A receita do "SER AUTOR"

Quando parei para escrever, as ideias não se formavam; eram ainda tão jovens que decidi esperar que amadurecessem. E, como não raro acontece, a questão do amadurecimento remete ao fruto que, geralmente, atinge sua maior imponência e atratividade em fase "amarela". Não seria esse um grande sinal de que é a hora certa da colheita? A esse momento eu, com a filosofia quase pronta, já pude sentir determinada evolução, justamente aquela que muito desejei. Tingi-me de amarelo e deixei-me colher, sem grandes mistérios.

O meu desejo sincero é sempre este: que nenhum autor, compositor ou poeta se entregue ao erro de mascarar a arte e/ou disfarçar as cores no resultado de sua criação. Se algo nasceu para ser vermelho, que não se faça de azul por malícia, tampouco por aceitação. A mesma rigidez se aplica ao inverso: que o azul não deseje ser vermelho, porque não é a sua essência, logo, não funcionaria bem. A palavra de quem escreve não deve deixar de revelar o que é verdadeiro, com toda a sua integridade.

Dizia Drummond, em um de seus grandes feitos, que um homem deve conviver com os seus poemas antes de escrevê-los. Talvez tenha considerado que o coração sinta, sem engano, o exato tempo de expelir os sentimentos no papel. Certamente isso tenha servido de guia para muitos "escritores perdidos em meio ao fracasso de não conseguir revelar-se bem e por completo". Reconheçamos: autores precisam se doar, mesmo que não sejam compreendidos o quanto gostariam. Um compositor, por exemplo, ao criar uma canção e vendê-la, talvez não seja bem representado pelo cantor, mas deve confiar. Que não se envergonhe da obra, mas que se orgulhe de ter tido a capacidade de desenvolvê-la. Logo, deve o compositor valorizar o seu trabalho independentemente de todas as opiniões desestimulantes que insistem em circundá-lo. Porém, não faça ele acomodação com o que já atingiu: faça progresso, porque sempre lhe será possível.

Sinta-se livre e à vontade para escrever, mas cuidado com o desejo de ter audiência e prestígio. Se você é um artista, curioso, veterano ou principiante, não me importa saber! Qualquer indivíduo conhecedor da língua é capaz de gerar bons frutos nela. Assim fazem os confeiteiros que se apropriam de receitas perdidas e as reinventam. Não se substima o talento, mas muito vale contar com a criatividade.

Deixe fluir e você descobrirá o mistério de tudo: é quase uma promessa minha. Se não se cumprir, não se chateie comigo. Fique contente em saber que alguns donos de grandes obras-primas não sabem explicar o seu sentido, a trajetória de sua criação, a mensagem a ser transmitida ao receptor. Não os culpemos: dono é dono, em qualquer ocasião. Além do mais, acredito seriamente que Deus é o único criador que não apresenta nenhum comportamento de um leigo. Todos os outros criadores constroem etapas às cegas, não iniciam seus trabalhos com a certeza do que exatamente vai surgir. Contam com esboços e arriscam.

Eu, por exemplo, fiz deste texto repetidas vezes um reservatório de idéias perdidas, que talvez pudessem se unir em algo útil para o leitor. Fugir do propósito, mudar o tema e o estilo da escrita são propícios ao homem; só não se aplicam a quem se esquiva da composição. E, como o maior interesse é traçar o percurso da criação textual, permiti-me reconhecer que é falho, mas construtivo. Faz parte da autoria possuir a temperança, pois, assim como uma escultura, um texto deve ser modelado criteriosamente, ainda que exija tempo demais para se apresentar completo.

De um modo prático e funcional, pode-se comparar cada letra posta no papel com uma folha que cai da árvore quando chega o outono. Como idealizador de cada palavra que almeja materializar, coloque-se sob a "chuva" de inspiração que "nos molha", discreta e abstrata, a qual porta milhares de gotas cheias de amor, esperança e vivacidade. Encharque-se e transfira o que colher à arte de produzir. Dedique-se à leitura, aprenda a ser um verdadeiro leitor e apreciador, o que é necessário. Seja leve, compreensivo e natural, mas não deixe de lado a oportunidade de ser também crítico. Descubra que estarás iniciando, com sucesso, a receita do "ser autor", a qual se estende (ou se repete) por toda a vida.

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ANÁLISE DO AUTOR:

Preciso descomplicar meus textos para ser levado em consideração do início ao fim. Esta visão metalinguística se faz pertinente; não pude deixar de revelá-la.

Espero que todas as pessoas que têm a semente, o broto e a muda da escrita possam desenvolvê-los com o auxílio deste texto. Para as pessoas que já têm as raízes nas letras, desejo somente que consigam aprofundá-las, com ou sem esta minha ajuda, do jeito que lhes for conveniente.

Não se perca a humildade para absorver, mesmo quando já se é pleno. Certa vez, disse um sábio autor italiano, Fulvio Fiori: "Os homens lêem os livros; os escritores lêem os homens." Qualifiquemo-nos para assumir esse honrável posto de escritor.

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CRÉDITOS

Pensamento de Fulvio Fuori na língua italiana (original):

"Gli uomini leggono i libri. Gli scrittori leggono gli uomini."

Renadson Augusto
Enviado por Renadson Augusto em 05/03/2016
Reeditado em 06/03/2016
Código do texto: T5564536
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