixada em 1862, tinha esta redação: “Dom Pedro II, por graças de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembléia –Geral Legislativa decretou, e nós queremos, a lei seguinte: Art.1º O atual sistema de pesos e medida será substituído em todo Império pelo sistema francês, na parte concernente às medidas lineares ,de superfície capacidade e peso. Art. 2º È o Governo autorizado a mandar vir da França os necessários padrões do referido sistema, sendo ali aferidos pelos padrões legais .” Quem propôs o metro como padrão foi o físico, matemático e marinheiro francês Charles de Borba ( 1733-1799), membro do grupo que mediu o meridiano terrestre para instituir o novo sistema.

Omitir: do latim omitere, deixar escapar, pela formação ob ( preposição latina que tem o sentido de negação, contra ) e mittere, enviar, lançar, mandar. Raramente o povo se omite quando seus trabalhos são requeridos, de que são exemplos heroísmo de famosos ou anônimos, em especial nas horas de crise . Entre os políticos se destacou por não se omitir diante de eleições difíceis e perguntas polêmicas Jânio da Silva Quadros ( 1917-1992). Certa vez omitiu estes juízos sobre seus adversários “Como o vinho, Lacerda assentou, tomou corpo, gosto e azedou. Juscelino conseguia viver rodeado de inimigos, sem sentir inimizade por ninguém. Era um milagre. Deus o tenha. Jango está fazendo o que deveria ter feito: criando gado no céu.” Essas e outras pérolas estão em Luz ... Câmara ... Jânio Quadros em ação ( O Avesso da Comunicação),livro de Nelson Valente.

Deonísio da Silva, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e escritor, é autor de Os Guerreiros do Campo e A Vida Íntima das Palavras (Siciliano), entre outros 27 livros. E-mail: deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2002.

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 18/12/2016
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