seu amor era antropofágico

Ela o conheceu em uma festa de amigos, ele estava fazendo todos sorrirem quando ela chegou e foi apresentada. Era bem mais jovem que ela e por sinal também muito gato, por isso jamais imaginou que um dia eles pudessem ter um lance juntos, mas para sua surpresa foi exatamente o que aconteceu.

Os dois saíram juntos algumas vezes e estar com ele fazia-a esquecer de todos os seus problemas, era atencioso e engraçado, a fazia se divertir, foi quando resolveu levar o relacionamento para um nível de intimidade e ele topou a parada na hora.

O sexo com ele foi algo surreal, recebeu uma dose exagerada e alucinante de algo que jamais havia experimentado antes, uma mistura de volúpia excitante e amor louco que criou dentro dela um coquetel de emoções inusitadas. Ficou faminta daquele corpo foi quando o convidou para morar com ela e para sua alegria, ele disse sim.

Descobriu-se viciada daquele amor, precisava cada vez mais daquela excitação, desejava obsessivamente cada atenção e carinho dele, queria-o somente para ela, já não podia vê-lo dar atenção a mais ninguém, não podia permitir que outros tivessem o que era somente dela. Desejava-o como uma louca, estava dependente daquele amor e o vício, como se sabe, é a marca de todo amor obsessivo, foi quando descobriu que seu amor era canibal.

“Meu vício é você! Meu cigarro é você! Eu te bebo, eu te fumo. Meu erro maior eu aceito, eu assumo. Por mais que eu não queira, eu só quero você”, canta Alcione com aquela voz de enlouquecer. O amor obsessivo é marcado por um sentimento muito intenso que sufoca o objeto amado. É desejo maníaco de posse, onde a felicidade só existe se o outro for totalmente dominado e cativo e de mais ninguém, não cabe nesta relação os amigos, colegas de trabalho e até mesmo parentes e familiares mais próximos.

Normalmente estas pessoas obsessivas são caracterizadas por insegurança e baixa estima e claro, são dolorosamente ciumentas, por isso se tornam obcecadas pelo objeto que desejam, esperam encontrar nesta relação solução para seus conflitos emocionais, acreditam que fazendo assim serão felizes. Como canta Ivete Sangalo: “O seu amor é canibal comeu meu coração, mas agora eu sou feliz”. Era o caso dela, seu amor era antropofágico.

Ele não aguentou aquele amor sufocante e claustrofóbico, já não conseguia mais respirar, tinha saído de todos os grupos da rede social que participava foi quando então, sem avisar, pegou suas coisas e foi embora. Como um toxicômano sem sua droga ela ficou enfurecida, enlouqueceu, ficou adoecida e em crise de abstinência e foi neste momento que procurou ajuda.

Descobrir que seu amor era narcísico não foi fácil, foi no divã que percebeu que o que amava era somente seu reflexo. Amava a si próprio a partir do outro, amava no outro aquilo que foi que é ou que gostaria de ser, ela se projetava nele e de certa maneira ele sustentava isso nela, mas se esgotou e foi embora.

Ficar sem seu grande amor foi um grande e terrível impacto, já não conseguia mais pensar em outra coisa que não fosse ele, com quem estaria agora, fantasiava que havia outro alguém em seus braços, que tinha outra mulher em sua cama, seu amor foi se transformando em ódio e o desejo de vingança lhe dominava por completo. Foi no divã que aprendeu que o amor não é vinculativo, por isso o desejo de posse nunca pode estar presente, o outro fica porque escolheu estar ao seu lado, fica porque a alma desejou estar.

Descobriu que ninguém pode preencher nossas faltas e que amamos alguém por causa daquilo que somos, pois amor não é salvação, é escolha. Reconhecer suas próprias necessidades e carências, cuidando de seus desejos é o caminho para o amor próprio, voltar a cultivar suas relações interpessoais e melhorar dia a dia o que falta dentro de si, também é importante para se livrar da obsessão e acima de tudo nunca se esquecer de que amar é correr riscos, mas vale à pena amar.

Jairo Carioca, escritor e psicanalista, autor do livro "Crônicas de um divã Feminino" pela editora Autografia e que já se encontra à venda nas melhores livrarias ou pelo telefone (21) 995702931.

Jairo Carioca
Enviado por Jairo Carioca em 16/11/2017
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