A Tatuagem

No dia 23 de agosto decidi fazer uma tatuagem. Como qualquer postulante ao status de tatuado, passei a pensar exaustivamente em desenhos, frases e símbolos para eternizar na finita eternidade de minha pele.

Neste dia, percebi que a maior crise daquele que pensa em rabiscar algo em si mesmo é o fato de não saber o que rabiscar. Pensei em grudar em meu antebraço um lobo de olhos sinistros, mas tive medo de não arranjar emprego. Considerei a possibilidade de escrever em minhas costas o nome de minha mãe, mas temi os ciúmes de meu pai. Desejei prender em meu peito, minha data de nascimento em números romanos, mas tive receio que descobrissem minha idade. Quis marcar em meu punho a palavra “fé“, mas tive medo que Deus me achasse hipócrita. Consultei álbuns e vi fotos, mas nada me agradava efetivamente. O que era legal, era caro. O que era barato, era feio.

Parava as pessoas nas ruas somente para olhar-lhes os braços, pernas, pescoços e mãos, tentando garimpar algo que tivesse um formoso significado ou que fosse simplesmente belo, mas nada me satisfazia, nada me agradava. Pedi ajuda a um amigo que já tinha algumas tatuagens espalhadas pelo corpo. Implorei para que ele me desse alguma ideia ou sugestão. Até a Deus pedi ajuda. Pedi que Ele me desse alguma palavra divina para que eu pudesse adornar a mim mesmo.

Alguns minutos após meu desespero, recebi uma mensagem em meu celular. Não era de Deus, muito menos do meu amigo. Já nem me lembro quem foi o infeliz que me perturbou o sossego. Lembro-me apenas que o tal infeliz teve a felicidade de me fazer reparar em algo que há muito tempo já havia esquecido, e que você distraído leitor, após ler estas poucas linhas, com certeza esqueceu-se também.

Iniciei esse texto dizendo algo sobre o dia 23 de agosto. Neste dia glorioso deste mês tão cruel, meu avô fazia aniversário. Nada que aconteça nesta Terra miserável pode ter mais importância do que este acontecimento. Neste mundo sofrível meu avô já não existe mais. Exceto nas gavetas empoeiradas de minhas lembranças. Quando vi a mensagem que o infeliz enviou-me ao celular, não atentei-me ao que estava escrito, atentei-me apenas ao canto superior da tela, onde a data permanecia imóvel, apenas esperando que eu a notasse. Ao perceber o número vinte e três, e lembrar-me do homem que me foi muito mais que o pai de minha mãe, antes, fora-me também pai e também mãe, e professor, educador, motorista, cozinheiro, auxiliador, amigo, companheiro... Chorei. Chorei gotas ensopadas de melancolia.

Depois de lavar a cara na pia do banheiro, para que ninguém notasse as tristezas que me escorriam pelas bochechas, notei algo em mim que nunca havia percebido. Ao me olhar no espelho, vi através do peito a palavra “saudade” tatuada em meu miocárdio desfalecente.