Nós, adultos falidos, e a criança que sonha.

Ao longo da minha presente encarnação tenho me envergonhado com frequência cada vez maior. E também com mais intensidade. E sempre com a força do plural, me deixando de olhos arregalados, de bochechas vermelhas, tensas e até doloridas. Não me refiro apenas à vergonha absurda em relação ao golpe que sofremos no ano passado, na ascensão do pensamento e atitudes fascistas por todos os lados, do deboche do poder em relação aos desassistidos e que assombram as mentes pensantes, assaltam corações incautos, instigam ódio fervente saindo por todas as ventas.

É vergonha do ser humano mesmo, das suas atitudes tão nocivas, ao mesmo tempo que vulgares. O analfabetismo político crônico é uma das vertentes da minha vexação. E vejo, leio, vivencio tramoias, mentiras, desfaçatez de toda ordem e tudo isso sempre me amargurou, assaltando a minha alma, deixando o coração aos frangalhos... e sempre ao longo da vida. E isso não acaba. Vejo que não consigo amadurecer emocionalmente nesse assunto e o coração fraqueja, pulsa mais rápido e as lágrimas vêm.

Lendo diariamente os jornais me deparo com um vídeo envolvendo especialmente duas crianças no Irã. Devem ter seus cinco anos de idade, nada mais. Defronte a um caminhão com ajuda humanitária, um garotinho puxa, com insistência, uma menininha pela mão e a apresenta ao voluntário que entregava alguma comida. Com a mãozinha no ombro da menina, o garoto perguntava: “Você não deu comida para ela?” Ele não pedia para si, mas para a garotinha. E o menino olhava insistente para o homem da van e batia suavemente no ombrinho da menina, como que a reafirmar a pergunta e cobrar uma solução plausível.

Esse menino é a luz do mundo. O sal da terra.

Não sei o seu nome, suas origens, sua idade exata, as razões da sua atitude, mas, reafirmo, ele é a luz do mundo.

Um mundo onde o radicalismo avança, as ameaças prosseguem, as traições de toda ordem aumentam e a desilusão tem triunfado em todas as partes do planeta.

Como ser humano, peço perdão a essa e a outras crianças. Perdão porque herdaram um mundo encravado de ganância, inveja, exclusão e oportunismo.

Sinto mais ainda vergonha de você, menino do Irã. Vergonha pela humanidade não ter coragem e brilhantismo moral suficiente para lhe proporcionar uma vida mais branda, alegre, colorida e com cheiro de algodão doce. Vergonha por não poder te dar alguma certeza. Vergonha por não poder pedir para você confiar no próximo e de afirmar que o mundo poderia lhe ser seguro. Vergonha pelas ameaças constantes que uns fazem contra outros, as humilhações impostas em nome de interesses, provocando o distanciamento entre as pessoas.

Vergonha pela comida faltar tantas vezes. Desculpe, menino do Irã.

Quero poder me lembrar de você todos os dias e rezar e poder acreditar que a justiça seja possível, que o amor possa triunfar, bem como o perdão, a empatia, o acolhimento, o abraço sem malícia, o olhar meigo e que a partilha faça parte do seu cotidiano e dos seus iguais.

Perdão, menino querido do Irã. Que você seja a nova estrela a brilhar num mundo tão escuro.

Ofereço a você o meu natal.

Seja muito, muito feliz. Feliz na prática da justiça, na arte da partilha, na comunhão e no amor universal. Que Deus continue guiando seus passos, menino do Irã.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 20/11/2017
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