Discurso de lançamento do livro "São Gonçalo: Fragmentos da História", em 17.12.2013.

A importância sócio-cultural deste nosso trabalho encontra-se alicerçada na imperativa necessidade de preservação dos costumes, tradições históricas, valores e da identidade cultural do acampamento federal de São Gonçalo. Atualmente, se reconhece a necessidade de valorização e valoração do patrimônio tangível (prédios, monumentos históricos, etc.) e intangível (tradições, costumes, etc.).

O rápido desenvolvimento tecnológico tem relegado essas características a planos secundários, o que traz um prejuízo incalculável para as novas gerações, que perdem um referencial importantíssimo na sua formação integral, como cidadão responsável pela manutenção das características mais intrínsecas de sua comunidade. Apenas uma visão de mundo que abrace o moderno sem esquecer o tradicional tem condições de construir uma sociedade em que todas as características tenham o seu valor reconhecido e difundido.

Portanto, esta pesquisa revela um estudo detalhado da evolução histórica do Perímetro Irrigado de São Gonçalo, no que diz respeito tanto ao núcleo principal de habitação como as áreas colonizadas, enfatizando principalmente os costumes do povo, descrevendo a rotina diária de uma vila que surgiu e se mantém indelevelmente unida ao poder estatal federal, particularmente ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, motivo que explica o elevado nível da qualidade de vida do lugar.

No entanto, convém destacar que esta narração histórica não foi premeditada. Surgiu ao acaso do tempo e do destino. Tudo começou em meados de 2012, quando começamos a postar algumas fotos pessoais e familiares antigas numa rede social na internet, em que alguns amigos passaram a se interessar por estas relíquias saudosistas. À medida que acrescentávamos mais fotos, agora de São Gonçalo, o interesse das pessoas aumentava ainda mais, notadamente dos filhos ausentes do acampamento. Fotos antigas se misturavam às mais recentes, despertando sentimentos de emoções, melancolia e saudades. Inclusive, muitos amigos e conterrâneos que não mais pertenciam a este plano, faziam parte dos quadros publicados na rede mundial de computadores. Neste caso, os parentes nos agradeciam, pois entendiam o ato como uma homenagem aos seus entes queridos, o que na verdade não deixava de ser. Os comentários positivos no espaço geográfico da narrativa se avolumavam.

A partir de então, surgiu a ideia de uma publicação fotográfica. Esbarramos em algumas decepções, como a descoberta da perda quase total do acervo antigo do DNOCS, de Luiz Fotógrafo e de Otoniel Maia. Contudo, não havia espaço para o desânimo. Desta feita, efetuamos um trabalho de garimpagem de fotos na comunidade, conseguindo adquirir um acervo razoável, que foram devidamente escaneadas, recuperadas e fichadas.

Todavia, percebemos que fotos não falam por si sós. São Gonçalo tinha uma história toda pela frente, digo, para trás, a ser contada. A partir desta constatação, decidimos que a obra teria que ser mista, ou seja, escrita e iconográfica.

Passada a fase da definição e decididos a contar as histórias, partimos para a prazerosa missão de, inicialmente, ouvi-las. Sem nenhum constrangimento, passamos a mendigar fatos, episódios, acontecimentos, junto a tudo e a todos. Utilizamos todos os meios lícitos possíveis e inimagináveis para a obtenção de dados, numa obsessão sem limites: entrevistas, e-mails, aquisição de livros, além de buscas incessantes e infinitas na internet, em bibliotecas, junto a amigos, dia após dia, noite após noite. Mantivemos contatos com diversos escritores e editores regionais e nacionais Para o nosso desespero, ou talvez para a nossa esperança, quanto mais achávamos, descobríamos que mais havia a procurar.

Não passamos a ler livros, mas sim a devorá-los, ante a fome e o afã na busca por conhecimentos. Entrevistamos inúmeras pessoas que fazem parte da história de São Gonçalo. De repente, a história do livro se tornou pública e aceita por todos. A responsabilidade se tornava enorme, sem precedentes. Tive medo. Hesitei muitas vezes. No entanto, não podia mais recuar. O meu pai sempre ao meu lado, recolhendo fatos e fotos, incentivando-me, acompanhando-me em todas as entrevistas, discutindo episódios antigos até mesmo com a sua própria memória. Todos os fatos estavam lá, guardados, armazenados como em um HD, apenas aguardando que alguém viesse backup-á-los.

A minha família toda passou a colaborar com o trabalho. Passamos várias jovens tardes de domingos em São Gonçalo, debatendo sobre velhos e belos dias, ouvindo histórias fabulosas e encantadoras, lendas reais, fragmentos do lirismo e caráter rural sertanejo, saboreadas pelo olhar bem vivido e pela fala mansa dos próprios protagonistas.

Conseguimos recuperar o contato de São Gonçalo com diversas pessoas, como: Tiago de Zé Laurindo, neto do cangaceiro Moreno, dos livros de história; Dr. Eduardo Gadelha do DNOCS; Zé Maria de Dr. Clodoaldo; professor José Augusto Padilha, neto de Dr. José Augusto Trindade; dentre outros. Voltamos às décadas de 1940 e 1950 com Libério Pereira, Raimundo Galdino, Lavino Pereira, Zé Basílio, Mundico (motorista), etc. Chegamos até a década de 1930, com Seu Chico Jucá. Contamos com a valiosa contribuição de Zé Caíque, um arquivo vivo, lúcido e muito vivo, de quase um século de existência. Graças a sua aquilatada memória, resgatamos fatos e costumes das décadas de 1920 a 1940. Utilizamos, ainda, vários trabalhos acadêmicos, inclusive de pessoas de São Gonçalo, como Lucinha de Zé Basílio, Tânia de Padeiro, Simone de Anézio, de Isaías Filho...

Mas no fundo, admito que eu tinha tudo para não escrever esta obra. Eu mesmo não me considerava a pessoa ideal para esta missão. Em primeiro lugar por não ter tanta idade, que pudesse me tornar testemunha ocular de grande parte da história. Em segundo lugar porque tive que sair cedo de São Gonçalo em busca de novos horizontes educacionais. Ao retornar de Campina Grande, formado, aqui não demorei. Tive que trocar o acampamento federal pelo Distrito Federal, desta feita a procura de afirmação profissional. De regresso, descendo o planalto central, aterrissei na cidade sorriso, onde permaneço até hoje. Resumindo: morei em São Gonçalo, efetivamente, até os 20 anos de idade, o que é muito pouco para o seu centenário de existência. Outro fator agravante é não ser servidor do DNOCS, cuja história se confunde plenamente com a de São Gonçalo. Para completar, não possuo formação em nenhuma área correlata ao enredo. Pois não sou agrônomo, técnico agrícola, zootecnista, veterinário, etc. Nem tampouco geógrafo ou historiador. Muito pelo contrário: sou Contador. Porém, agora mais que nunca, assim como Forrest Gump, um contador de histórias. Histórias que alternam sinais de alegria e felicidade, além de transmitirem mensagens de perseverança, de ousadia, de esperança, de solidariedade, de reflexão e até de humor.

Destarte, reitero que, mesmo próximo da finalização da obra, muitas vezes refletia e entendia que não seria capaz de cumprir a árdua e nobre missão. Outras tantas vezes achei que se a cumprisse, não faria um trabalho de qualidade, à altura da história. Deste modo, pensei em desistir. Mas não tive coragem. Sucumbi diante da boa vontade e da ansiedade das pessoas que torciam a favor. Sempre pensava no meu pai, companheiro de mais de 44 anos de caminhada, agora cúmplice de mais de 200 páginas. Sem ele não seria possível a finalização, ou até mesmo o início do trabalho.

Vale ressaltar que, durante esta jornada, não pensávamos em lançamento, não raciocinávamos sobre publicação, não refletíamos sobre custos, não entendíamos nada de ISBN, nem de ficha catalográfica. No entanto, achávamos tudo isso secundário, supérfluo até. Não havia espaço para vaidades ou outras preocupações acessórias. Só tínhamos olhos para a produção da obra. Acho que esta foi a nossa maior virtude para a sua conclusão.

Neste momento final, preferimos não citar nomes para agradecimentos. Mesmo porque foram mais de uma centena de preciosos colaboradores diretos e indiretos. Uns com memória mais apurada, outros, nem tanto. Mas todos com o mesmo espírito e disposição de contribuir. Por outro lado, peço desculpas aos que não puderam ser lembrados na obra, ainda que de forma mais ínfima, visto que um contador somente pode contar o que ouviu, o que leu ou o que viu. Neste sentido, entendemos que o que ouvimos, lemos ou vimos, contamos.

Diante de tudo, acreditamos na relevância da presente pesquisa, tanto pelo seu caráter histórico, como pela possibilidade de despertar o espírito investigativo nas novas gerações de São Gonçalo, a fim de que possam perpetuar nos anais da literatura paraibana esta narrativa, que carrega em si fortes marcas de caracteres morais, educacionais, artísticos, esportivos, científicos e sociais, produzidas por gerações pretéritas, que nos deixaram seu legado de honestidade, compromisso, virtude e honradez.

Encerramos conclamando a todos para continuarmos lutando, incisivamente, na defesa deste nosso patrimônio natal, na esperança que ele retome o seu lugar de destaque e de grandiosidade na história, uma vez que é cediço que aqui em São Gonçalo se iniciou a luta pelo desenvolvimento do Nordeste brasileiro, na longínqua década de 1930. Assim, parafraseando Francisco Pereira Nóbrega, cabe-nos entender que: “Todos os caminhos são rumos da esperança. Os da Geografia, na face da terra e os da História na face do tempo. Sem ela não se marcha, não se busca. Só os animais não têm história porque não têm esperança. Longa como a vida, a esperança não morre. Emigra. E, quando os homens não a prometem mais, se refugia nos recessos do infinito”.

Muito obrigado.

Josemar

Josemar Alves Soares
Enviado por Josemar Alves Soares em 11/08/2017
Reeditado em 20/07/2022
Código do texto: T6081067
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