Eu acompanho há 12 anos o relacionamento dos meus avós todos os dias. Eu assisti o alzheimer tornar o meu avô outra pessoa completamente diferente nos últimos anos e vi a minha avó se tornar mais forte a cada ano que ele piorou, tudo isso regado com o maior bom humor do mundo. A minha avó é uma escola de bom humor, ela ri de qualquer coisa e segue em frente. Ela ri quando ele faz xixi na cama, levanta, limpa tudo e volta a dormir. Ela ri quando ele conta histórias sem sentido, quando pede para ir para casa (e estamos em casa), ri quando tem que dar comida para ele na boca. Mas agora a doença ficou séria, tão séria que acabei receando que roube o bom humor da nossa casa.
         Ele não é mais o mesmo e nós também não.
         Embora eu tenha várias questões para abordar sobre o assunto, umas das coisas que não sai da minha cabeça é que acho que não sabemos o que significa casamento e eu acho que a minha avó sabe, então comecei a observá-la mais. Não acredito que aos 20 ela conseguia mensurar onde suas escolham iam levá-la, não acho que quando ela olhou o meu avô pela primeira vez, ou pela milésima, ela conseguiu se enxergar lhe dando comida na boca, ou ensinando para ele onde fica o banheiro da sua própria casa, ou ficando sem dormir porque ele não para de andar pelos cômodos pedindo para ir embora. Ou pensou que os irmãos deles, que não formaram suas próprias família, acabariam ficando aos cuidados dela também. Com certeza ela não pensou em construir uma sala de televisão pensando em colocar uma cama no meio dela para o seu cunhado dormir. Embora ela provavelmente não tivesse noção do que o futuro lhe reservava, quando ela o encarou (o seu futuro) foi leal às suas escolhas, o aceitou completamente e cuidou do seu marido como disse que faria.
          A minha avó é muito dedicada a todos que ela ama. Ela trabalha 24 horas por dia em casa para que nós possamos seguir com as nossas vidas, realizar os nossos sonhos, nos divertir, trabalhar, descansar. Enquanto morei com ela (e foi a maior parte da minha vida) nunca a vi falhar com seus deveres domésticos, ela faz esse papel melhor do que ninguém, porque o faz ainda hoje com o maior prazer para todos os seus filhos e netos e para todos os amigos que vierem. E isso tudo enquanto ainda tem tempo para sua hidroginástica, para o seu trabalho com vendas de cama, mesa e banho, para as suas viagens, para a sua igreja e para os amigos. Eu não sei como ela faz isso!
            Mesmo quando essa doença apareceu para revirar nossas vidas, não a vi largar uma das suas coisas para continuar se dedicando ao máximo ao marido. Eu nunca presenciei um relacionamento assim, sabe? É claro que não é da época dela essa coisa de divórcio, e é cultural da sua época não se separar, mas não sei, isso não combina com ela. Ela é uma dessas pessoas que vai até o fim com cada coisa que se compromete, um exemplo mesmo. E com o meu avô não foi diferente. Fico pensando quantos casais que eu conheço fariam algo assim um pelo outro, pensando em quantos “para sempre” são ditos em vão, no calor de um momento ou de vários, mas sempre sem possuir o seu significado mais literal.
              Será que não temos que tomar mais cuidado com quem (e porquê) decidimos passar o resto de nossas vidas? Será que não somos extremamente carentes, apressados, superficiais? Será que quando dizemos para sempre, ou até que a morte nos separe ou para toda a eternidade realmente estamos dispostos a amar cada fase, cada humor, cada idade do outro? Será que sabemos que a pessoa que amamos hoje está mudando, envelhecendo a todo instante e que comemorar o aniversário de 50 anos de casamento vai ser bem diferente do 1, 2 ou 10 anos? Eu não sei, fiquei pensando… pensando nesses namoros, se realmente acredito neles. Pensando se sou capaz de um amor assim. Pensando se sou capaz de cultivar um casamento, criar os filhos, cuidar dos netos apesar de toda circunstância. Se assinaria o contrato vitalício que essas coisas exigem. Pensando se valeria a pena alguém fazer isso comigo, se existe alguém que seria para mim como é a minha avó para o meu avô, se eu ficasse muito doente, ou velha, ou enlouquecesse, se existiria esse alguém que estaria do meu lado, rindo das minhas regressões, ou se preocupando, ou perdendo as noites de sonos por mim mesmo eu não tendo mais nenhum lampejo da pessoa que era, pela qual se apaixonou.
                O amor não é romântico, tem uns livros, umas pessoas falando sobre isso agora, mas eu aprendi com a minha vó. 
O amor é quando um continua o outro, como diz um grande ser humano chamado Moisés Esagui. Meu avô parou no tempo. A minha continua ele, com ele e por ele.