Sobre o Amor que Fica

Eu gostaria que esse texto fosse algo sobre gratidão. Por que é essa a palavra que tem me mantido de pé até agora. Gratidão pelo que meu pai foi pra mim e por mim. Gratidão por cada um de vocês que estão aqui hoje e pelo que não estão, mas se fazem presente de alguma forma... Mas talvez esse sentimento não consiga ser traduzido em um texto, por mais bem elaborado que ele possa ser... pois as palavras somem diante da imensidão que esse sentimento traduz. Então só queria falar um pouco sobre como me sinto...

Esse talvez seja um dos momentos mais difíceis. O momento de romper o silêncio, pois até agora era como se eu estivesse anestesiada e tudo permanecesse indolor... Percebi durante esses dias que tenho muito mais do meu pai que supunha. O jeito prático, racional, fechado, de agir nas horas difíceis foi a forma que ele encontrou não apenas de ser forte, mas de não pensar sobre os mistérios que envolvem tudo isso antes de ter a certeza que não iria cair, que não iria mergulhar em uma dor sem volta. E eu não vou cair...!

Meu pai me ensinou a ser forte de um jeito incomum. Eu demorei algum tempo pra entender as coisas que ele me falava e hoje entendo principalmente as coisas que ele calava. É estranho e é principalmente doloroso ser incompreendido, assim como é doloroso não querer ser entendido, pra sempre ser visto como suficientemente capaz de sozinho entender as coisas da vida e as coisas da morte. Talvez nunca entenderemos... Talvez por isso hoje eu precise falar.

O sentimento que trago hoje é ainda confuso, dói de forma desmedida, mas é recheado de histórias e lembranças que me encorajam. Quem seria eu, hoje, se meu pai não tivesse sido o meu herói durante toda a minha infância? Eu fico pensando nisso... Pensando no amor incondicional que ele me tinha, a mim e ao meu irmão, e na forma tão peculiar que ele tinha pra me demonstrar isso.

Eu sempre tive orgulho de ser a “Pequerrucha” dele. Orgulho de saber que foi ele que levantou de madrugada durante todos os dias que eu chorei quando bebê pra que minha mãe pudesse me amamentar. Orgulho de saber que era ele que lavava todas as minhas fraldas e não permitia que outro alguém o fizesse. Orgulho de saber que ele se sentia vaidoso demais porque a primeira palavra que pronunciei foi papai. E pq minha mamadeira só era boa se fosse feita por ele.

(...A valsa da minha formatura de colégio, as cartas, os bilhetes, as declarações, as chegadas de surpresa quando eu morava fora, minha comida predileta feita por ele, minha primeira habilitação. As brincadeiras, as brigas, os castigos, as conversas de pé de ouvido...) Como ele conseguiu ser tão PAI e não ter medo de parecer tão fora de moda? A maioria dos pais que eu conheço nunca fizeram metade das coisas que ele fazia.

Se hoje eu estou aqui, nessa igreja, é pelo mínimo de gratidão. Não só porque foi meu pai quem me ensinou a rezar, mas porque do início ao fim ele cuidou para que, ao lado da minha mãe, nunca me faltasse o que realmente importa.

Só queria te dizer, pai, que por mais difícil que tenha sido te levar àquele lugar, eu não me perdoaria se não tivesse estado com você até o fim... Eu ficaria feliz se tivéssemos tido o tempo pra que eu cuidasse da sua velhice, pra que eu não estivesse aqui tentando conjugar os verbos no tempo certo. Não tendo sido possível, estou aqui, fazendo o que tem que ser feito,. Não por obrigação, mas por gratidão! A saudade agora amarga, muito mais que jiló, mas se há algo que o tempo nos ensina é que saudade é o Amor que fica.

Que todos nós, movidos pelo Deus que nos guia, seja ele qual for, aprendamos a cada dia a transformar a saudade em Amor. E que assim seja.

[Julho/2015]

Alice Alencar
Enviado por Alice Alencar em 17/07/2017
Código do texto: T6057317
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