Discurso de conclusão da turma de Pediatria CPAM (2015-2017)

Boa noite a todos os presentes!

Autoridades, professores, colegas, pais, familiares e amigos.

Nossa gratidão pela estimada presença de vocês nessa solenidade assim como também aos que não puderam comparecer mas que foram também fundamentais nesse processo.

Não quero fazer alarme, mas todas as turmas de residentes em pediatria do Arlinda tem algo em comum: o alto grau de fertilidade.

Nunca se houve tantas pediatras levando trabalho para casa como as Arlindas.

Contagiamos inclusive alguns professores e amigos.

Ou talvez eles que nos tenham despertado o desejo de ser mãe ao cuidarem tão bem dos pequenos alheios.

Lembro do dia em que enchemos essa sala há 2 anos.

Alguns tinham acabado de sair da faculdade, cheios de expectativas e dúvidas se dariam conta e outras já mais calejadas pelo trabalho e cuidados com a família, mas igualmente dispondo de grande ansiedade em assumir tal responsabilidade.

Lembro também de ver figuras conhecidas da época da faculdade como Dra Eugênia e Dra Maria Alice e ter pensado que estava diante de um grande desafio mas que não estaria sozinha nessa jornada.

Vivenciamos as dificuldades de toda residência médica em crescimento: às vezes não tinha uma cama para dormir, uma cadeira para sentar ou algum equipamento de proteção individual, mas usufruímos da melhor forma o que tínhamos e a quem estava disposto a nos ensinar.

E como aprendemos nesse processo!

Nossos preceptores e colegas de trabalho foram verdadeiros mestres na arte de nos ensinar sobre a pediatria e sobre as nossas vidas.

Nas enfermarias e nas salas de classificação de risco (Dra Fernanda) lembramos da importância em sermos eternos estudantes baseados na pesquisa e na medicina de evidências, mas sem nos esquecer das pessoinhas por detrás daquelas doenças e de considerar com grande valor de aprendizado as experiências dos outros profissionais de saúde, pois o trabalho de equipe,além de ser mais divertido, fornece-nos a possibilidade de erramos menos em uma profissão que qualquer descuido pode ter desfecho fatal.

No atendimento ambulatorial em pediatria geral, nossos queridos pediatras mais experientes nos ensinaram que sermos flexíveis não significa agir com negligência e sim com educação e empatia.

Mesmo com aquelas mães raivosas, erros alimentares absurdos, arremesso de carimbos pelos pequenos ou choros que faziam os que ouviam de longe pensar que estávamos torturando alguém.

Mesmo estes personagens difíceis, tiveram suas missões para nós, principalmente a de moldar a nossa paciência e de formar a segurança em nossa atividade profissional através do método da repetição e esclarecimento de dúvidas.

Nas urgências e emergências do pronto-atendimento, levamos a lição que não basta termos o conhecimento dos livros, mas que precisamos de agilidade e jogo de cintura para darmos diagnósticos para nossos pequenos: seja pelo frequente quadro clínico inespecífico ou pela falta de recursos diagnósticos.

Nos ambulatorios de especialidades, conhecemos as peculiaridades de cada braço da pediatria.

Aprendemos que perebas de pele podem significar nada e ao mesmo tempo tudo.

Aprendemos que se alimentar bem é a chave para a prevenção de varias doenças orgânicas: dos pacientes e de nós mesmos.

Aprendemos que a clinica ainda é soberana, pois nem tudo está nos protocolos ou em laudos de exames.

Aprendemos que nem toda alteração de comportamento é malcriação.

Aprendemos que nem tudo que não sabemos se trata com corticoide, apesar de muitas vezes ele ser o tratamento de escolha, mas que o uso deles principalmente na pediatria pode evoluir com danos maiores que os benefícios.

Aprendemos que nem todo paciente fala a verdade, mas que quanto menos idade mais aflorada é a sinceridade.

Aprendemos que como tudo na vida, precisa-se de paciência para o êxito dos tratamentos.

E que ser um bom pediatra é muito mais do que ter títulos ou notas altas.

Aprendemos na UTI pediátrica e neonatal sobre a fragilidade da vida humana em período tão inicial e de como é bonito e rico ver uma equipe multiprofissional que se dedica ao retorno da vitalidade de nossas crianças.

Faz-nos questionar sobre o sentido de nossas vidas e de como um simples toque, palavra ou sorriso já bastava para aqueles pingos de gente.

Aprendemos que por mais que todos os dias possamos perder pacientes, nunca estamos prontos.

Nunca estaremos.

Mas que cada paciente pode despertar em nós a angústia da falha ou a honra de podermos aprender mais com cada um.

Na neonatologia, aprendemos com as cuidadoras de pingos de fé que temos que saber como intervir em seres tão diminutos com o máximo de eficácia e o mínimo de manipulação.

Aprendemos como uma coordenadora de Neo pode nos adotar como suas filhas.

Através da partilha de seus conhecimentos.

Dos conselhos sobre importantes decisões.

Das indicações de bons empregos.

Do apoio em momentos de aflição, dúvidas e até de depressão.

Pois tiveram momentos em que algumas de nós sucumbiram no domínio de emoções.

Tiveram momentos em que os lutos, os vícios, as doenças e o nosso medo de sair de nossas zonas de conforto nos fizeram pensar que estancaríamos no tempo.

Mas nossas queridas preceptoras nos inspiraram o equilíbrio e a perseverança através de seus próprios exemplos de vida e também de sorrisos e olhares de compreensão que jamais serão esquecidos.

Agradecemos ainda aos nossos queridos colegas residentes, sejam erre mais, erre iguais ou erre menos por nos aguentarem diariamente.

Aprendemos que a desregulação do relógio biológico do sono e vigília podem ser mais fáceis de lidar quando compartilhamos conversas sérias e também risos por coisa nenhuma.

Aprendemos como o otimismo de uma colega de residência pode vencer uma leucemia e ensinar que ter fé em nós e nos outros vale a pena.

Aprendemos ainda com as equipes multiprofissionais que duas cabeças sempre vão pensar melhor que uma e que organizar um evento científico juntos nos fez perceber que qualquer momento pode virar um happy hour.

Um agradecimento especial ainda para a coordenadora do REMUSC, nossa querida Ana, que nos permitiu conhecer mais sobre o dom da oratória.

Não poderíamos deixar de agradecer também aos nossos primeiros contatos com a pediatria através da experiência como pacientes.

Sim, estou falando de nossos pais.

Aqueles que trocaram nossas fraldas.

Às nossas mães que aguentaram com um sorriso no rosto todas as mudanças físicas e emocionais de uma gravidez e ainda tiveram ânimo e amor para transformarem pequenos seres em mulheres e homens dignos.

Aos nossos pais que conseguiram conciliar a tarefa de prover uma família e ainda ter paciência de ouvir nossos anseios de vida como sendo super importantes, mesmo se fosse uma discussão sobre opiniões de assuntos irrelevantes.

Aqueles que aguentaram nossos gritos e choros, mas que persistiram na atividade tão difícil de esculpir o caráter de uma criança através da persistência de uma educação que prima pelos limites, assistindo às nossas necessidades de amor e carinho sem esquecer de ensinar nossos direitos e deveres, algo que a educação permissiva de hoje em dia aos pequenos, peca muitas vezes.

Aos nossos amigos de hoje e de ontem, familiares, namorados e maridos que nos deram todo o suporte para serem nossas pernas quando queríamos desistir de andar.

Que ofereceram o seu ombro amigo para nos dar conforto desde aos nossos momentos de TPM a um luto inesperado.

A todos vocês também a nossa eterna gratidão.

Pois esse tipo de amor incondicional nos educa e nos fortalece para aprendermos a viver em uma sociedade prevalentemente doente, mas sem esquecer que enquanto exercemos o nosso trabalho de cuidar dos nossos pequenos, tem pessoas que estarão esperando sempre por nós e zelando pelo nosso bem e felicidade.

Hoje, com o merecimento de cada uma e pela dedicação e carinho de nossa coordenadora da REMEP, a quem nos adotamos também como mãe espiritual, Dra Eugênia, viramos pediatras.

Esse é só o fechamento de um ciclo para a abertura de novos desafios.

De cada um com quem tivemos o prazer de conviver, carregaremos um pedacinho para onde formos.

De alguns, carregaremos um pedação.

Pois apesar de todas parecermos mais maduras hoje, temos ainda um longo caminho de escolhas, decepções e alegrias pela frente.

A trajetória da busca por novos conhecimentos teóricos e práticos é continua para quem busca ser um bom profissional.

Não somos perfeitas e nunca seremos.

Mas nunca esqueceremos que aprendemos com os melhores.

Os melhores pais, mestres, familiares, amigos e pacientes.

E que o amor pelo que fazemos compensa qualquer cansaço ou injustiça.

Porque os nossos pacientes podem ser diminutos em tamanho e idade mas são grandes em sonhos e pureza.

Clamam por proteção e cuidado.

Despertam vulcões de desespero familiar quando adoecem.

Mas nenhuma palavra é digna de descrever a sensação de ser responsável pelo retorno da vitalidade de uma criança.

São esses sopros vitais alheios que lutam pela vida que acendem a nossa labareda interior de impulsos propulsores da nossa existência.

Pois acredito que vivemos para amar e nos permitir sermos amados.

E nada é mais gratificante do que propagar o amor ao desconhecido através de nossos cuidados em saúde.

Obrigada!

Angela MT Melo
Enviado por Angela MT Melo em 07/03/2017
Código do texto: T5933791
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