QUANDO EU ME FOR

Quando eu me for, não quero choro nem vela, nem mesmo uma fita amarela gravada com o nome dela. Não precisa. A minha companheira de viagem nesta longa jornada chamada vida estará em um lugar onde o tempo não corrói, a podridão não consome e as traças não devoram.

Não! Não preciso de faixas, frases e coroas. Não preciso de lamentos ou lágrimas. Elas só me deixarão muito triste pois não poderei enxugá-las como gostaria. Aquilo que não sentiram necessidade de fazer enquanto eu estava vivo, pouca ou nenhuma diferença fará depois que eu me for. Vou considerar uma ofensa esse tipo de coisa se é que me será permitido este tipo de sentimento durante minha partida.

Eu quero alegria no recinto. Gostaria de histórias sobre como convivemos e nos divertimos. Gostaria de alguma coisa que alegrasse até aqueles cujo coração sentiu um aperto traduzido em vontade de chorar (e creio que serão poucos). Quero festa nos moldes de antigamente. Vamos “beber” o defunto. Na medida certa a bebida quebra a nossa casca de seriedade e liberta a alegria. Isso é saudável e melhor que desfilar máscaras e falsidades.

Não quero velório como acontece hoje com desfiles pirotécnicos e atuações dignas de Oscar. Gostaria de serenidade, alegria, paz e não existe isso num ambiente carregado de olhares lacrimejantes, olhos baixos e mãos cruzadas à frente do corpo. Quero sim é um “animador de velório” dos bons. Minha família sabe do que estou falando. Quero rodinhas de piadas. Quero gargalhadas dignas de D. Neuza, minha vizinha.

Alugue-se um salão amplo (vai ser só uma vez mesmo!). Que compareçam ali os meus poucos e verdadeiros amigos. Aqueles que já sorriram comigo, já choraram comigo, já ouviram e riram de minhas histórias e, principalmente, aqueles que me corrigiram o rumo frente aos caminhos errados que um dia eu possa ter começado a trilhar. Ah, que haja também ampla divulgação sobre o meu passamento para que até meus inimigos tenham conhecimento. Certamente comparecerão para certificar-se de minha partida. Se alguém conseguir identificá-los, que sejam tratados com a mais absoluta cortesia. Não quero guerra nem ressentimentos neste momento. A festa é minha e eles são convidados especiais. Quem sabe, cara a cara com o destino implacável de todos nós, neste momento tomem conhecimento do quão vão foram seus sentimentos ruins para comigo. Eu estarei livre deles e eles presos em sua gaiola de sentimentos ruins.

Aos meus familiares deixo esta missão. A missão de cumprir o meu último desejo. Estarão me homenageando muito mais do que me colocar ao centro de uma saleta com cheiro de velas e de gente triste. Isso não é despedida. Isso é o mesmo que amarrar aquela embalagem de madeira vergonhosamente cara e achar que a alma pode ser aprisionada. Grande bobagem. Ali só há pó em forma de carne. Creio que neste momento estarei bem longe e livre de quaisquer amarras terrenas.

E quando forem depositar esta carcaça cansada destinada a voltar ao seu estado natural, que o façam sem alardes. Aqueles que foram na despedida festiva que não compareçam nesta hora. Fiquem apenas com a última lembrança boa da minha passagem por este mundo. Que acompanhem apenas algumas testemunhas para se assegurarem que um sepultamento digno foi feito. Não quero despedidas neste momento nem discursos. Meus defeitos e virtudes, assim como a minha evolução como ser humano seguirão comigo. Não há necessidade que digam aos quatro cantos como e o que fui. Podem cometer injustiças e exageros. Não! Não quero isso. Não há necessidade. Depositem esse corpo ao chão imediatamente e cubram com o manto sagrado da mãe terra e vão todos seguir suas vidas. Se deixei algum exemplo digno de ser seguido, que o façam. Se não, esqueçam e orem a Deus que me perdoe. Isso sim será homenagem.

Ah!... E se possível for, façam tudo isso que descrevi acima, mas na parte do sepultamento, havendo um crematório, prefiro que nele seja consumida esta velha carcaça, mas que minhas cinzas possam ser aproveitadas. Seria meu último ato de serventia na terra. A grande verdade é que, meu último desejo era ser adubo num canteiro de cebolinhas.

Isso tudo é para que fique gravado na mente daqueles que me conheceram que a vida é para ser vivida e não sofrida!