Discurso de posse na Academia Assuense de Letras, cadeira no 08, Patrono: Joaquim Alfredo Vespúcio Simonetti

Senhoras e senhores,

Apesar de não ter sido gerado em terras assuenses, sentindo a simplicidade de sua gente e respirando o ar seco do semiárido do vale, foi quase impossível não ter me deixado tocar pelo seu lirismo a correr de geração em geração. A lírica do povo destas paragens é sincera, como é também a sua perseverança ao lidar com as mais difíceis situações por que já passou ao longo de décadas: secas, enchentes, etc. Pena que fui confirmar essa força poética e humana muito tempo depois, já na maioridade, quando o coração sempre me disse que o meu lugar era Assú. Só tenho boas recordações deste lugar, que tantas vezes me acolheu desde a tenra infância até a descoberta da dor de crescer. Tudo bem. Como afirma o narrador do romance O silêncio dos amantes, da escritora gaúcha Lya Luft, “a dor faz parte”. Morei a minha vida toda em Natal, onde fiz todos os meus estudos até diplomar-me em nível superior de aprendizagem, seguindo a carreira docente. Só tenho a agradecer a minha família e a Deus por ter chegado onde estou. Além de contribuir há 10 anos na área de Educação Básica e agora na área de Educação Profissional e Superior, dou continuidade, com esta indicação, a projetos na área cultural, uma vez que sempre defendi o elo entre as duas áreas. Eu venho me unir aos confrades aqui presentes e ao povo assuense nessa tarefa árdua de levar o meu talento, a minha dignidade e a minha história para que vocês a conheçam e possam, se assim desejarem, julgá-la frente ao futuro, ao lado de seus filhos e netos. O homem morre, mas sua obra fica; imortalizando-o, sobretudo, quando é autêntica e transparente.

Sou mossoroense de berço, mas assuense de sangue e de batismo. Foi nestas terras secas e acolhedoras que conheci os versos de João Lins Caldas, Carolina Wanderley, Anna Lima e Renato Caldas que despertaram em mim a verdadeira vocação como homem de letras, sempre preocupado com o que vai ensinar e com o que vai aprender. Um homem preocupado com a educação do outro, com os valores do outro, com o gosto do outro. Por isso, dedicou até aqui sua vida a instruir e a encantar. Cometeu erros como todo mundo e acertos como poucos. Só lamenta não ter podido fazer o muito que gostaria por quem nada teve. Nasceu assim em mim, desde cedo, o ativismo que ganhou ares e que só agora me fez entender a missão a mim conferida desde sempre, a missão de doar e a de me doar. Não quero dizer com isso que me qualifico um transformador. Na verdade, eu me sinto um mediador. E não existe “paraíso terrestre” ou, quem sabe?, “purgatório celeste” mais transformador do que a cidade de Assú. Explico. Lendo a história e os feitos do patrono que me dá a honra, a partir de agora, de ser o primeiro ocupante da cadeira que guarda, pude perceber que ele tinha razão em ter aqui exercitado a vida toda a caridade, o amor e a comunhão. O padre Joaquim Alfredo Vespúcio Simonetti, filho da terra dos poetas e também um poeta pouco conhecido, deixou um livro de poemas que nunca foi publicado. Nessa obra, num poema intitulado “Desejo insaciável”, resume bem o sentimento que, na ocasião, me domina:

“Quando eu era pequeno,

Desejava possuir,

Quando fosse grande,

Uma caneta tinteiro,

Um relógio, um anel,

Não sei quantas coisas mais.

Hoje que estou grande,

Que já possuo o que desejava

Quando era pequeno,

Desejo uma coisa

Hoje que estou grande.

Desejo ardentemente,

Desejo em vão,

É possuir o que perdi

E que não acharei mais.

E o que possuía quando era pequeno.

Hoje que estou grande,

Desejo reaver

O que possuí e que perdi

E que hoje, que já estou grande,

Não possuo mais.”

É como, senhoras e senhores, eu me sinto. Creio que, como Pe. Alfredo, tive que voltar a Assú, onde, ao contrário dele, simbolicamente nasci e primeiramente tive a oportunidade de ser experimentado por Deus, por sua gente, a praticar a indulgência e a compreensão, enquanto educador, e, agora, enquanto acadêmico, a fim de me redescobrir e evoluir. Levar a essa gente sabedoria, paz, esperança e amor, que são os verdadeiros princípios do Cristianismo, vale mais que qualquer bem material. É um bálsamo à alma inquieta. E é esse aprendizado que Pe. Alfredo nos deixa, com muita emoção e discernimento, que desejo levar adiante, colaborando aqui para o sonho, o orgulho e o bem-estar do povo de Assú, seja através da pesquisa e das minhas ações voltadas às áreas das Ciências Sociais e Aplicadas, Linguagens e Artes, seja através da espiritualidade, a minha verdadeira doação, a minha verdadeira razão de existir. Obrigado, acadêmicos! Obrigado, Assú!

Assú, RN, 10 de março de 2017.

Paulo Caldas Neto
Enviado por Paulo Caldas Neto em 12/03/2017
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